Você está preparado para ser um cuidador?
Quando um cuidador precisa da ajuda de um profissional da saúde?
Em algum momento da vida chega a nós a oportunidade de sermos cuidadores de avós ou pais ou de algum familiar que precisa de cuidados. No primeiro momento começamos a sentir emoções que até então não conhecíamos: o medo do novo ou sentimentos de impotência, dependendo da situação. Nestas ocasiões o interessante é conversar com um profissional da área que nos ajudará a equilibrar nossos sentimentos e emoções.
Entrevistamos a psicóloga e psicanalista, Deolinda Lacerda Fonseca Batista, que atua nessa área clínica há 18 anos como psicoterapeuta, atendendo adolescentes, adultos e idosos, além de orientar e direcionar famílias e o trabalho dos cuidadores em suas vicissitudes.
Leve & Leia - Qual é a ocupação de um cuidador?
Deolinda Lacerda - A ocupação de cuidador integra a Classificação Brasileira de Ocupação (CBO) sob o código 5162, que define o cuidador como alguém que "cuida" a partir dos objetivos estabelecidos por instituições especializadas ou responsáveis diretos, zelando pelo bem-estar, saúde, alimentação, higiene pessoal, educação, cultura, recreação e lazer da pessoa assistida.
Leve & Leia - As pessoas estão preparadas para cuidarem dos idosos?
Deolinda Lacerda - Esta pessoa, geralmente leiga, assume funções para as quais, na grande maioria das vezes, não está preparada. É importante que o profissional (terapeuta) tenha sensibilidade ao lidar com os cuidadores. O ato de cuidar não caracteriza o cuidador como um profissional de saúde. Portanto, o cuidador não deve executar procedimentos técnicos que sejam de competência dos profissionais de saúde, tais como aplicação de injeções, curativos complexos, instalação de soro, etc... Esse excesso de cuidado bem-intencionado pode se tornar abusivo, interferindo e prejudicando a relação paciente-cuidador. Daí a necessidade do profissional para avaliar as diferenças e exageros. O cuidador deve ter seus limites bem estabelecidos, como uma auto-defesa para não adoecer juntamente com a situação envolvendo seu paciente e/ou família.
Leve & Leia - O que então seria o auto-cuidado?
Deolinda Lacerda - Cuidar de si próprio, são as atitudes, os comportamentos que a pessoa tem em seu próprio benefício, com a finalidade de promover a saúde, preservar, assegurar e manter sua vida. Nesse sentido, o cuidar do outro representa a essência da cidadania, do desprendimento, da doação e do amor. Já o auto-cuidado ou cuidar-se, representa a essência da existência humana.
Leve & Leia - O que define um bom cuidador?
Deolinda Lacerda - O bom cuidador é aquele que observa e identifica o que o paciente pode fazer por si, avalia as condições e ajuda a pessoa a fazer as atividades do dia a dia. Cuidar não é fazer pelo outro, mas ajudar o outro quando ele necessita, estimulando a pessoa cuidada a conquistar sua autonomia, mesmo que seja em pequenas tarefas. Isso, muitas vezes, requer a ajuda do profissional de saúde, que vai apontar se o cuidador está ultrapassando seus limites quando procura preservar a saúde do paciente - muitas vezes acaba extrapolando e adoecendo. Um idoso ativo é mais feliz. É fundamental ter paciência, dar apoio, mostrar confiança e estimular sempre. Não devemos fazer pelo idoso o que ele pode fazer por si mesmo, pois desse modo se sentirá desvalorizado.
Leve & Leia - É comum a pessoa que cuida e a que necessita de cuidados apresentar atitudes e sentimentos de raiva, culpa, tristeza, depressão, ansiedade, etc...?
Deolinda Lacerda - É muito comum e podem aparecer juntos na mesma pessoa. Por isso, precisam ser compreendidos e orientados, pois fazem parte da relação do cuidador com a pessoa cuidada. Por exemplo, o cuidador ou alguém da família vai alimentar a pessoa e essa se nega a comer ou, outro exemplo, não quer tomar banho. É importante que este cuidador reconheça as suas dificuldades em atender o paciente que se nega a receber estes cuidados e, principalmente, que trabalhe seus sentimentos de frustração sem culpar-se.
Leve & Leia - O "não" de um paciente acamado pode indicar o que?
Deolinda Lacerda - O "não quero" ou "não posso" pode indicar várias coisas, como, por exemplo, "não quero ou não gosto de como isso é feito", ou "agora não quero, vamos deixar para depois". O cuidador precisa ir aprendendo a entender o que essas respostas significam e não se sentir impotente ou desanimado diante de uma resposta negativa do seu paciente. É importante conversar com o paciente, com a família e com a equipe de saúde; e também tratar a pessoa a ser cuidada de acordo com sua idade. Os adultos e idosos não gostam quando os tratam como crianças. Mesmo doentes com limitações, a pessoa a ser cuidada precisa e tem direito de saber o que está acontecendo ao seu redor e de ser incluída nas conversas. Cada pessoa tem uma história que lhe é particular e intransferível e que deve ser ouvida, respeitada e valorizada.
Leve & Leia - Qual o caso mais significativo em que você contribuiu e onde houve grandes melhoras?
Deolinda Lacerda - Atendi uma família em que o casal tinha Alzheimer. A mãe em estágio moderado, o pai com Alzheimer misto em fase inicial, o que significa que além da doença propriamente dita, era acompanhado de mini AVC (Acidente Vascular Cerebral) que piorava seu estado. Foi necessária uma avaliação criteriosa e algumas sessões com a família. O casal tinha dois filhos casados e os familiares não desejavam que fossem internados, pois eram fisicamente ativos. Pude notar a importância da orientação não só para os cuidadores como para toda a família.
Leve & Leia - Qual o papel da família em relação os métodos terapêuticos que podem ser usados no tratamento do paciente com demência/Alzheimer?
Deolinda Lacerda - A família devidamente orientada ajuda a manter a rotina estruturada, estimula e participa na realização de atividades do paciente, podendo lidar com alterações de comportamento, supervisionando as medicações e ficando atenta, se treinada para isso, a possíveis efeitos colaterais.
Leve & Leia - Que profissionais estão envolvidos nos cuidados e no tratamento dos pacientes com demência/Alzheimer?
Deolinda Lacerda - Além do médico, é importante a participação do psicólogo (na reabilitação e no suporte, tanto do paciente como da família), fisioterapeuta (em particular, a partir da fase moderada), fonoaudióloga, nutricionista, terapeuta ocupacional e musicoterapeuta.
Leve & Leia - Qual a sua orientação para uma família que não tem condições de contratar um cuidador profissional?
Deolinda Lacerda - O cuidador não necessariamente precisa ser alguém contratado, pode ser alguém da família ou designado pela mesma, que tenha afinidade com o paciente e que tenha habilidades e características necessárias para esta função. Que tenha humildade em buscar auxílio, fazendo cursos (até gratuitos) que existem no mercado, para aprimorar-se e informar-se.
Leve & Leia - Qual o melhor momento para o cuidador pedir ajuda a um psicoterapeuta?
Deolinda Lacerda - No momento em que perder o controle da situação, ou seja, não reconhecendo as necessidades e reações afetivas do paciente, prejudicando assim a si mesmo, a família e ao trabalho. Se o adoecimento acontecer ao cuidador, indica-se a busca de ajuda especializada, para assim atingir um novo nível de adaptação e reconhecimento desses limites.
Leve & Leia - Com quantas sessões de psicoterapia o cuidador já consegue seguir adiante e sentir-se mais seguro?
Deolinda Lacerda - Para casos emergenciais onde o cuidador ou a família encontra-se muito angustiada, recomendo a psicoterapia breve que inclui aproximadamente 12 sessões. Este trabalho abrange uma entrevista minuciosa para detectar a situação problema, história pregressa do paciente, queixas e, em alguns casos, como na Clínica Médica, a solicitação de exames ou testes específicos, conforme necessidade.
(texto publicado na revista Leve & Leia nº 126 - ano 8 - maio de 2015)
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