Nada me dá mais inveja que assistir aos ginastas olímpicos. Se há algo que eu desejaria ter feito na vida, é ginástica olímpica. Quando assisti a Diego Hypólito girando que nem um parafuso no ar, babei de admiração. Na minha idade, ainda posso aprender. Hebraico. Sânscrito. Posso ler a obra de Proust. Mas a ginástica olímpica está descartada. Mesmo que uma catapulta me atire pra cima, não darei saltos mortais. No máximo, gritos de susto. Senso de realidade é diferente de baixa autoestima. Qualidades tenho. Mas se me pendurarem numa barra vou gritar por socorro.
Passei a vida ouvindo de médicos, e lendo em sites, que ter barriga é o pior que pode acontecer a um homem. Cintura com circunferência acima de 100 centímetros pode provocar a síndrome metabólica, que por sua vez pode derivar em diabetes e problemas cardiovasculares. Há meses tentei entrar num regime sério. Meu rosto emagreceu rapidamente. Com meu cavanhaque poderia fazer o papel de bode em alguma festa infantil, embora digam que estou muito bem. Depois de semanas de sofrimento e fome, enquanto os amigos me presenteavam com bolos, chocolates e tudo que é possível para destruir um regime, o tamanho do meu cinto caiu para 90 centímetros. E aí ficou. Indicaram-me um médico que com tratamento a laser diminuiria minha barriga.
- É uma espécie de lipoaspiração menos invasiva - explicaram-me.
Marquei a consulta. O doutor afirmou que realmente a tecnologia do laser diminui a idade, quando aplicada no rosto. E que sim, é possível tratar da barriga. Fiquei de cuecas para ele me examinar.
- Você comeu alguma coisa que fez mal? Sua barriga está inchada - comentou ele.
- Não está inchada. Nem engoli oito bolas de boliche. É ela, tal como é.
Óbvio, não era um bom início de relacionamento entre o médico e a barriga. Ele apalpou.
- Você tem gordura visceral.
Mandou botar a camisa.
- O laser não resolve seu caso. É para gordura superficial. - anunciou.
- Que acha de uma lipo tradicional?
- Também não é para você.
- Que devo fazer?
- Fechar a boca. Evitar os carboidratos.
Vamos combinar: a maior parte das coisas deliciosas deste mundo tem carboidratos. Bolos. Pizzas. Pãezinhos franceses. Viver sem carboidrato é estar fora da sociedade, de certa maneira. Não se pode aceitar nem um macarrão na casa de um amigo. Ele continuou:
- Exercícios também.
Ouço isso desde os 11 anos. Sou de uma geração anterior à moda de academias. E nunca realmente consegui ter uma vida atlética. Aí veio o pior.
- Você tem doses altas de corticoides. Como é sua rotina?
Expliquei: gosto de escrever de noite. Acordar tarde.
- O melhor é mudar - continuou.
- Ahn?
- Um dos fatores da gordura visceral são os corticoides. Você vive às avessas.
- Jamais mudarei - respondi.
Desde criança tenho dificuldade em acordar cedo. Minha mãe sofria para me tirar da cama, quando a escola era de manhã. Expliquei brevemente:
- Na Pré-História, houve uma guerra entre dois tipos de seres humanos. Os notívagos e os diurnos. Venceram os diurnos e desde então somos submetidos a vocês. Por mim, os shoppings abririam a noite toda e fecharam ao amanhecer.
- Na Pré-História, não havia shopping center - observou o doutor, enquanto preenchia um formulário para me encaminhar a um psiquiatra.
Mas, quando ele tentou falar sobre um tratamento psiquiátrico, rosnei. Ele desistiu.
- O fato é que você não vai perder a barriga sem regime e esforço físico.
Quase chorei. Lembrei de uma reportagem segundo a qual ovos com bacon toda manhã diminuem a circunferência abdominal. Só não sei onde li, nem a seriedade. Calei-me, como provavelmente todos fazem quando são avisados que não podem mais tomar cerveja ou comer feijoada. Melhor o silêncio que o debate. Já pedi hora na nutricionista. Ela dirá que deixei o regime, por isso não perdi o esperado. Voltarei à dieta, com muita salada, permitida em todo regime. A maioria jura que salada é uma delícia. Finjo que acredito. Há rodízio de pizza. De carne. De massas. De comida japonesa. Alguém já viu rodízio de salada?
(texto publicado na revista Época nº 949 - 22 de agosto de 2016)
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