domingo, 26 de junho de 2016

É necessário viver o luto para se recuperar da perda de um amor - Maria Vilela Nakasu

Separar-se de alguém que se ama é uma das situações mais doloridas na vida humana. Fica o tormento dos bons momentos vividos juntos, ficam a saudade e um "vazio" difícil de preencher. A recuperação sempre é demorada, claro, e alguns nem a conseguem. A única alternativa é viver o luto, que em geral torna a dor suportável. Também se pode buscar o auxílio de um especialista.

Toda separação dói, seja pelo fim da paquera, da "ficada" ou do namoro, seja pelo divórcio ou por falecimento. Em sua música Pedaço de Mim, o cantor e compositor carioca Chico Buarque (71) fala da dor da perda e da saudade. Ele diz: "A saudade é o pior tormento,/é pior do que o esquecimento,/é pior do que se entrevar". Tormento doloroso esse afeto que arrebata a todos que já  tiveram relações importantes. Desejar voltar no tempo, desejar a pessoa de volta, desejar sentir aquela alegria que ficou marcada no passado. Sim, como diz Chico, "(...) a saudade é o revés de um parto,/a saudade é arrumar o quarto./do filho que já morreu (...)"

Sentir saudade dói. As lembranças são vivas, têm cheiro, cor, emoção, mas a pessoa não está mais lá. Na vida real, não está mais, porém no plano do afeto aparece nas paisagens, em cada esquina, em cada imagem vista.

Por que dói a saudade? Como lidar com essa dor sem se despedaçar? Como habitar essa emoção sem se desintegrar ou se desestruturar? Ora, não há receita. Todo processo de luto implica dor, e além disso, um investimento libidinal maciço sobre o objeto perdido. Isso significa que "tudo" faz lembrar a pessoa. Na memória, ela está viva, mas na realidade não. Os sentimentos vividos internamente nada têm a ver com o que a realidade mostra. Nesse caso, a passagem do tempo é relativa.

Há pessoas que levam só um mês para se refazer, mas outas precisam de toda a vida para esquecer o amor que perderam, ou nunca esquecem. O tempo cumpre muitas vezes a função de amenizar a dor da perda, a dor bruta, incomensurável. Mas, se o processo de luto não ocorrer por dentro, não é possível superá-la, não é possível transformar a dor insuportável em suportável. O que isso significa? Bem, significa dizer que a exteriorização da emoção é crucial para o alívio da dor. Conversar sobre a pessoa, chorar, orar, escrever sobre o sentimento, desenhar. Muitas vezes um livro que se lê, um filme que se vê ativa o processo de luto também. Sim, em outros termos, é importante "colocar para fora" o sentimento, não guardar. Ainda em Pedaço de Mim "(...) A saudade dói latejada,/é assim como uma fisgada,/no membro que já perdi (...)". A dor pulsa, incomoda. Há pessoas que insistem em olhar as fotos, ler as cartas. Há outras que não querem ouvir o nome do "falecido" ou da "falecida". Há ainda aquelas que logo põem outra no lugar. Um senhor de 74 anos perdeu a esposa, com quem ficou casado por 30 anos, e um ano depois namorava outra mulher. Todos se indignaram. Mas não se pode julgar, uma vez que cada um lida com suas perdas à sua maneira.

O luto não tem tempo certo. A Psicoterapia também pode ajudar nesse processo. Muitas vezes a pessoa precisa até recorrer a um psiquiatra, tomar antidepressivo por um tempo. Quanto estrago faz uma separação na vida de alguém! Sim, o rompimento pode traumatizar a ponto de a pessoa não querer mais se relacionar com ninguém. Por isso, diante de uma perda é necessário atenção com a própria saúde mental, observar-se para ver se não há uma depressão no processo de luto. Mas se quer viver não é possível se furtar ou correr o risco de viver a dor da perda. Como diz o escritor mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967), "Viver é perigoso".


(texto publicado na revista Caras edição 1165 - ano 23 - nº 10 - 4 de março de 2016)

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