O juiz não viu o pênalti (texto do Dr. Sócrates)
É ano de Copa do Mundo. Até lá, Época publicará a cada edição um texto em que o autor falará do jogo da Seleção Brasileira que mais o marcou em todas as Copas.
Jogar uma Copa do Mundo é um sonho para qualquer um que gosta de futebol. Quando fiz do esporte minha profissão, esse era meu maior objetivo. Felizmente, não demorou a acontecer. Ao estrear numa Copa, na Espanha, em 1982, contra a União Soviética, eu usava a braçadeira de capitão. Tinha a sensação de que eu não representava somente a equipe diante do árbitro. Eu me sentia representante de todo o povo brasileiro. É uma sensação única.
Quando os times se perfilaram para ouvir o hino nacional dos dois países, logo no primeiro acorde, eu chorei. Estava arrepiado. O desabafo foi bom, porque logo a ansiedade da estréia e o nervosismo natural de Copa do Mundo ficaram para trás. O jogo começou e eu já era pura adrenalina. O estádio estava cheio e alegre. Eu sabia que havia gente de todos os cantos do planeta nos vendo. E era emocionante saber que estava jogando em uma equipe excepcional.
Apesar disso, começamos um pouco desequilibrados. Toninho Cerezo, que seria um dos titulares, estava suspenso e não podia jogar. Em seu lugar, o técnico Telê Santana havia escalado Dirceu pelo lado direito. Só que Dirceu era canhoto. Acho que o time ficou torto durante todo o primeiro tempo. De repente, um baque: sofremos um gol. Foi uma bola chutada de longe que nosso goleiro, Valdir Perez, não conseguiu segurar. Foi como uma ducha de água fria. Mas eu não podia passar nem uma ponta de insegurança para meus companheiros. Peguei a bola com as mãos e calmamente andei até o meio-de-campo, conversando com todos. Falava que aquilo não era nada e que ainda tínhamos muito tempo de jogo para reverter aquele resultado. Tentava demonstrar a maior naturalidade possível, depois daquele "acidente". Apesar disso, demoramos para recuperar o controle emocional. O time ficou inseguro e nervoso. E assim terminou o primeiro tempo.
Voltamos do intervalo mais calmos e impondo nosso ritmo. Mas a bola insistia em não entrar. O goleiro deles, o Dasaev, estava pegando tudo. E nosso time ainda um pouco atrapalhado. Luizinho, um dos nossos zagueiros, chegou a dar um toque de mão dentro da área. Seria um pênalti que nos derrotaria. Felizmente , o juiz não viu ou não quis ver.
Até que, faltando pouco para terminar a partida, recebi uma bola espirrada na intermediária. Como não tinha muitas opções de passe, fui lentamente me aproximando do gol russo. Diante do primeiro defensor, ameacei chutar e saí pela direita. No segundo, fiz a mesma coisa. Foi quando se abriu um bom espaço para tentar um chute a gol. Disparei. A bola foi no ângulo direito e não deu para o gigante soviético defender. Quando vi a bola balançando a rede, não me contive. Saí correndo como um doido para o meio-do-campo, vibrando como nunca e tentando entender o que eu estava sentindo naquele momento. Não consegui compreender totalmente até hoje, mas com certeza foi o gol que mais comemorei na minha vida.
*Logo depois, Éder faria o segundo e jogo terminaria em 2 a 1 para o Brasil.
(texto publicado na revista Época nº 409 - 20 de março de 2006)
Brasil 2 x União Soviética 1 (Copa de 1982 na Espanha)
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