sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Fui vendido! - Walcyr Carrasco


De uns tempos para cá, meu Facebook passou a ser invadido por mensagens de candidatas a casamento. Nenhuma brasileira. Seus textos, embora em português, devem ser traduzidos eletronicamente, pois os verbos vêm no infinitivo, as vírgulas fogem. Tipo: "Eu ser mulher de trinta e cinco anos estar interessada em conhecer senhor interessar seu perfil meu email ser...". Algumas vêm com foto, outras não. A maioria de países distantes, africanos, do antigo Leste Europeu... Tenho certeza que as candidatas não têm a mínima ideia de quem sou, no que trabalho, Nenhuma fala em novelas e, francamente, a maioria já passou até da fase de recauchutagem. Meu perfil pode ser até atraente, mas para as mais desesperadas. Mas... que perfil? Nunca entrei em nenhum site de oportunidades amorosas. Muito menos pus perfil com foto procurando uma candidata pelo mundo. É óbvio, tal a frequência das mensagens, que alguém botou. Ou melhor, vendeu meu perfil, com foto e tudo, pois elas se referem a minha aparência simpática. Modéstia à parte, sou mesmo simpático. Pelo menos em fotos. Quem vendeu, quem ganhou? Não mereço nem uma consulta antes de ser posto num site internacional de relacionamento? Ainda bem que já passei da idade de fazer programa. Modelos brasileiras já apareceram em sites de prostituição sem ter nada a ver com isso. Usam as gatas para, depois de atrair o cliente, entregar alguma lebre gorda e orelhuda.

Toda loja me pede para preencher um cadastro com o e-mail. Depois, começo a receber centenas de propagandas. Algumas das próprias. Outras de empresas de que nunca ouvi falar. Minha caixa de e-mails fica inundada pelas propostas mais incríveis: sofás a preço promocional, a nova coleção de alguma grife. Ameaçadora, uma clínica de beleza avisa que meu rosto se tornará um pergaminho, se não tratar da pele... Meu e-mail pessoal não é semelhante a meu nome. concluo que sou vendido em pacotes, sem autorização. Pergunto: é justo? Atualmente, quando pedem o cadastro, me recuso a dar o e-amil. Já ouvi que, nesse caso, a compra não poderia ser efetuada. Respondo:
- Certo, então não compro.
Claro, desistem imediatamente. Certamente o pobre vendedor levará um puxão de orelha por não ter conseguido o e-mail.
Tentam me aliciar, pelo menos a cada duas semanas, para um grande golpe. As histórias variam, mas têm um padrão. Uma delas é a da velhinha que está morrendo na Inglaterra e decidiu passar sua imensa fortuna para mim, que deverei administrá-la até seu passamento. Por que uma velhinha inglesa me escolheria? Bem, parece que e la procura alguém honesto, digno etc. No primeiro momento, me sinto envaidecido. No segundo, olho o endereço de e´mail: "undisclosed recipients". A velhinha escolheu um batalhão! Fato: simplesmente faço parte de uma lista de e-mails comprada em algum lugar. Outra história recorrente é o ditador africano que, ao morrer, deixou um saldo bilionário num banco. Agora precisam de alguém como eu para resgatar a fortuna. O negócio tenta parecer verídico, se comprometem a me dar somente uma parcela. Pensei algum tempo: que golpe é esse? Onde ganharão o dinheiro? Certeza não tenho. Já ouvi histórias de que, se o incauto responde, alguém pede um depósito numa conta, justamente para resgatar a grana e repassar. Depois some. Ouvi também narrativas mais escabrosas, tipo: alguém foi para a Nigéria pegar o dinheiro e acabou sequestrado. O pior dessa tentativa de golpe é que a vítima não poderá chamar a polícia, pois participava de uma jogada desonesta. Confesso, uma vez me senti tentado. Por um motivo simples: o e-mail era dirigido somente ao meu endereço (aparentemente) e falava num "Carrasco" recentemente morto, sem herdeiros, cujo parente mais próximo era eu. Balancei. O único problema é que tenho irmãos, primos. Dificilmente seria o único herdeiro mais próximo. Se algum patriarca morreu, o queijo da herança seira dividido entre uma ninhada. Inquietante pensar que tinham detalhes como meu nome e sobrenome. 
Quem vende, quem compra? Sabemos que redes sociais vendem nossos perfis, sem autorização. Há empresas especializadas em listas de e-mails, de Twitter. Empresas trocam listagens. Sou apenas um nome numa lista, vendida a granel.
Considero uma prática abusiva. De que adianta? Sei que, neste exato momento, estão me vendendo. E alguém está me comprando. Que sensação desagradável!


(texto publicado na revista Época nº 830 - 28 de abril de 2014)

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