quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Livros: O filósofo de chuteiras - Sérgio Ruiz Luz


Biografia relembra a trajetória de Sócrates, ídolo do Corinthians e capitão do escrete nacional nas Copas de 1982 e 1986

Ele fumava quarenta cigarros por dia, era quase imbatível no halterocopismo e amava as noitadas tanto quanto a bola. Mesmo assim, consagrou-se como um dos maiorais na última grande safra de meio-campistas brasileiros. Com 1,91 metro, compensou a falta de agilidade elevando de simples firula ao estado de arte os passes de calcanhar. Assim, dava fluidez aos lances e surpreendia os adversários. O Doutor, como era conhecido, por ser formado em medicina, foi o capitão do escrete de 1982 na Espanha, lembrado até hoje como um dos grandes times que não venceram um Mundial. Quatro anos depois, liderou novamente a seleção no México, outra vez sem chegar ao sonhado título. No Corinthians, time em que atuou entre 1978 e 1984, conquistou campeonatos importantes e virou ídolo da Fiel, que demorou a se render ao seu estilo e talento. Para uma torcida fanática pelos deuses da raça, causava estranheza aquele camisa 8 cerebral, frio até na hora dos gols, comemorados discretamente com o braço direito erguido e o punho fechado.

Na biografia Sócrates, com previsão de lançamento para o dia 8, o jornalista Tom Cardoso recupera a trajetória desse craque singular. No início da década de 80, ainda com o Brasil sob a vigência da ditadura, Sócrates virou um dos mentores da célebre Democracia Corintiana. Na época, os jogadores decidiam tudo na base do voto direto, incluindo o veto a outros atletas. Em 1981, por exemplo, o veterano Paulo César Caju levou bola preta depois de pendurar na conta dos companheiros no bar do hotel quatro doses de licor francês durante uma excursão ao Caribe. Sócrates não participava da política apenas do clube. Engrossou o Movimento das Diretas Já em 1984 e era filiado ao PT. Vendido pelo Corinthians à Fiorentina, manifestou no desembarque na Europa simpatia pelo Partido Comunista Italiano, para horror da tradicional família de proprietários do clube. Depois de pendurar as chuteiras, em 1989, tentou a carreira de técnico e de comentarista do SporTV. Acabou descartado pela emissora após ter gritado gol do Corinthians durante a transmissão da final do Paulista de 1995, contra o Palmeiras.

Na vida amorosa, o jogador mostrou-se igualmente inquieto e passional. Teve seis filhos com três mulheres. Engatou ainda um tórrido romance extraconjugal com a cantora Rosemary. Os excessos fora dos gramados cobraram dele um preço alto. Alcoólatra, não conseguiu fazer a tempo o transplante de fígado que poderia ter salvado a sua vida. Sócrates morreu em dezembro de 2011, aos 57 anos, no mesmo dia em que o Corinthians entraria em campo precisando de apenas um empate para se sagrar pentacampeão brasileiro, também contra o Palmeiras (o que acabou ocorrendo). Antes da peleja, os jogadores alvinegros fizeram um minuto de silêncio com o braço direito estendido para o alto em homenagem ao ídolo.


(texto publicado na revista Veja São Paulo de 5 de novembro de 2014)

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