sábado, 12 de julho de 2014

O que o estresse faz com a digestão - Leonardo Valle


O vilão provoca mudanças hormonais, distúrbios no peristaltismo e deixa o estômago vulnerável a inflamações. Conheça as doenças sob a sua influência

O encontro do Colégio Americano de Gastroenterologia, em 2010, trouxe um estudo interessante: pessoas com distúrbios de sono eram até 3,5 mais vezes propensas a apresentar má digestão. É verdade que as náuseas, gases e dores abdominais aparentavam dar uma trégua quando havia exercícios físicos na jogada. Contudo, a má digestão se tornava mais alta conforme o nível de ansiedade do paciente. Tais dados comprovaram a relação entre estresse e problemas digestivos. "Quem nunca apresentou uma dor de estômago ou uma diarreia nas horas de tensão, por exemplo?", lembra Fábio Kassah, gastroenterologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP).

Entender o problema

Mas, afinal, o que é o estresse? "Ele é a soma de respostas físicas e mentais causadas por estímulos externos. Assim, são produzidos hormônios de luta ou de fuga, como cortisol, adrenalina e noradrenalina", explica Claudia Chang, doutora em Endocrinologia e Metabologia pela Universidade de São Paulo (USP). Quando o fator estressante cessa, os níveis de hormônios tendem a se normalizar.

O problema ocorre quando o estímulo se mantém. O resultado são sintomas como alterações de sono e humor, fadiga, hipertensão arterial, déficit de memória e, claro, problemas gastrointestinais. "A presença contínua do cortisol e da adrenalina pode resultar em dificuldade de digestão, diminuição da barreira protetora gastrointestinal, aumento da secreção de gastrina (hormônio que regula a secreção ácida do estômago) e aumento do movimento intestinal", lista Kassah.

Série de hábitos nocivos

Muita gente não sabe, mas o estresse afeta homens e mulheres sem distinção e envolve alterações fisiológicas desencadeadas por problemas contínuos no dia a dia. É fato que alguns hábitos nocivos pioram o quadro: dormir pouco, ficar na internet durante a madrugada, alimentar-se mal e ser sedentário. Potencializado o estresse, os sintomas digestivos aumentam. Brian Lacy, gastroenterologista e professor da Dartmouth Medical School e autor do estudo Dispepsia funcional: fator de risco para o sono desordenado", afirma que "o sono desordenado pode afetar a função do nervo no trato gastrointestinal superior, que levaria ao agravamento da má digestão. Cria-se, assim, um ciclo vicioso, que leva a mais dor e a mais insônia", explica.

Uma ajuda do psiquiatra

Para melhorar os sintomas, é fundamental mudar a forma de viver e de encarar os problemas diários - fatores que dependem de características individuais. Por esse motivo, não raro é necessário o acompanhamento de um psiquiatra e de um psicólogo ao lado do gastroenterologista.

"O papel do psiquiatra é tratar a ansiedade. Ele avalia o nível e a intensidade do problema e qual é a situação geradora do estresse, trabalhando na causa e orientando para a sua resolução", fala Lincoln Cesar Andrade, psiquiatra (PR). Fármacos para ansiedade podem ser prescritos. "Eles diminuem a ativação do sistema nervoso com o fim de equilibrar as funções do organismo", completa o médico. A seguir, veja como o estresse influencia os problemas gastrointestinais mais comuns: 

Úlcera é o processo de destruição da mucosa do estômago e duodeno, atingindo camadas profundas. Em outras palavras, seria como uma ferida no órgão.

Causa: Uso de medicamentos anti-inflamatórios, álcool, infecção gástrica pelo Helicobacter pylori e estresse alteram a mucosa protetora, deixando-a vulnerável ao ácido clorídrico utilizado na digestão.

Relação com o estresse: Pessoas estressadas podem ficar muito tempo sem comer. No primeiro caso, o ácido clorídrico age diretamente na mucosa. No segundo, é necessária uma maior quantidade da substância para quebrar os alimentos.

Gastrite é uma inflamação na mucosa do estômago.

Causa: Remédios anti-inflamatórios, álcool, estresse e infecção pela bactéria Helicobacter pylori. "Ela é capaz de destruir as ligações entre as células gástricas, permitindo que o ácido penetre por entre as células e danifique o tecido abaixo e a própria mucosa", diz Ivan Stabnov, gastroenterologista do Hospital Adventista Silvestre.

Relação com o estresse: Em linhas gerais, os hábitos alimentares comuns em pessoas estressadas - como o jejum prolongado e a má mastigação - são os vilões à medida que aumentam a agressão à mucosa. O estresse pode provocar dor abdominal similar a da gastrite.

Má digestão é a sensação de que a digestão não está se processando adequadamente. Pode vir acompanhada de empachamento, gases e dores.

Causas: Diversas, incluindo estresse, gastrite, problemas de vesícula biliar ou pâncreas, álcool, doenças crônicas e má alimentação. O excesso de gorduras retarda o esvaziamento gástrico.

Relação com o estresse: Ele aumenta a produção de ácido e a deglutição de ar, que causa náusea. Estudo da Dartmouth Medical School (EUA), mostrou que outros sinais vinculados ao estresse - distúrbio do sono e ansiedade - potencializam a má digestão e a dor.

Doenças inflamatórias são inflamações por mecanismo autoimune. "A retocolite ulcerativa acomete o intestino grosso, enquanto a doença de Crohn pode atingir da boca ao ânus", diz Rodrigo R. Henriques, gastroenterologista do Hospital Badim (RJ).

Causa: Autoimune.

Relação com o estresse: Funciona como um gatilho para inflamação, mas seu papel é pequeno.

Náusea é a sensação de estômago embrulhado, com necessidade de se colocar seu conteúdo para fora.

Causas: Gravidez, embriaguez, enxaqueca, labirintites, lesões cerebrais, altitude, ansiedade e estresse.

Relação com o estresse: "O ansioso engole muito ar, provocando distensão gástrica e náusea", diz Stabnov.

Refluxo gastroesofágico é o fluxo exacerbado do conteúdo líquido do estômago para o esôfago.

Causas: Elas podem ser diversas, mas a mais aceita é a pouca coordenação entre a deglutição e o relaxamento do esfíncter esofagiano.

Relação com o estresse: "O estresse promove maior secreção ácida pelo estômago. O líquido torna-se mais lesivo", aponta o gastroenterologista Rodriguo.

Intestino irritável ocorre quando o intestino passa a apresentar sensibilidade em situações corriqueiras, como passagem de gases e de fezes. Há indigestão, desconforto, diarreia ou prisão de ventre e urgência evacuatória, sem alterações orgânicas.

Causa: Não está clara. Há hipótese de problemas musculares e indícios que, em alguns casos, os sintomas aparecem após infecções intestinais.

Relação com o estresse: O estresse influencia os movimentos do tubo digestivo e as ramificações nervosas do cólon, podendo levar a desconforto e dor.



(texto publicado na revista VivaSaúde nº 133 - edição de aniversário de 11 anos)






















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