segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Terapias para a reabilitação cerebral - Marcel Simis


Há muito se sabe que o treino e a repetição de movimentos são uma das bases do aprendizado. Santiago Ramón y Cajal, importante pesquisador da plasticidade cerebral, afirmava que a aquisição de uma nova habilidade requer muitos anos de prática mental e física, prevendo que o cérebro mudaria através do reforço de conexões preexistentes e, em um segundo passo, da formação de novas conexões, sendo essas modificações plásticas a base do aprendizado.

Mesmo de forma instintiva, uma criança que deseja melhorar o seu chute no jogo de futebol sabe que é necessário repetir a mesma ação diversas vezes. Já uma pessoa que sofre um dano cerebral precisa reaprender as funções perdidas.

Dessa forma, a repetição de movimentos é também uma das bases da reabilitação, sendo muito importante que os treinos sejam realizados de forma correta, para que a recuperação dos movimentos seja consolidada de forma funcional.

Um exemplo de nova terapia guiada por tais conceitos de plasticidade cerebral é a terapia robótica, a qual permite a realização de grande número de repetições de movimentos de forma funcional. No entanto, no contexto da reabilitação, as modificações plásticas cerebrais podem ter particularidades específicas dependendo da doença, sendo as estratégias de tratamento nem sempre tão instintivas.

No AVC (acidente vascular cerebral), por exemplo, existe a teoria do desequilíbrio inter-hemisférico, que postula que, após a lesão de um dos hemisférios cerebrais, o outro sofreria um aumento da atividade, e acredita-se que essa hiperatividade é uma mudança "mal adaptada", ou seja, prejudicial para a recuperação das funções cerebrais.

Baseada nessa teoria, uma das estratégias para ajudar a recuperação cerebral é a inibição dessa hiperatividade do hemisfério não lesionado. Para isso, pode ser utilizada a terapia de contensão induzida (TCI), na qual o paciente restringe os movimentos do braço não afetado enquanto utiliza o braço afetado.

Acredita-se que a restrição do membro afetado resulte na diminuição da hiperatividade do hemisfério saudável, que provavelmente facilita a recuperação do hemisfério lesionado, e ao mesmo tempo induz o paciente a utilizar o membro afetado, ajudando assim a melhora do equilíbrio inter-hemisférico.

Atualmente, existem algumas perguntas sem resposta, como: qual das duas terapias é melhor, a TCI ou a robótica?

Para isso, está sendo realizado na Rede Lucy Montoro de São Paulo um estudo que compara essas duas técnicas. A pesquisa é dirigida pela fisiatra Linamara Rizzo Battistella e desenvolvida pelo Núcleo Novas Abordagens em Reabilitação de Lesões Encefálicas: Aplicações, Desenvolvimento e Avaliação (Narle), com apoio do Núcleo de Estudos Avançados em Reabilitação (Near) da Faculdade de Medicina da USP.

O objetivo do Narle é comparar a recuperação da capacidade funcional do braço e da mão de pacientes com sequelas de AVC, mas também entender como essas terapias modificam a função cerebral. Até poucas décadas atrás, medir a atividade cerebral era um grande desafio. No entanto, hoje existem bons métodos para isso. Na Rede Lucy Montoro estão sendo utilizadas duas importantes tecnologias com essa finalidade, a Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) e a Eletroencefalografia (EEG) de alta densidade.

Concomitantemente com o desenvolvimento das terapias, os métodos de avaliação da incapacidade funcional também estão sendo aperfeiçoados. O mesmo robô utilizado na reabilitação tem o importante papel de realizar uma avaliação funcional com grande objetividade, chamado de variáveis cinemáticas.

Em vista dessa necessidade e da importância da matemática nesse processo, o Instituto de Medicina Física e Reabilitação (Imrea) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP se associou à equipe do professor Antônio Galves, do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, para formar o Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) em Neuromatemática (Neuromat).

Como parte do projeto Cepid, os pacientes que estão no programa de reabilitação convencional no Imrea serão convidados a participar de um estudo no qual farão a avaliação com EEG e EMT, além da avaliação com o  robô, antes e após a terapia de reabilitação convencional. Esses dados, associados aos dados clínicos dos pacientes, serão analisados a partir de sofisticados métodos matemáticos.

Acreditamos que o melhor entendimento da plasticidade cerebral resultará na melhoria dos métodos de reabilitação, uma vez que permitirá individualizar o tratamento e otimizar recursos. Além disso, entender o funcionamento cerebral é importante, pois atualmente é possível modificar a atividade cerebral utilizando técnicas de estimulação cerebral não invasiva, também conhecida como neuromodulação.



(texto publicado no Jornal da USP nº 1051 - ano XXX - 19 a 25 de janeiro de 2015)




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