terça-feira, 16 de agosto de 2016

Terceira idade - Walcyr Carrasco


Estou no aeroporto internacional de Guarulhos, prestes a enfrentar a fila de passaportes. Vejo a indicação da fila para idosos. Quase ninguém. Vou para lá. A plaquinha, para indicar os de mais idade, mostra uma velhinha encarquilhada de bengala. Não me sinto assim. Socorro! Precisava uma velhinha de bengala? Pergunto a um funcionário próximo:

- Esta é a fila para idosos?

Óbvio que eu sabia a resposta. Só esperava ouvir:

- É. Mas quantos anos o senhor tem?

Ou ao menos uma expressão de surpresa:

- O senhor tem mais de 60 anos?

Coisa nenhuma. Ele me lança um olhar e aponta.

- É aqui mesmo!

Em um momento desses, dá vontade de sair correndo do aeroporto e entrar no consultório do primeiro cirurgião plástico que aparecer. Continuo. Passo pela fila, todo mundo sorri e, oh, céus, ninguém estranha! Seria tão bom se alguém tentasse me impedir!

Pior foi num museu em Portugal. Estava com um amigo, de uns 40 anos. A bilheteira olhou para mim. Avaliou. Avisou, simpática:

- Se o senhor tem mais de 65 anos, pode pagar meia.

- Não, não! Tenho só sessenta e quatro e meio! - expliquei.

São seis meses. Mas são meus.

Ou seja: meus amigos mentem. Minha família também. Gostam de dizer que pareço ter 50 e poucos. Otimista, já penso que talvez esteja na casa dos 40. Mas o fato é que nunca fui barrado numa fila de avião para idosos. Um dos meus melhores amigos de adolescência hoje toma ônibus de graça. Quando nos vemos, comento que ele não aparenta a idade. Ele diz que eu também não. Os motoristas dos ônibus são as testemunhas de que tudo é vã vaidade, mera vaidade!

E agora vou ser franco. Todo mundo diz que idade não conta, o que importa é a alma interior. O espírito jovem. Objetivamente: ninguém convida a alma interior para uma balada. Muito menos beija apaixonadamente. Na hora de conversar, o íntimo e profundo conta muito. Para atividades mais fogosas, a barriguinha de tanque faz mais sucesso que qualquer conversa sobre filosofia. Claro, há exceções. Já conheci uma mulher bonita, artista plástica, que só gosta de namorar homens mais velhos. Mas a idade coloca quem ainda está na pista numa nova categoria: a do fetiche. Você só terá uma vida amorosa se encontrar alguém que realmente tenha fetiche por alguém mais velho. Pior: casais de idade e monogâmicos perdem, em parte dos casos, o interesse um pelo outro. Tornam-se amigos. Companheiros. Um dos dois corre o risco de se apaixonar, separar-se e detonar a grana por uma nova paixão. Jovem e esperta.

Tentam vender a terceira idade como uma fase áurea da vida. Isso é invenção do pessoal do politicamente correto, que gosta de dar nomes bonitinhos para disfarçar as agruras da realidade. Há vantagens no envelhecimento, claro. Uma elas é aprender que a vida segue, seja como for. E que de fato o espírito não envelhece, a não ser que você permita. Eu, por exemplo, sou um sujeito cheio de sonhos. Quero continuar a escrever, é o que mais gosto de fazer. Mas também sei que há carreiras que não posso e não devo iniciar mais. Triatleta. Nadador olímpico. Hummm...

Acho importante aceitar que a terceira idade é uma fase sim, cheia de dificuldades. Pessoais, nos relacionamentos. Médicas. É um terror abrir os jornais, olhar os obituários e descobrir que conhecidos mais jovens partiram. A longevidade aumentou. Só me interessa se tiver qualidade de vida. Quanto a questões estéticas, basta lembrar dos contos infantis. A princesa e o príncipe sempre são jovens e belos. A bruxa em geral é desenhada como uma velha encarquilhada e cheia de rugas. Isso diz o que as pessoas realmente sentem sobre a terceira idade. Minha opção é: aproveitar todas as amenidades, como filas especiais. Mas pinto os cabelos. Fiz uma plástica há muitos e muitos anos. Penso em fazer outra. Vou ficar de rosto esticado que nem uma bola de bilhar? Melhor que parecer uma de futebol após o jogo da seleção. Vou ao dermatologista, ponho Botox. A maioria dos políticos também bota, mas finge que não. Fiz dentes novos. Às minhas amigas aconselho seguir o Instagram@adrianamiranda. Tem um blog também. Ela tem mais de 60 anos, mas o corpo em cima. E dá dicas de como chegar a isso.

O importante é não cair na armadilha de que essa é a melhor idade. Isso é o tipo de coisa que não pode ser decidido por uma campanha social do governo. Só no interior de cada um. Pode até se tornar a melhor fase de sua vida. Mas é você quem tem de decidir.


(texto publicado na revista Época edição 947 de 8 de agosto de 2016)

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