Você consegue imaginar sua vida sem um aparelho celular? Estar numa situação de emergência e não ter como se comunicar para pedir uma ajuda? Estar num lugar muito legal e não poder ligar para alguém para dividir a experiência? Ou não poder mandar uma foto em tempo real? Estar preso no trânsito, precisar falar com alguém ou mandar um e-mail urgente e não poder? Se perder em algum trajeto e não ter acesso a um GPS para ajudar?
Pois é, tudo isso e muito mais é possível hoje com um smartphone. E como facilita a vida, não? Mas, será que não estamos exagerando no uso desses aparelhos? Para todos os cantos que olhamos vemos pessoas compenetradas em seus celulares e alheias ao mundo à sua volta. É comum vermos pessoas num restaurante, cada uma interagindo com seu celular ao invés de conversarem.
Sem dúvida, a invenção do celular e da internet estão provocando uma revolução na nossa vida. Para se ter uma ideia da abrangência desse fenômeno, veja alguns números que impressionam nesse mundo tecnológico: segundo dados da União Internacional de Telecomunicações, órgão ligado à ONU, o número de celulares chegará até o fim desse ano a 7 bilhões, próximo do número de habitantes do planeta. O uso da internet nos celulares também aumentou e chega hoje a 2,3 bilhões de usuários, ou cerca de 32% da população mundial. De acordo com a Anatel, no Brasil o número de linhas celulares ativas passa de 273 milhões, sendo que São paulo está em primeiro lugar, com quase 66 milhões de aparelhos. Um estudo realizado pela F/Nazca em parceria com a Datafolha aponta que 43 milhões de brasileiros acessam a internet por meio do celular.
Esses aparelhos incorporam inúmeras funções, com muitas ferramentas que ajudam realmente a organizar a vida. Com um celular com acesso à internet é possível comprar, estudar, trabalhar, pesquisar, ler notícias, divertir-se, jogar, ouvir músicas, conectar-se a um GPS para ir a algum lugar, relacionar-se com outras pessoas, entrar nas redes sociais e, principalmente, obter informações.
Não há como discordar de que a convivência com a tecnologia é inevitável e influenciará cada vez mais a vida de todos nós. São inegáveis os benefícios que os aparelhos móveis trouxeram à vida moderna, pois além da facilidade de comunicação com grande número de pessoas, a mobilidade de acesso a diversos contextos contribui para maior eficiência e agilidade de resposta às situações.
Por outro lado, essa abundância de recursos tecnológicos nos apresenta o desafio de usufruir das facilidades que eles nos oferecem, sem cair no exagero que poderá comprometer nossa saúde, a qualidade das nossas relações, etc.
Os jovens são os mais atraídos para o uso desses aparelhos, justamente pela inovação tecnológica, para a qual têm grande habilidade e interesse, e por oferecerem diversidade de entretenimento. Geralmente o aparelho passa a ser também um símbolo de status e de identidade perante o grupo. E essa faixa etária é mais sujeita ao uso excessivo desses aparelhos, podendo sofrer prejuízos no desempenho escolar, no relacionamento interpessoal e familiar.
Para muitos profissionais o celular é uma ferramenta de trabalho, aumentando produtividade, agilizando negócios e decisões. E, também estão sujeitos ao uso exagerado desses aparelhos, por se manterem conectados constantemente, atentos às diversas informações. São interrompidos a todo instante por chamadas, mensagens, e-mails, que "não podem esperar". É frequente estarem em reunião ou realizando alguma tarefa e, ao mesmo tempo, manterem-se atentos às mensagens que chegam pelos aparelhos móveis. E essa interrupção constante no fluxo de sua atenção provoca desgastes no cérebro, podendo levar a lapsos de memória, segundo pesquisas de neurocientistas. Além disso, o desejo de absorver a avalanche de informações que chega é um fator gerador de grande ansiedade, estresse e outros transtornos emocionais.
Algumas pessoas perdem a noção do tempo que gastam manuseando seus aparelhos celulares e acabam apresentando problemas de relacionamento interpessoal e deterioração da vida familiar, já que muitas vezes utilizam o aparelho enquanto estão na companhia das pessoas, prejudicando o convívio. Até mesmo crianças estão tendo acesso a esses aparelhos cada vez mais cedo e não é incomum vê-las manuseando o celular dos pais ao invés de brincar com os colegas.
Ainda não sabemos aonde essa revolução tecnológica vai nos levar, mas os pesquisadores têm levantado questões que merecem reflexão. Já foi inclusive, cunhado o termo "nomofobia" para a dependência do celular ou uso exagerado do aparelho. Esta palavra surgiu na Inglaterra e deriva de no mobile phobia, que significa ansiedade por estar sem seu celular, sentimento manifesto por grande número de pessoas hoje em dia. É difícil identificar quando um "hábito" sai do controle e entra na esfera da "dependência". Assim, é importante identificar alguns sinais de que o uso está passando do normal, como por exemplo: sensação de angústia e desconforto quando se está sem o celular, pensamento recorrente sobre o que estaria acontecendo na internet quando se está offline, irritabilidade quando tenta frear o uso, utilização intensa do celular para aliviar sentimentos de ansiedade, tristeza, culpa; falta de interesse por outras atividades, isolamento social, queda de desempenho escolar ou profissional em decorrência do uso excessivo do celular.
No final das contas, estamos literalmente o tempo todo conectados. Já acordamos olhando as notícias do dia, os e-mails que entraram, mensagens, o que os amigos postaram nas redes sociais, etc. E o que ganhamos com isso? Certamente, muita coisa interessante, caso contrário não viraria um hábito ou até mesmo um vício! Mas, se a moderação é uma grande virtude, talvez possamos nos valer dela e refletir profundamente sobre esse tema e nos perguntarmos se estamos fazendo uso adequado dessas tecnologias, se elas estão realmente sendo um benefício ou comprometendo alguns aspectos de nossa vida.
Experimente desligar seus aparelhos móveis por um período e veja como se sente. Observe como se relaciona, como realiza suas atividades, como se alimenta, como enxerga o mundo ao seu redor, enfim, seja o que for que faça durante este tempo, observe se há diferença. Se for para melhor, procure praticar isso mais vezes e por períodos maiores; você vai perceber o benefício de viver mais intensamente no mundo "real". Se, por outro lado, a experiência for muito desconfortável, se sentir muita falta de seu velho companheiro "celular", tente identificar a razão. O que será que o mundo virtual preenche, que o "real" não preenche? Como está seu relacionamento com o mundo "real"? Com seu trabalho, sua família, seus relacionamentos afetivos, amigos, etc? Será que você está se "anestesiando" ou se "escondendo" nesse mundo virtual porque o real está muito difícil de lidar? Ou está "vazio"? Que papel esse mundo virtual está tendo na sua vida? Após esta análise, esforce-se para inverter essa ordem. Afinal, a vida é aqui e agora!
(texto publicado na revista Tudo nº 42 - ano 4 - julho de 2014)
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