sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Leitura em ação - Helaine Martins


Seja na biblioteca, na livraria ou na internet, os clubes do livro despertam o gosto pela leitura e rendem deliciosas viagens - sem tirar os pés do chão

Quando Evandro Paiva leu Grande Sertão: Veredas pela primeira vez, o impacto foi tão grande que, por muito tempo, sua vida ficou completamente tomada pelo romance de João Guimarães Rosa. Evandro não queria que o livro terminasse. Mais que isso: queria que todo mundo o lesse. "A história tocou profundamente a minha alma interiorana. Rosa capturou ali a essência do que sinto, penso e quero ser enquanto o correr da vida vai embrulhando tudo", conta, emocionado.

O astrônomo de 56 anos que hoje vive em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, é amante da literatura desde a adolescência. Lê de vinte a trina volumes por ano e se lembra, como se fosse hoje, de quando caiu em suas mãos o livro Sidarta, do alemão Herman Hesse, que circulava entre os amigos e despertava debates apaixonados. "Discutiam o livro com tanto entusiasmo que resolvi lê-lo também, para poder dar minha opinião. Aí, não parei mais."

Evandro nem imaginava, mas a obra alemã, a primeira que leu sem ter sido por obrigação escolar. já plantava nele a semente do que viria a ser um dos mais tradicionais grupos de leitores do país, o Clube de Leitura Icaraí. Criado em 1998, o CLIc surgiu dessa vontade coletiva de ler um libro e depois se reunir para comentá-lo. E o que era para ser apenas uma boa conversa entre amigos deu tão certo que já comemora quinze anos de existência.

Mais leitor, por favor

A dinâmica do clube é simples: os participantes escolhem uma obra e a leem. No mês seguinte, eles se encontram para um bate-papo e compartilham suas impressões sobre o livro escolhido. E vale tudo: desde clássicos da literatura até best-sellers.

A inspiração para as leituras coletivas vem dos Estados Unidos e da Inglaterra, onde os clubes do livro têm tradição e são fundamentais para a formação do público leitor. Só na Inglaterra, cerca de 500.000 pessoas participam desse tipo de encontro. Um número que fica ainda mais impressionante se comparado aos hábitos de leitura dos brasileiros. Dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2012, mostram que cada leitor lê, em média, quatro livros por ano. E pior: o grupo dos "não leitores" aumentou.

Os motivos para tamanha falta de intimidade com a leitura são muitos, e mudar de hábitos não é nada fácil, especialmente para os adultos. Os clubes de leitura, no entanto, podem ser um caminho divertido e estimulante. "A criação de espaços como esses, que trazem crianças, jovens e adultos para perto dos livros e estimulam uma leitura mais crítica e reflexiva, é essencial para uma formação cidadã", defende Vera Bastazin, professora de literatura e crítica literária da PUC de São Paulo.

Além de permitir que o leitor compartilhe suas dúvidas e reflexões, a leitura em conjunto o ajuda a vivenciar a história de um jeito diferente. Mas é preciso tomar cuidado para que os debates não afastem os participantes. "O clube deve ser um espaço de troca e cultivo das ideias que brotam do ato de ler", diz Bastazin. "Não pode ter uma linguagem difícil, cifrada, que inibe ou compromete a discussão."

Curta e compartilhe

Por causa dessas discussões quase acadêmicas, a ilustradora Irena Freitas, 22 anos, nunca havia se empolgado com um clube do livro. As poucas tentativas tinham sido frustrantes: "Era sempre um monte de gente tentando parecer mais inteligente que os outros. Eu achava isso meio chato", confessa a manauara. É que ela é fã de um gênero que, mesmo ganhando cada vez mais espaço nas livrarias, ainda é subestimado: o Young Adult, ou YA, um tipo de literatura escrita para jovens de 14 a 21 anos e que tem Jogos Vorazes, Crepúsculo e Harry Potter entre seus títulos mais conhecidos. Irena não conseguia encontrar ninguém com quem compartilhar suas impressões. Então, decidiu criar o próprio clube.

O espaço para os debates não poderia ser mais perfeito: a internet. No The Golden Books Society (A Sociedade dos Livros de Ouro) são proibidos clássicos da literatura ou qualquer outro estilo que não seja Young Adult. A proposta é ler e quebrar preconceitos. "Muita gente acha que o YA é ruim só por ter um público mais jovem", diz Irena. "Eu quis mostrar que dá para discutir o gênero de forma inteligente."

Embora virtual, o clube funciona como os grupos ao vivo, com escolha de livros e debates mensais, mas sempre, claro, com o reforço de recursos da internet, como tags literárias e fanmix - as trilhas sonoras temáticas para as leituras. Em seis meses de atividades, o clube no Facebook conta com 219 participantes. E Irena já se arrisca a passar o que aprendeu nos debates: "Toda leitura é importante e tem algo a acrescentar, nem que sejam só umas risadas", diverte-se e ensina a leitora voraz.




(texto publicado na revista da Drogaria Raia nº 38 - jun/jul de 2014)















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