terça-feira, 23 de agosto de 2016

A arte de cuidar - Pe. Léo Pessini


Vivemos hoje uma verdadeira "crise de humanização", cujos evidentes sintomas se manifestam através de descuido, descaso, indiferença e abandono da vida mais vulnerável. Os exemplos são muitos: comumente nos deparamos com crianças famintas, perambulando nos cruzamentos de nossas cidades; observamos o aumento do número dos excluídos das benesses do progresso e o descaso para com os idosos; promovemos o utilitarismo depredatório em relação ao meio ambiente e criamos instituições de saúde tecnicamente impecáveis, mas frias, sem alma e calor humano!

Felizmente começamos a ter exemplos e testemunhos de sensibilidade e solidariedade em relação à vida humana - vulnerabilizada pela doença e pelo sofrimento -, que nos deixam esperançosos ao apontar que a essência da vida e o cuidado. Mas o que entender por cuidado? A expressão terapêutica deriva do grego therapéuo, que significa "eu cuido". Na Grécia antiga, o thérapeuter era aquele que se colocava junto ao que sofre, compartilhando com ele a experiência da doença para poder compreendê-la e, então, mobilizar seus conhecimentos e sua arte de cuidar, sem saber se poderia realmente curar. Para compreender a doença, ele se interessava pela totalidade da vida do doente, inclinando-se para ouvi-lo e examiná-lo. Essa inclinação (que vem do grego klinos, termo do qual deriva a palavra clínica) significava também reverência e respeito ante o sofrimento do doente.

Palavra de paciente

Cuidar sempre é possível, mesmo quando a cura não pode mais ser alcançada. Sim, deparamo-nos com doentes ditos "incuráveis", mas que são - e nunca deveriam deixar de ser - "cuidáveis". Cuidar, mais que um ato isolado, é uma atitude constante de ocupação, preocupação e ternura com o semelhante, unindo competência técnico-científica a humanismo e ternura humana.

Através das palavras de um paciente, partilhamos a reflexão de um amigo camiliano, Tom O'Connor, sobre o que significa a experiência de cuidar. Como lhe disse este paciente, cuidar é quando você:

- Aproxima-se de mim, mesmo sabendo que não pode atender ao meu mais profundo desejo, isto é, a minha cura;

- Visita-me, mesmo sabendo que estou me despedindo da vida;

- Continua a me ver, mesmo sendo um dos representantes de uma das profissões que falharam em me curar;

- Vem me ver porque acredita em mim, tenha ou não cura a doença;

- Perde tempo comigo, embora eu esteja numa situação tão frágil e incapaz de dar algo em troca. Não posso nem dizer "obrigado" com elegância;

- Faz com que me sinta alguém especial, embora eu seja como todos os outros pacientes;

- Não me vê apenas como um caso perdido, mas como alguém, ajudando0me, assim, a me concentrar no viver;

- Relembra pequenas coisas minhas, se interessa pelo meu passado, meu futuro e minha família;

- Diz "boa noite", o que não significa "adeus", dando-me a certeza de que você estará de volta ao amanhecer:

- Não se concentra no meu "mau humor", mas em mim, como pessoa;

- Aproxima-se de mim sem ares de profissionalismo insensível, mas como ser humano que todos somos;

- Faz com que minha família fale bem de você e se sinta confortada na sua presença;

- Faz com que eu me sinta seguro em suas mãos.

O cuidado autêntico é amor, tem um poder próprio. É bom nos perguntar: Qual é a marca que estamos deixando em nossas vidas e na vida das pessoas com quem nos relacionamos? Oxalá seja sempre uma marca de ternura e cuidado, ou de ciência com ternura!


(texto publicado na revista Família Cristã nº 864 - ano 74 - dezembro de 2007)

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