Minha relação com o futebol começou cedo e sempre foi desajeitada. Meu pai passava as tardes de domingo ouvindo jogos no rádio, minha mãe resmungando indefectivelmente que aquilo a deixava sozinha; marido abstraído no esporte. Eu, de minha parte, gostava daquela coisa masculina, ligada ao pai, como cheiro de cigarro, de couro de poltronas e de livros na biblioteca dele.
No meu primeiro casamento, o noivo em visita à casa de meus pais, sentamos no sofá da sala para apreciar um jogo, agora já na televisão. No segundo tempo celebrei um gol. Risada geral: no intervalo trocavam-se os lados no campo, coisa que eu ignorava, torcendo para o lado errado.
Mais tarde, filhos pequenos adorando futebol como o pai, continuei interessada e participante meio distraída, mas entusiasmada com os entusiasmos dos garotos, triste com as tristezas deles. Fui a um ou outro jogo, sempre focada na coisa humana: as reações das pessoas, as expressões e posturas dos jogadores, os gritos e suspiros da massa - meio assustadora.
Atualmente, meu marido adora futebol; é daqueles que t udo entendem e sabem, como quem jogou em 1967, quais eram as equipes, quem era o juiz, quem marcou gols etc. E assim, como somos do tipo que procura participar um dos interesses do outro embora tenhamos muita coisa em separado, e cuidamos um do outro, e somos boa companhia um para o outro, fui me interessando mais e mais, sobretudo na Copa do Brasil. Continuo achando, com meus botões, que gol contra não deveria existir, que a maioria dos impedimentos é bobagem, que a decisão por pênaltis é injusta, e que a sorte é o 12º jogador: às vezes, o time pior faz um golzinho no último minuto e ganha a partida.
Mas, como eu dizia, a Copa me empolgou. A gente esperava a hora do jogo da 1, do jogo das 5, e eu torcia pelo time certo, na hora certa, novamente centrada no humano (e no político, que no Brasil marcou esta Copa): os comentários antes e depois, as entrevistas, as caras, o suor, a decepção... e o pranto. Impliquei bastante com aquela choradeira toda: é natural que um atleta se emocione cantando seu hino numa hora importante, mas emoção viril, quem sabe alguma lágrima, sei lá. Sem careta de choro, sem beicinho. É natural que um atleta se emocione com tristeza ao perder. Mas aquele bando de homens abraçados chorando, um consolando o outro como menininhos de jardim de infância, me aborreceu.
Como me aborreceu tirarem Neymar do seu repouso devido a uma lesão séria, fazendo-o aparecer no dia do jogo derradeiro feito um ícone, uma bandeira. Precisávamos daquela insensatez? Ainda que ele quisesse, qualquer responsável teria mandado que ficasse quieto cuidando da lesão. A equipe entrou em campo com a camiseta dele feito bandeira: só vi fazer isso homenageando jogador morto. Na entrevista fúnebre do treinador depois da última derrota, de repente lá veio o garoto, meio desajeitado, abraçou o treinador e sumiu: afinal, era uma equipe ou um herói solitário?
São manias nossas, agora, divinizar uma figura, desmerecendo os demais; repetir a ladainha de desculpas bobas nas entrevistas; nunca admitir algum erro; desvalorizar o adversário como se fôssemos os tais; achar que "a taça é nossa" e curtir antecipados louros. Melhor seria um trabalho sério, disciplinado, como o das equipes vitoriosas, que permitiam aos jogadores trazer sua família, curtir praia e mar, mas, na hora do trabalho, treinar intensivamente, equipes unidas, cerradas, não se julgando vencedoras por decreto.
E estranhei, impliquei, com a súbita retirada, verdadeira fuga da nossa equipe depois da última derrota, embarafustando-se pelo vestiário (para chorar?) em lugar de, anfitriões que eram, ficar firmes em campo homenageando os vencedores, que recebiam medalhas. Seria duro, mas seria natural e honroso. Que essa lição sirva não só para o nosso esporte, mas para a nossa vida, nosso trabalho, nossas entidades e instâncias públicas: que a gente seja dignamente vitorioso, ou dignamente perdedor (vitorioso, eu espero).
(texto publicado na revista Veja edição nº 2384 - ano 47 - nº 31 - 30 de julho de 214)
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