quarta-feira, 9 de julho de 2014

Relaxe, não vai doer nada - Gisela Anauate, Malu Echeverria e Vanya Fernandes


Pode intimidar as crianças. Pode assustar os pais. Mas a acupuntura vem sendo cada vez mais usada para tratar doenças infantis

Imaginar o filho com o corpo espetado por agulhas é uma ideia assustadora para muitos pais. Mas um número cada vez maior deles recorre à acupuntura como tratamento para problemas de saúde infantis. Cansados de entupir as crianças de remédios, muitas vezes sem resultado, esses pais buscam terapias alternativas. A veterinária Regina Vianna levou, há dois anos, o filho Nityananda a um acupunturista. O garoto, hoje com 7 anos, sofria crises frequentes de asma e rinite alérgica. Agora, ele diz se sentir melhor com as sessões semanais. "Faz um ano e meio que ele não usa a bombinha. E livrou-se dos antiinflamatórios", afirma Regina.

Os problemas respiratórios são o principal motivo entre os que fazem os pais recorrer à acupuntura. Mas a prática se mostra eficiente em vários distúrbios, sobretudo os que envolvem dor. Ultimamente, tem sido receitada para doenças inflamatórias intestinais, como a Síndrome do Intestino Irritável e a Doença de Crohn. Mesmo a enurese noturna - nome científico do "xixi na cama" - é um dos distúrbios que podem ser tratados com agulhas. Uma pesquisa conduzida pela médica Célia Yunes Faelli, do Hospital das Clínicas, avaliou 30 crianças que sofriam com o problema. Depois de 16 semanas de tratamento, um terço delas foi curado. Outras passaram a ter menos casos de "acidentes noturnos".

A acupuntura nasceu na China há 4 mil anos. É reconhecida no Brasil como especialidade desde 1995. A tradição chinesa diz que os pontos espetados seriam locais de circulação do qi (pronuncia-se tchi), energia vital que precisaria ser deslocada para devolver o equilíbrio ao corpo. Para a Ciência, a explicação é outra. "Sabemos que o estímulo provoca uma microinflamação nos nervos, desencadeando a liberação de neurotransmissores", diz Hong Jin Pai, médico especializado em acupuntura na China e que atua no Brasil. "Eles estimulam a secreção de substâncias que têm efeitos analgésicos, antiinflamatórios e de imunização." Não há idade mínima para a aplicação da acupuntura. Os pontos são os mesmos. Dependendo do tamanho e das condições da criança, aplicam-se menos agulhas, por menos tempo. As agulhas podem causar incômodo, pois as crianças geralmente têm menos tecido gorduroso que os adultos. Mas nem sempre são necessárias. Os pontos também podem ser estimulados com calor, corrente elétrica ou laser frio. A paulistana Katia Geiling diz que levou o filho Miguel, de 1 ano e 4 meses, a uma clínica especializada por conta de uma inflamação crônica na pele, conhecida como dermatite atópica. Ele começou a receber acupuntura a laser há três meses. "Agora Miguel precisa de menos antialérgicos. Só passo a pomada de vez em quando", diz Katia.

Nos Estados Unidos, uma pesquisa mostrou que 71% dos pediatras indicariam a seus pacientes terapias não-convencionais. Há quem diga que essa atitude reflete um desencanto com a medicina ortodoxa. "Não aacho que seja isso", diz Elliot Krane, professor de Pediatria na Universidade Stanford. "As pessoas estão abrindo a mente para outras culturas. A medicina ocidental nem sempre consegue explicar tudo. Nessas horas, é sábio recorrer às alternativas."

A corrente que mais cresce hoje defende uma integração dos conhecimentos ocidentais e orientais. A pediatra americana May Loo, autora de um tratado sobre acupuntura pediátrica, afirma: "Na China, uma criança pode receber antibiótico para uma infecção séria, mas também acupuntura para amenizar os efeitos colaterais do remédio". Depois de deixar de assustar os médicos ocidentais, agora as agulhas também já conquistaram as mães.



(texto publicado na revista Época nº 409 - 20 de março de 2006)




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