sábado, 21 de maio de 2016

Prazer à mesa - Sophie Deram



A nutricionista e endocrinologista Sophie Deram é contra os regimes alimentares restritivos e defende que para ser feliz e saudável é preciso comer com prazer

Comer para acelerar o metabolismo. Comer com prazer e sem culpa para ter uma vida mais saudável e o peso sob controle. Em uma época na qual toda hora surge uma dieta prometendo resultados milagrosos e em que as pessoas, em especial nas redes sociais, têm todo o tipo de dica sobre emagrecimento, essas frases acima podem até parecer loucura. Mas a nutricionista, endocrinologista e pesquisadora Sophie Deram quer justamente mostrar que elas fazem todo o sentido.

Em seu recém-lançado livro "O peso das dietas" (Editora Sensus, R$ 34,90), ela alerta para os perigos das dietas restritivas, que exigem a contagem de calorias diárias ou cortam um grupo alimentar (carboidrato e gordura, por exemplo) do cardápio.

Para ela, o segredo para emagrecer de forma saudável é uma combinação de fatores, como fazer as pazes com a comida, dormir bem, se hidratar, fazer atividade física, optar por alimentos mais frescos e menos processados e, o mais importante, respeitar, cuidar e aceitar seu corpo. Ah, e tudo isso sem culpa e com prazer!

Todos os tipos de dieta são perigosos?

Não, nem todos. Algumas dietas são bem saudáveis e até podem ser consideradas um estilo de vida, como a mediterrânea, que é mais focada no consumo de legumes, azeite e peixes e menos no de carne vermelha. Tem também a sem glúten, mas essa é saudável apenas quando indicada para quem tem doença celíaca (pessoas alérgicas à proteína que é encontrada no trigo, no centeio e na aveia, entre outros grãos). O problema é que a palavra dieta está sendo usada para um tipo de alimentação muito restritiva, e isso é perigoso.

Quais os riscos das dietas restritivas?

Sou contra essas dietas que promovem a contagem de calorias ou restringem alimentos e grupos alimentares, por exemplo carboidrato ou gordura. Em qualquer um dos casos, a pessoa se priva e aí, ao invés de comer de maneira consciente, ela só vai pensar em contar e restringir. A preocupação dela vai mudar de foco, fazendo com que viva momentos de estresse e o cérebro não vai gostar dessa nova maneira de comer, totalmente controlada.

O que exatamente acontece com o cérebro quando a pessoa faz uma dieta como essa?

O cérebro controla tudo, é o nosso maestro. Ele que cuida das emoções, da fome, da saciedade e até do peso. Quando alguém faz uma dieta restrita, o cérebro ativa o sistema de sobrevivência porque acha que está em perigo. Essas restrições o assustam e, por isso, ele desenvolve mecanismos de adaptação para se proteger. Sabe como? Aumentando o apetite e obsessão por alimento e diminuindo o metabolismo, justamente para que a pessoa coma e não corra o risco de perder gordura.

E quais os efeitos disso?

Quando alguém faz dieta restritiva o cérebro fica muito conservador e chega, inclusive, a diminuir a quantidade de neurotransmissores como a serotonina, que regula humor, sono, apetite e ritmo cardíaco. Aí a pessoa fica triste, irritada, nervosa e tem menos energia. Quando isso acontece, ela vai acabar pensando mais em comida e o resultado será engordar ou, pelo menos, retomar o peso perdido inicialmente. Estudos mostram que entre 90% e 95% das pessoas voltam ao peso inicial ou ganham mais peso depois de uma dieta desse tipo. Fora isso, muito desenvolvem o comer emocional ou seja, passam a comer quando estão tristes, ansiosas, bravas, ao invés de respeitar a fome e a saciedade. Tem muita gente que fica perdida e não sabe mais quando está com fome ou saciada.

Como acelerar o metabolismo?

Por mais difícil que seja acreditar nisso, é comendo que se acelera o metabolismo. Quando bem nutrido, ele funciona de maneira ideal. Também é importante dormir bem, se hidratar, curtir a vida e ser ativo, mas sem exagerar na quantidade de atividade física, porque o seu excesso pode ter o mesmo resultado que fazer dieta restritiva, ou seja, estressar o cérebro.

Quando você fala que é preciso comer, qual a recomendação?

É comer na hora em que sentir fome. Quem passou por muitas dietas vai ter que regular isso, já que a pessoa deixa de saber o que é fome e o que é saciedade. Mas o ideal é respeitá-las. E também é preciso ter uma rotina alimentar, com café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar.

E aquela história de comer de três em três horas?

Nosso corpo não é uma máquina, um robô. Se a pessoa toma um bom café da manhã, certamente ela ainda não terá fome depois de três horas. E, se comer por obrigação, vai acabar prejudicando o almoço. Repito que o mais indicado é se alimentar apenas quando sentir fome.

Existe segredo para emagrecer de forma saudável?

É importante não contar calorias, não restringir grupos alimentares, comer sem gula, optar por alimentos mais verdadeiros, aqueles encontrados nas feiras ou nas gôndolas de produtos frescos dos supermercados, menos processados, e não ter pressa. Mas o mais importante é confiar em si mesmo. As pessoas entram na crença de que seu corpo não é o ideal, e nessa busca por perfeição acabam perdendo o equilíbrio. Com isso, provavelmente irão engordar. O ganho de peso é o jeito do corpo se proteger de uma agressão, e peso saudável não se consegue pela restrição, pela guerra contra você mesmo. Muito pelo contrário. Ele se consegue respeitando e cuidando do corpo.

Como assim?

Infelizmente, a nossa saúde em geral está focada no peso. Só que peso é consequência e não saúde. Quando focamos na saúde e no bem-estar geral, aí sim estamos no caminho do peso saudável. Se a pessoa está bem consigo mesma, tranquila, curtindo o corpo e a vida e não enxerga a comida como inimiga, ela começa a emagrecer. O melhor caminho para emagrecer de maneira suave e sustentável é um só: retomando o prazer de comer.

Eu seu livro você fala bastante sobre essa questão do prazer de comer e o comer sem culpa...

O ato de comer é fisiológico e também psicológico. O ser humano se alimenta de nutrientes e emoções. Já foi comprovado por estudos que quem come com culpa, come mais. Quando a pessoa vê o alimento como um aliado, ela passa a ter paz na hora das refeições e isso faz com que coma mais devagar, saboreando cada garfada, e em menor quantidade. A culpa está muito presente hoje em dia e vem, em parte do terrorismo nutricional que estamos vivendo. São tantas as regras do que se pode ou não comer que nem conseguimos mais acompanhar.

E quanto ao prazer de comer?

Ele é fundamental para o nosso equilíbrio e saúde mentais. Para o ser humano, um animal social, uma das felicidades é compartilhar a comida. Quando isso não acontece, porque a pessoa está de deita, ela acaba tendo o seu bem-estar prejudicado. Sentar á mesa com amigos e parentes é a oportunidade de dividir os momentos do dia, os bons e os ruins. Comendo ameniza-se o estresse e é possível enxergar os problemas com um distanciamento maior. No caso das crianças, as que comem à mesa no jantar, com os pais, são associadas a um menor risco de obesidade, a uma maior ingestão de legumes e frutas, a um melhor desempenho na escola e a um menor risco de usar drogas na adolescência.

Qual é a sua avaliação sobre a alimentação  do brasileiro?

Não podemos generalizar, até porque o Brasil é imenso. Fico encantada quando viajo e provo pratos típicos de cada região. Aqui se tem uma culinária muito rica. Mas o terrorismo nutricional também chegou forte. Estudos internacionais mostram que o Brasil é o país do lanche. Parece que as pessoas estão comendo o tempo todo, e isso não é bom. De toda forma, o Brasil é sensacional, com uma variedade enorme de alimentos, especialmente frutas e legumes, e com bons preços. O princípio dos restaurantes por quilo também é sensacional porque dá para comer de tudo um pouco. O brasileiro tem tudo para comer bem, mas seu comportamento alimentar está sendo prejudicado, infelizmente. É como se ele tivesse uma Ferrari e não soubesse dirigir.

12 dicas de Sophie Deram para o seu bem-estar

- Faça as pazes com seu corpo e tenha mais confiança

- Cuide do seu cérebro, pois é ele que controla tudo

- Pense sustentável e sem pressa

- Viva o presente e respeite a fome e a saciedade

- Coma melhor, não menos, sem culpa e gula e com satisfação

- Faça as pazes com os alimentos e não os classifique como bons e ruins

- Mexa-se, durma bem e estabeleça rotinas saudáveis

- Celebre a comida, compartilhe refeições e sinta prazer em comer

- Evite regras alimentares rígidas e ensine seu filho a saborear as comidas

- Opte por alimentos verdadeiros e menos processados

- Não tenha medo de falhar e pare de acreditar em milagres

- Procure progresso, não perfeição e evite o estresse


(texto publicado na revista Divino Fogão nº 19 - ano 05 - mai/jul de 2016)

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