quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Perdemos - Denis Russo Burgierman


Jogos de futebol não têm a mínima importância. Mas os símbolos têm muita e precisamos ficar atentos a isso

Quando a Alemanha marcou o quinto gol contra o Brasil, ainda no primeiro tempo da semifinal da Copa do Mundo, olhei para a Aurora, minha filhota gorducha de 13 meses, e percebi que ela estava com as duas mãos cobrindo a boca, numa expressão de espanto. Ela estava imitando o gesto de uma torcedora estupefata, que estampava a tela de nossa televisão.

Ri do espanto fingido de Aurora e ela imediatamente riu também, junto comigo. Aurora é ótima para entender piadas. Sempre que alguém ri, ela ri junto, cheia de empatia. E, graças ao sorriso dela, não dei a mínima para a goleada na seleção.

Desligamos a TV, pusemos Aurora num carrinho e fomos passear pela noite, ao som dos berros de revolta saindo das janelas dos prédios do bairro. "Gooool da Alemanha", comemoravam de tempos em tempos. Um taxista passou pela rua gritando "Chupa, Lula", com raiva. Um bêbado abraçava um poste e soluçava, como se alguém houvesse morrido. Aurora arregalava os olhos para a comoção. Às vezes sorria para nós, e nos fazia rir, e nossa risada a fazia rir de volta.

Naquela noite fiquei pensando que a derrota no futebol foi parte de uma derrota maior, do país tudo. Um país que não soube aproveitar uma década de vento a favor para construir coisas melhores. Que desperdiçou seu potencial em meio a picuinhas, incapaz de conversar, de chegar a acordos, de juntar gente que pensa diferente para erguer coisas juntos. E que hoje está dividido ao meio, amargurado, cheio de ódio. Um governo acuado e brutal, uma oposição burra e raivosa, uma imprensa parcial, irracional, serviço público e privado ineficazes, descuidados, inacessíveis e também violentos. E, em meio a tudo isso, uma CBF corrupta, extrativista, mercantilista, incapaz, que mostrou uma seleção à sua semelhança.

Foi só uma partida de futebol e, como toda e qualquer partida de futebol, não tem a menor importância. Mas símbolos têm, sim, uma importância imensa - e o placar de 7 x 1 parece ter virado um enorme símbolo de um país completamente derrotado.

Olho ao meu redor e vejo que está todo mundo com raiva, colocando nos outros a culpa dos vários problemas que nos circundam. Ninguém parece se dar conta de que a derrota vem da nossa incapacidade de nos entender. De olhar nos olhos uns dos outros, e de sentir empatia, e de nos ver como companheiros de uma mesma viagem, tripulantes do mesmo barco.

Assim como Aurora faz. Está no olhar dela o segredo para virar o placar. Vamos nessa?



(texto publicado na revista Vida Simples nº 149 - setembro de 2014)




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