sexta-feira, 26 de setembro de 2014

As marquinhas roxas - Denis Russo Burgierman


Ser pai é, diante de toda a inesgotável complexidade do mundo, tentar escolher o que acreditamos ser o melhor

Eu e minha mulher, Joana, vivemos permanentemente com pequenas manchas roxas nos braços e no pescoço. É o preço que pagamos pela decisão que tomamos de não dar chupeta para a Aurora, nossa filhota que acaba de completar 1 ano.

A gente nunca curtiu muito chupeta, embora não soubéssemos bem dizer por quê. Parecia, para nós, uma coisa meio sinistra. O nome em inglês dessa pecinha de plástico e borracha é pacifier - ou seja, "pacificadora". Sempre achamos meio esquisita a ideia de ter um instrumento para "pacificar" seu bebê - algo em mim me dava a sensação de que havia uma certa violência nessa atitude de forçar a paz. Quando Aurora nasceu, nosso pediatra nos incentivou a abrir mão da chupeta, e nos contou que os cientistas realmente estão questionando se é uma boa ideia manipular os bebês com um peito artificial. E aí decidimos: Aurora nunca teve chupeta.

Claro que tem momentos em que amaldiçoamos nossa decisão. Há noites em que tudo o que queríamos é algum tipo de pacificação. E, quase todos os dias, quando a noite cai, nossa filhota, já quase inconsciente de sono, crava instintamente seus sete dentinhos na gente enquanto embarca nos braços de Morfeu. É daí que vêm as tais manchinhas roxas.

Ostentamos essas "cicatrizes de amor" com algum orgulho - quase como se fossem pequenos troféus por uma decisão tomada pelo bem de Aurora. Sentimos que a chupeta não faz falta e que o preço a pagar por tê-la dispensado saiu em conta. Sentimos que acertamos, pelo menos nesse ponto específico.

Só que t em um limite aí. Esse orgulhinho não pode virar arrogância. O fato de sentirmos que fizemos bem em não dar chupeta à Aurora não pode passar a sensação de que acreditamos que os outros pais sejam todos incompetentes por preferir fazer diferente. E tampouco pode esconder o fato de que, por mais que a gente se esforce para acertar, todos os dias cometemos alguns erros.

Ser pai (ou mãe) não é uma competição. Nossa vida é, diante de toda a inesgotável complexidade do mundo em que vivemos, tomar pequenas decisões esperando que sejam as melhores para os nossos pequenos. No mais das vezes, não há nem certo nem errado, ou, quando há, é difícil pacas distinguir um do outro. O melhor que dá para fazer é manter-se atento e se esforçar o máximo possível para escolher bem. E arcar com as consequências dessas decisões - como, por exemplo, nossas eternas marquinhas roxas espalhadas pelo corpo.



(texto publicado na revista Vida Simples nº 148 - agosto de 2014)





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