quarta-feira, 9 de julho de 2014

Desfazendo amizades - Mary Elizabeth Williams































































Foi um pequeno ato, mas foi também uma libertação. Olhando para trás, eu me pergunto se a mulher pretendera ser tão antipática quando manifestou seu choque com a minha admissão de que eu ainda não tinha lido aquele best-seller que todos estavam comentando. Mas a maneira como ela se expressou - "o que você faz com todo seu tempo agora que está tratando um câncer?" - me fez pensar por que mesmo eu era sua amiga. Aí percebi: eu não era amiga dela. Nós estivéramos no mesmo círculo social alguns anos atrás, mas nós nunca havíamos sido próximas e éramos ainda menos agora. Mas ali estávamos nós, qualquer semelhança de um relacionamento que tivéramos um dia reduzida a receber lixo dela no Facebook. Rolei por cima de sua foto de perfil e cliquei em "desfazer amizade". A doce liberdade da descomplicação.

Tornei a pensar nessa mulher quando uma amiga - uma de verdade - mencionou que se encontrava num dilema de mídia social que estava lhe causando um verdadeiro sofrimento. Dolores (nome fictício, como os outros citados neste texto), estava olhando uma velha  foto de escola no Facebook e, nos comentários, estava o homem que a estuprou. "Ali estava aquele idiota, perto de mim. Ali estava seu rosto feio e toda sua vida feliz. Não quero vê-lo sorrindo e agindo 'normal'. Me assusta pensar quantos homens sorrindo normalmente têm um passado de estupro de mulheres." Ela bloqueou o homem para não precisar ver suas postagens, mas começou a se perguntar sobre seus amigos mútuos, e sobre o valor que aquelas outras velhas faces de seu passado realmente tinham. Decidiu que já era hora de uma limpeza e "desfez a amizade" com quem postou foto original também.

No começo do Facebook era fácil (desejável até) aceitar amigos despreocupadamente. Lembro que minha conta era uma casa vazia, e o impulso para mobiliá-la era forte. Adicionei "amigos" que conheci de outras comunidades online, colegas de trabalho e velhos colegas de escola.

Tempos depois, descobri que estava com câncer. Decidi que era uma boa desculpa para tornar minha vida online um pouco mais privada. Parei de adicionar amigos. E me tornei inflexível na retirada de pessoas com as quais não tinha uma conexão suficientemente forte - em especial aquelas que postavam conteúdo científico fajuto, que detestavam abertamente os ideais que defendo, que abusavam de seus privilégios com "veja uma foto do que estou comendo agora" e "veja outra foto do meu cachorrinho". Nunca tive uma lista de amigos particularmente inchada, mas depois de minha "faxina", ela ficou consideravelmente mais magra. Poderia ter apenas ocultado as postagens, é verdade. Mas para quê? Para que manter pessoas no sótão de sua vida online para nunca interagir com elas?

Rachel, uma estudante de direito, tem um panorama parecido. Três anos atrás, ela cortou sua lista de "amigos" pela metade: de 1.200 para 600. Diz: "Estava me candidatando a escolas de direito e pensando mais na minha reputação profissional. Outra motivação foi querer passar menos tempo olhando perfis de pessoas que eu realmente não conheço... Foi fácil no início. Ficou mais difícil quando decidi cortar amigos de amigos, colegas de escola por muitos anos. Decidi manter colegas de escola por nossa amizade na época, mas admito que mantive algumas pessoas que mal conhecia só porque eram divertidas de acompanhar."

Rachel e eu parecemos ser um caso isolado. Quando perguntei por aí sobre "desfazer amizades", fiquei surpresa de quantas pessoas não o fazem. Meu amigo escritor Clark diz: "Eu não desfaço amizade. Para mim, o Facebook tem a ver com promover leituras literárias e eventos. Por isso, desfazer amizades é reduzir o potencial de meu mercado. É melhor deixar as relações morrerem pela lenta atrofia algorítmica."

Emmy diz isso também: "Prefiro ocultar postagens porque desfazer amizade me parece um pouco como 'cortar cabeças'. Sei que é estúpido - não há nenhum contrato social implícito em ficar 'amigo' na mídia social." E Juliet acrescenta: "Parece cruel desfazer a amizade de alguém que não fez nada especificamente contra mim".

Há quem veja o "desfazer amizade" como um último recurso. Carly admite: "Desfiz a amizade com um sujeito que se tornou um MRA (ativista de direitos do homem). Ele postou comentários antifeministas e por isso eu o cortei da lista. Há argumentos legítimos a serem feitos sobre preocupações masculinas, mas os MRA são grupos de ódio. A vida é curta demais." Bella cortou um amigo que se enveredou numa mania de selfies, explicando: "Sinto como se estivesse vendo a tristeza diante de mim".

Ainda tenho algumas pessoas na minha lista de amigos dos quais não sou realmente amiga, mas a urgência que um dia senti de limpar a casa foi arrefecendo à medida que meu círculo do Facebook diminuía. Conheço de primeira mão a fisgada no ego que um "desfazer amizade" pode trazer. É um ato contundente, embora na maior parte da vida é mais fácil se separar discretamente. Mas sei também que a simplicidade de uma lista pequena de nomes é uma alegria. Agora, eu apenas tento, nas palavras de minha amiga Meg, "não ficar 'amiga' de pessoas estúpidas". E a minha lista curta sempre pode confortavelmente ficar ainda mais curta. Como diz minha amiga Susan, "Meu sentimento é que o Facebook é puramente recreativo/pessoal e qualquer aspecto dele que faça eu me sentir mal, eu me sinto totalmente justificada em erradicar."


(tradução de Celso Paciornik - texto publicado no caderno Aliás, página D3 do jornal 
O Estado de São Paulo de 6 de julho de 2014)





























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