quinta-feira, 23 de junho de 2016

Beleza masculina - Walcyr Carrasco


Tenho um pé atrás com o padrão tórax forte e barriga de tanque. A beleza está na naturalidade

Vi a foto de um amigo que foi morar na Califórnia. Está com o queixo quadrado, maxilares proeminentes. Quando saiu daqui, era magro de rosto afunilado. Hoje, é outro. Perguntei o que ele fez e a resposta foi a que ouço sempre:

– Nada.

Foi a mesma que recebi de um ator. Durante uma de minhas novelas, seu rosto permaneceu imóvel. Ia chorar, erguia as sobrancelhas. Ia rir, erguia as sobrancelhas! Desespero absoluto? Sobrancelhas! Não porque seja mau ator. Simplesmente as ditas cujas eram a única parte de seu rosto que se mexia, tal o excesso de Botox! O corpo masculino como um todo mudou. O modelo ideal é o dos viciados em academia. Esculpem seus corpos. Sempre dentro de um mesmo padrão: tórax forte, barriguinha de tanque. Tenho um certo pé atrás com isso. Um corpo-padrão significa o quê? Não é real. A beleza está, penso, em desequilíbrios, em naturalidade. Se assisto a um filme dos anos 1970, é outro universo. Os homens são magros, esguios. Os de hoje correspondem a um padrão de marinheiro americano no início do movimento LGBT. Ou seja, a uma fantasia gay do homem forte. Calma! Não estou dizendo que todos os malhadões são gays. Mas a fantasia gay influenciou a construção de um ideal de beleza masculina. Já aconteceu na Grécia, séculos atrás. Quem vê as estátuas dos atletas nos principais museus do mundo vê que eles cultivavam a beleza masculina. Mas o ideal grego de homem correspondia a uma união entre o físico e o saber. A filosofia ocupava um espaço fundamental na vida grega. No mundo atual, a filosofia cedeu lugar ao Instagram. O Brasil, com suas praias, sempre gostou de cultivar o corpo. É um dos poucos lugares do mundo em que conheço alguém e pergunto:

– O que você faz?

– Eu malho.

Não é uma questão de classe social. O país malha, em todo tipo de academia, pobre ou rica. Ter um abdômen tanquinho parece mais importante que um diploma universitário. Não há um objetivo em si. Mas a vontade de ter aquele corpo. Vem aí uma parte ilegal e perigosa: o corpo perfeito exige bombas. Ou seja, complementos para aumentar o bíceps, por exemplo. Doses cavalares do GH, o hormônio do crescimento. É perigoso se aplicado indiscriminadamente, sem supervisão médica. Nas academias, sempre há alguém que “consegue”. Os bonitões aplicam as injeções em si mesmos. Tragédias? Acontecem sim. Hipertrofias, doenças a longo prazo. Evolução rápida de um câncer. Mas eles não estão nem aí. As vezes que perguntei, me olharam como se dissesse absurdo.

– Não tem problema, daqui a pouco vou ficar trincado.

Trincado é a palavra da moda. Significa que o corpo não tem um grama de gordura extra. As formas e medidas estão perfeitas no padrão. A vida é um sacrifício, claro. Outro dia, falei com um “atleta”:

– O que você come?

– Frango cozido no almoço e no jantar.

Eu entraria em depressão com tal cardápio. Ou criaria penas. Essa vida de sacrifício tem um único objetivo: ser belo. Podem nunca ler um livro, mas muitos postam fotos no Instagram, para receber “likes”. Ou seja, curtidas de fãs. Não estou brincando. Outro dia, olhei o número de seguidores desses rapazes. Um tinha mais de milhão. Só que não fazem nada com isso. Não vira publicidade – homem de sunga serve para publicidade de quê? Ah, bom, só dele próprio, mas aí é melhor nem entrar nesses detalhes.

O fato é que o corpo está sendo tratado como um uniforme. Um traje, assim como o de um besouro. Em vez de andar na moda, a pessoa simplesmente corresponde ao protótipo idealizado de beleza masculina. Parece forte, mas talvez, se entrar numa briga, leve uma surra. Também se supõe que seja bem alimentado, mas passa de dieta em dieta com frango e batata-doce. Conheci um sujeito que antes das férias ficou 15 dias à base de clara de ovo. Para estar “trincado”, já que ia para o litoral. Foi com a mulher, também “trincada”. Os dois só queriam despertar olhares.

Eu penso no futuro, talvez próximo. Todos esses complementos químicos são relativamente novos. A longo prazo, o que podem causar? O tempo na academia é ótimo, mas e a universidade? E o sentido da vida, se é que se perguntam sobre isso? Que vida é essa, cujo único propósito é usar o corpo como um uniforme idealizado?

Eu já sei de muito modelo de sucesso, corpo perfeito, que depois dos 30 anos voltou para o interior para ser ajudante de pedreiro. Bem... quem carrega tijolo não precisa de academia. Mas que vida é essa, cuja maior satisfação é se olhar no espelho?


(texto publicado na revista Época de 23 de fevereiro de 2016)

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