Como já disse em outras postagens, sou professora de italiano há quase 25 anos (2012 é o ano do meu jubileu de prata!!!). Já fui à Itália 8 vezes, mas faz 10 anos que não viajo para lá. Sendo assim, quando encontro um italiano aproveito para me atualizar um pouco. Geralmente os encontro em feiras no Anhembi ou é algum cliente de tradução juramentada. Todos eles no início falam comigo em português mas acabo vencendo porque respondo sempre em italiano. Vários italianos me contatam e o último que conheci faz pós em Filosofia na USP e quando vou entregar algum trabalho para ele, acabamos batendo um papinho.
É interessante saber a visão de um estrangeiro a respeito de nosso país, de nossa cidade e principalmente de nosso idioma. Uma coisa que chamou a sua atenção é o nosso costume de usar muito o diminutivo e o aumentativo e ele já percebeu algumas nuances. Por exemplo, "aquela garota é bonitinha", "ele é tão bonzinho". Aproveitei para contar o ocorrido com uma ex-aluna que apresentou um italiano como "o meu amiguinho". Em português não tem nada demais, mas em italiano, se dissermos "il mio amico" tudo bem, mas em "il mio amichetto" o significado muda (amichetto = amante). O "amiguinho" da minha aluna ficou roxo de vergonha ao ser apresentado, mas na ocasião ela não entendeu o motivo. Como coincidências não existem, ao ler a edição de abril da revista "Língua Portuguesa" achei o seguinte artigo que fala justamente do uso dos "ãos" e dos "inhos".
O uso generalizado dos sufixos -ão e -inho pode ser um sinal de
quanto os falantes do idioma são passionais
Aldo
Bizzocchi
"Faz um tempão que eu não como um pratão de feijoada, com aquele feijãozinho
pretinho, aquele arrozinho esperto, uma linguicinha e um torresminho pra
acompanhar, sem falar na indispensável caipirinha! Ou então uma cervejinha bem
geladinha, que com esse calorão não tem coisa melhor." Talvez você nunca tenha
se dado conta, mas a nossa língua, especialmente a língua falada, é repleta de
palavras aumentativas e diminutivas.
Talvez seja essa uma das grandes
diferenças do português: a sua facilidade em criar aumentativos e diminutivos a
partir de qualquer palavra ("euzinho", "devagarinho", "rapidão" - o "poetinha"
Vinicius de Moraes, que adorava diminutivos, chegou a cunhar "cartinhazinha" e
"morrendinho"; Guimarães Rosa criou "amormeuzinho" e "assinzinho").
Derrubando mitos
Já que essas formas são tão caras ao português, é
melhor antes de mais nada derrubar alguns mitos a respeito. Em primeiro lugar,
ao contrário do que nos ensinaram na escola, o grau dos substantivos (normal,
aumentativo ou diminutivo) ou o dos adjetivos (normal, comparativo e
superlativo) não representa um fenômeno de flexão e sim de derivação. As
categorias de flexão são obrigatórias, portanto todo substantivo possui número,
e todo adjetivo, gênero e número. (A oposição masculino/feminino de alguns
substantivos, como menino x menina, barco x
barca, professor x professora, presidente x presidenta, rei x rainha,
também constitui derivação e não flexão.) Tanto que a maioria dos substantivos
não tem aumentativo nem diminutivo - a não ser poeticamente. Por isso, quem
concorda em gênero, número e grau não entende de concordância.
Outro
mito é o de que aumentativos representam coisas grandes, e diminutivos, coisas
pequenas. "Fogão" não é um fogo grande; "balão" não é uma bala gigante. Além
desses casos extremos de aumentativos e diminutivos puramente formais, existem
muitos outros (a maioria) que revelam muito menos o tamanho do objeto do que
nosso estado de espírito em relação a ele. Meu "filhinho" pode ter 1,90 m de
altura, meu "brinquedinho" pode ser uma Ferrari, meu "cãozinho" pode ser um
mastim napolitano. Em compensação, uma mulher não precisa ser alta nem gorda
para ser um "mulherão". Às vezes, um diminutivo é aumentativo: "rapidinho" é
muito rápido, "cedinho" é bem cedo, um sujeito "espertinho" é o mesmo que um
"espertalhão".
Muitas línguas não têm sufixos formadores de diminutivos
ou aumentativos. Em inglês, "cachorrinho" é
little dog (literalmente, "cachorro pequeno") ou puppy dog ("cão filhote"). Os poucos
diminutivos ingleses portadores de sufixos são formais e estão fossilizados na
língua: booklet (livreto), leaflet (folheto), eyelet (ilhós), duckling (patinho), kitten (gatinho). Outros são nomes próprios:
Yardley (jardinzinho), Brooklyn (riachinho), Beverly (castorzinho). Até a expressão
idiomática "um pouquinho" se diz a little
bit.
Prefixos e sufixos
O inglês não tem nenhum sufixo aumentativo. Daí
"carrão" ser fast car (carro veloz) e
"amigão" close friend ou best friend (amigo íntimo ou melhor amigo). O
alemão usa os prefixos diminutivos -chen
e -lein um pouco mais extensivamente que
o inglês (Hündchen, "cãozinho"; "Büchlein", "livrinho"), mas também desconhece
prefixos aumentativos.
Dentre as línguas românicas, a situação do
francês é bem semelhante à do inglês: "pouquinho" é petit peu, "Joãozinho" é petit Jean, e assim por diante. Já o italiano
e o espanhol se assemelham mais ao português. O italiano, por sinal, utiliza com
frequência advérbios no aumentativo ou diminutivo: benino ("razoavelmente bem"), benone ("muito bem"), maluccio ("um pouquinho mal"), malaccio ("muito mal"). Mas nenhuma língua que
eu conheça usa aumentativos e diminutivos tão abundantemente como o português.
E, o que é mais interessante, com as mais variadas nuances de sentido, do apreço
("queridinho") ao desprezo ("mulherzinha"), do carinho ("filhão") ao ódio
("bandidão"). Parece que uma cervejinha é muito mais gostosa e refrescante do
que uma simples cerveja. Uma comidinha caseira é sempre apetitosa. E um
cochilinho depois do almoço é altamente relaxante e reparador. E nada é mais
gratificante do que torcer para o Timão, o Verdão, o Mengão . Como diríamos tudo
isso em inglês? Little beer, little food, Big
Team, Big
Green? Essas expressões podem até ser
pronunciadas, mas nada significam na língua de Shakespeare. Nem na de Racine,
nem na de Dante, nem na de Goethe.
Enfim, se é verdade que as línguas
podem revelar a visão de mundo de seus falantes, eu arriscaria dizer que vemos o
mundo com olhos sentimentais e compassivos. Talvez seja a cordialidade de que
falou Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do
Brasil. Cordialidade que não se confunde com gentileza ou polidez; somos
cordiais no sentido etimológico do termo (do latim cor, cordis, "coração").
Nossa fala é impregnada de sentimento, mesmo quando pretendemos ser neutros e
objetivos, e o uso generalizado dos sufixos -ão e -inho, que se agregam a praticamente
qualquer classe gramatical, mostra o quanto somos passionais.
Aldo Bizzocchi é doutor em linguística pela USP e autor de Léxico e
Ideologia na Europa Ocidental (Annablume)