O livro 1942: O Brasil e sua Guerra quase Desconhecida nos surge particularmente oportuno, pois trata do Brasil na Segunda Guerra Mundial e expressa um protesto contra a ignorância generalizada no País em relação à participação de uma força expedicionária brasileira. O contato que mantenho com estudantes confirma estas afirmações do autor. Ainda recentemente, um rapaz, em vias de ingressar na Universidade Católica de São Paulo, me dizia: "É verdade, eu soube que vocês chegaram a desembarcar na Itália, mas não entraram em combate, não é mesmo?"
Tudo isto parecia ainda mais estranho, ao lembrarmos que nossa imprensa tem registrado com destaque as datas correspondentes aos feitos da FEB. Será que não se leem jornais ou mesmo os resumos na tela do computador?
O livro inicia com uma evocação do pai do autor, o soldado João Lavor Reis e Silva, que lutou nas fileiras do Regimento Sampaio, do Rio de Janeiro, quando este já se tornara o Primeiro Regimento de Infantaria da FEB. João Barone se lembra do pai calado e reticente quanto à sua participação na guerra. Este livro surge, pois, como uma homenagem comovida e reconstituição das histórias que ele deixara de contar.
O autor é baterista do Paralamas do Sucesso, mas aquela vontade de reconstituir o que seu pai havia silenciado levou-o a empenhar-se a fundo no tema da Segunda Guerra Mundial. Assim, além de elaborar este livro, realizou um documentário sobre o ás brasileiro da aviação, Pierre Clostermann, que participou da cobertura do desembarque aliado na Normandia, o tão esperado Dia D, e escreveu sobre esta e outras vivências na guerra no livro O Grande Circo. Além disso, Barone fez outro filme, Um Brasileiro no Dia D, com a última entrevista de Clostermann, pouco antes de sua morte em março de 2006.
Esta obsessão com o tema levou-o também a descobrir outro brasileiro entre os participantes do Dia D, Arthur Scheibel, que se engajou na marinha marcante norte-americana e, depois, no exército ianque, sendo morto na operação de desembarque.
O livro dá o devido destaque à perplexidade dos brasileiros diante da devastação e penúria que encontraram na Itália e lembra que eles repartiam sua comida com a população.
Tendo visitado a região dos combates num grupo de entusiastas da história da FEB, pôde constatar o carinho com que a população lembrava ali o convívio com os brasileiros. Ocorre, pois, uma situação paradoxal enquanto no Brasil bem poucos lembram a atuação da FEB, os habitantes da região em que se travaram os combates recordam com afeto a passagem dos brasileiros por ali. Claro que nada disso deve resultar numa idealização e que as duras contingências daqueles dias deixaram sua marca tanto em nós como na população, mas, feito o balanço, as lembranças positivas são muito mais fortes.
O livro traça um histórico dos brasileiros nas guerras e, neste sentido, constitui um documento valioso. Além de tratar da FEB, aborda com o devido destaque a ação de nossa esquadrilha aérea e a da marinha de guerra. Neste sentido, detém-se particularmente no episódio do cruzador Bahia, que afundou depois de se chocar em mina, pouco após o término da guerra. (Leia-se sobre este episódio o romance escrito por um dos sobreviventes, Moacyr C. Lopes, Maria de cada porto, que teve grande repercussão quando saiu, mas está bastante esquecido.) Lendo esta parte do livro, estranhei a falta de uma constatação: nossa marinha de guerra teve quase o dobro de mortes em relação à FEB, conforme se verifica numa visita ao monumento-mausoléu no Rio de Janeiro.
O livro contém ainda um bem material iconográfico. Duas das fotos documentam o embarque da tropa brasileira no transporte norte-americano General Mann, que partiria em 2 de julho de 1944. São bem expressivos ali os rostos preocupados de nossos soldados, vergados sob o peso do Saco A, que reunia os objetos de uso imediato. Pois bem, um dos soldados aparece com o enorme saco na cabeça e segurando na mão direita seu violão. Isso acabou constituindo uma característica de nossos homens, nos momentos mais difíceis, em meio à neve e ao gelo, eles carregavam um pouco do Brasil quando entoavam sambas (é verdade que isto se tornava impossível nos abrigos da infantaria, onde se procurava não revelar a posição da tropa).
Aliás, uma das lembranças boas que me ficaram da guerra é a de uma jovem italiana entoando com sotaque inevitável a Aquarela do Brasil.
Ainda em relação ao material iconográfico do volume, deve-se destacar a foto do monumento erguido na Base do Monte Castello, nos arredores de Gaggio Montano, em homenagem à FEB. De autoria de Mary Vieira, inaugurou-se em junho de 2001, mas a escultora já havia falecido. (Quando visitei a região, em 1965, havia ali um monumento provisório.)
Um dos méritos do livro está em lembrar o sacrifício de tantos brasileiros na assim chamada "Batalha da Borracha". Na época, os Aliados se defrontaram com a escassez de borracha, devido ao avanço japonês no Sudeste asiático e recorreram ao Brasil, que se encarregou de produzi-la em quantidade suficiente.
Segundo o autor, cerca de 57.000 nordestinos foram então transportados para a Amazônia, onde trabalharam em condições deploráveis de exploração pelos donos dos seringais. No entanto, devido à retirada dos japoneses, o Sudeste asiático voltou a produzir borracha para os Aliados e o preço desse produto caiu drasticamente, situação agravada ainda pelo início da produção de borracha sintética.
Nossos homens e suas famílias ficaram então reduzidos à miséria, morrendo cerca de 31.000.
Enfim, recordando triunfos e misérias, este livro se constitui em documento indispensável para o conhecimento do Brasil na Segunda Guerra Mundial.
(texto publicado no jornal O Estado de São Paulo - Caderno 2 - C5 - 9 de maio de 2016)
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