quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Cães do bem - Carolina Giovanelli


Pets ajudam pessoas em diversas atividades, de resgate em desastres a acompanhamento em atendimento médico

A fêmea de labrador Dara, de 4 anos, possui faro aguçado. Consegue detectar cheiros específicos a grande distância. A característica se faz obrigatória para integrar o quadro de "funcionários" caninos da Defesa Civil de Osasco, especializados em agir em casos de desastre na capital e em cidades próximas. Além dela, há dois labradores (Fanny e Radar) e uma border collie (Panda) no canil, em operação desde 1996. Esses animais são adestrados para encontrar pessoas desaparecidas, quando há suspeita de morte. Uma peça de roupa ou outro objeto que contenha o odor do usuário costuma ajudar nas buscas. Os pets também reconhecem o cheiro de cadáveres. Ao longo do treinamento, uma gaze passada num corpo em estado avançado de putrefação é empregada para condicionar seu olfato. "Eles ficam sempre a postos, alertas e descansados para agir", afirma Wanessa Camargo, gestora do local.

Em 2009, os cães auxiliaram, por exemplo, nas buscas em um deslizamento no Morro do Socó, em Osasco. Mãe e três crianças morreram soterradas. Os bichos atuam ainda em ocorrências policiais. Em janeiro, um executivo americano desapareceu, e seu assassino confessou ter escondido o corpo em um ponto próximo à Rodovia dos Imigrantes. Lá foram os labradores à procura do corpo. Como nem sempre há muita ação no pedaço, os bichos costumam marcar presença em igrejas, escolas, entidades e eventos da prefeitura. Quando podem, doam sangue a parceiros caninos em necessidade. Aos 8 anos, ganham o direito à aposentadoria. Os funcionários da Defesa Civil têm preferência na adoção.

A equipe de patas de Osasco é um exemplo de como os pets podem ajudar as pessoas em situações delicadas, emergências e tratamentos diversos. Na iniciativa privada, outra turma realiza trabalhos valiosos na Humanimais. Fundada em 2011, a empresa oferece serviços em que mascotes agem no papel de facilitadores em várias áreas. Na sede de Pinheiros, a fêmea de pastor-australiano Lola alegra sessões de terapia com a psicóloga Lilian Bertolo. O fisioterapeuta Vinicius Ribeiro e a pedagoga Andrea Petenuci, da entidade também fazem uso desse método. "Os pacientes ficam muito mais motivados e relaxados com a presença dos animais", garante Ribeiro. Os cachorros ainda acompanham rodas de leitura para incentivar o hábito nas crianças. No setor corporativo, animam funcionários de firmas durante o expediente. O serviço custa a partir de 300 reais e inclui uma visita de dois pets por cinquenta minutos.

Outra atividade que traz bons resultados é a cãoterapia. Trata-se da ida dos animais a hospitais, asilos e entidades voltados a pessoas com deficiência e em situação vulnerável. Criado em 1998 pelo adestrador Alexandre Rossi, o Instituto Cão Terapeuta é uma ONG independente desde 2013. Reúne 54 bichos voluntários. São cerca de 250 pacientes beneficiados, de dez instituições, por mês. "Lembro-me de uma moça com paralisia cerebral que não respondia a nenhuma das atividades do hospital, entre elas natação, pintura, música...", recorda Tatiane Ichitani, coordenadora do grupo. "Na presença dos animais, ela começou até a fazer careta, jogar bolinhas." O cão precisa ter mai de 1 ano e meio, ser castrado e muito sociável com humanos. Em tempo: ele deve ficar também à vontade com a situação, pois seu bem-estar está em jogo.

Autor do livro Cara de um, Focinho de Outro, o veterinário e psicanalista Marcos Fernandes explica que a interação com cachorros serve de apoio complementar para a melhora de quadros de depressão e agressividade. "A recuperação é mais rápida", diz. Em 2013, o Hospital Israelita Albert Einstein, um dos principais do Brasil, passou a aceitar que os donos levem suas mascotes para dentro do espaço. Na maioria dos casos, trata-se de longas internações. E são aceitas ainda espécies como gatos e passarinhos.

Os cães-guia também fornecem ajuda crucial à rotina de muitos humanos. A fêmea de golden retriever Júlia, de 6 anos, é fiel escudeira do analista de sistemas Gabriel Vicalvi, deficiente visual desde o nascimento. A página no FAcebook na qual o dono conta a rotina da cadela reúne quase 10 000 seguidores. "Eu cuido dela e ela cuida de mim", afirma. "Desde que a Júlia entrou na minha vida, tudo mudou. Temos uma ligação muito forte."


(texto publicado na revista Veja São Paulo de 16 de dezembro de 2015)

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