Paralisar o nosso planeta seria uma verdadeira revolução cósmica, de consequências nada agradáveis. Dois dos mais belos fenômenos da natureza - a alvorada e o crepúsculo - só ocorreriam uma vez a cada seis meses. Ou seja, o dia terreno passaria a ter a duração de um ano, metade dele com luz solar e a outra metade nas trevas.
Tudo isso, porém, ainda seria fichinha perto de efeitos colaterais bem mais graves, que tornariam a vida na Terra se não impossível, extremamente difícil. Dois cenários alternativos - e radicalmente antagônicos - desenhariam para a humanidade um futuro duro de encarar: usar toda a ciência e a tecnologia possíveis para sobreviver num ambiente inóspito: ou gelado como Júpiter (temperatura média de -130º C), ou tórrido como Vênus (460º C).
"Se, durante a longa noite de um dos lados do planeta, houvesse acumulação de neve ou congelamento do oceano, a Terra se transformaria num mundo gélido", afirma o meteorologista Carlos Nobre, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). "Tudo dependeria do transporte de água do lado quente (dia) para o lado frio (noite). Como a metade noturna teria sempre temperatura abaixo de zero, qualquer vapor d'água que para lá fosse levado cairia como neve e viraria gelo na superfície."
As correntes oceânicas também desempenhariam um papel fundamental nessa troca, transportando calor dos mares quentes, do hemisfério diurno, para os mares frios, da outra face do planeta. Se essas correntes não dessem conta do recado, surgiria, boiando sobre o oceano, uma camada de gelo tão espessa que não derreteria - nem quando voltasse a amanhecer no lado noite. "Como o gelo é branco, reflete muita radiação solar: 50% a 60%, em média. Assim, a pouca luz absorvida seria insuficiente para provocar o derretimento dessa camada. Esse, aliás, é o mesmo mecanismo que faz com que, uma vez estabelecidas, as eras glaciais durem milhares de anos. E se a massa de gelo não derretesse totalmente durante o primeiro dia de seis meses, entraríamos numa eterna era glacial", diz Carlos.
A outra alternativa seria o exato oposto: um calor infernal. Como haveria uma evaporação intensa de água dos oceanos do lado dia, boa parte desse gás permaneceria na atmosfera. "O vapor d'água é um forte gerador de efeito estufa: quanto mais vapor, mais alta ficaria a temperatura próxima à superfície; e, quanto mais alta essa temperatura, ainda mais vapor seria produzido", afirma o meteorologista. O aumento brutal desse efeito estufa poderia chegar ao ponto extremo de fazer evaporar toda a água dos oceanos. Nesse caso, a temperatura terrestre atingiria centenas de graus Celsius - completamente imprópria para a vida.
Mesmo que não acabássemos torrados durante o dia, provavelmente morreríamos por inanição à noite. "Sem luz durante seis meses, os vegetais - que transformam a energia solar em alimento para si e para os animais - se extinguiriam. Assim, desapareceriam também os herbívoros e, logo em seguida, os carnívoros", diz o biólogo Wellinton Delitti, do Departamento de Ecologia, do Instituto de Biociência da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, num mundo gélido de um lado e causticante do outro, os únicos organismos com chance de sobrevivência são aqueles que vivem no fundo do mar, próximos às fendas que expelem calor e enxofre vindos das profundezas da Terra. "Essa comunidade de organismos tem sua vida baseada na quimiossíntese e não na fotossíntese: são seres que independem da luz solar", afirma Wellinton. Mas, se essa forma de vida chegaria ou não a evoluir a ponto de, um dia, colonizar todo o planeta, só bilhões de anos poderiam dizer.
(texto publicado na revista Super Interessante nº 5 - ano 15 - maio de 2001)
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