quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Elegância - Eugenio Mussak



Como a polidez, a educação e a gentileza podem ser transformadoras em uma relação e para a sociedade

Estávamos no espaço agradável e estimulante de uma grande livraria. Acontecia o lançamento do livro de um amigo e eu aguardava na fila de autógrafos, bebericando uma taça de vinho, folheando a obra e observando o ambiente. Trata-se do tipo de evento em que fatos interessantes acontecem, principalmente em função da diversidade de pessoas. Perto de mim, três mulheres bem vestidas, usando joias discretas, conversavam animadamente. Estavam à vontade, entretanto uma delas tentava equilibrar nas mãos o livro já autografado, a bolsa, o celular e a taça de vinho vazia, portanto inútil. O malabarismo não deixava de ser engraçado.

Eu apenas observava a cena, preso pelo lugar na fila. Foi quando um senhor passou por elas, parou e disse: "Com licença. Estou indo deixar minha taça no balcão. Posso ajudá-la a livrar-se da sua, já que está vazia?" E sorriu com naturalidade.

No primeiro momento as três mulheres olharam com surpresa aquele desconhecido, que trajava um paletó antigo, ligeiramente puído, calças de sarja folgadas e sapatos confortáveis. Na sequência, a malabarista iluminou o rosto com um sorriso, entregou a taça e agradeceu com sinceridade. Ele a apanhou e se retirou discretamente. As três o acompanharam com o olhar por um instante, até que uma comentou: "Que homem elegante. Não se fazem mais homens assim".

Elegante, disse ela? Olhei de novo para o professor. Poderia se dizer muita coisa sobre sua figura - tradicional, antiga, clássica, confortável, humilde, casual, até simplória - menos elegante. Foi quando me dei conta do óbvio: ela estava se referindo ao comportamento dele, não à sua indumentária. Como sou estúpido, pensei... De repente meu blazer sob medida ficou sobrando em meu corpo. O "não se fazem mais homens assim" ficou reverberando em meu cérebro muito tempo. E me dei conta de que eu queria ser "um homem assim".

Eu sei, a roupa faz parte da composição da elegância. Porém, estar elegantemente vestido tem mais a ver com adequação do que com sofisticação. Aquele senhor usava roupas simples, mas adequadas ao lançamento de um livro. Aliás, inadequado seria estar vestido como se estivesse indo a uma festa black-tie. E o que valia era seu comportamento de cavalheiro.

Quando eu era garoto, havia na TV um programa inspirado nos conselhos do Marcelino de Carvalho, jornalista e escritor que foi pioneiro nos temas de etiqueta e comportamento social. Seu Guia de Boas Maneiras é um clássico, obrigatório para os jovens que acreditavam que isso era pré-requisito para as boas carreiras e para os bons casamentos (a jornalista Cláudia Matarazzo lançou uma versão atualizada, o Marcelino por Cláudia).

O esquete era genial, com atores interpretando uma situação em que a etiqueta era o foco e, após a cena, um narrador comentava o acontecido e dava a interpretação adequada.

Lembro-me de um episódio em que, em uma reunião social entre amigos, chegou um casal vestido de maneira excessivamente informal e foi criticado pelo alter-ego do programa. na sequência, outro casal apareceu, todo arrumado, e foi também repreendido. Eis então que surgiu o terceiro casal, vestido de modo adequado, trajando roupa social leve, e recebeu elogios. Só que esse casal cometeu a gafe de se jactar do fato, enaltecendo suas qualidades e desfazendo dos demais, e recebeu uma dura reprimenda pela indelicadeza.

Elegância relativa e absoluta

Então é assim - aprendi com o mestre Marcelino -, vista-se adequadamente e comporte-se convenientemente. Esse é o caminho mais seguro para que você seja apreciado, respeitado e convidado de novo.

Há gente que não tem "senso de noção", como diz minha filha, brincando. Você já sentou ao lado de um casal no cinema, que fazia sua versão particular do (filme) 9 1/2 Semanas de Amor? Já se irritou com a mesa ao lado no restaurante, onde parecia haver uma festa particular? Eu já. Tudo isso e mais um pouco. Como é importante entender o local onde se está.

É óbvio que um coquetel em uma galeria de arte é diferente de um churrasco na chácara do melhor amigo. Para cada ambiente há uma etiqueta relativa, apropriada àquele lugar, mas em todos os ambientes deve-se respeitar a etiqueta absoluta, universal.

Como assim? Veja bem, posso ir de bermudas e tênis ao churrasco, mas devo me apresentar mais formal ao coquetel. Isso é etiqueta relativa. Entretanto, em nenhum dos dois lugares tenho o direito de ser inconveniente às demais pessoas, e em ambos cabem pequenos gestos de gentileza. Etiqueta absoluta. Simples assim.

Dia desses, meu voo estava atrasado e eu fui gastar o tempo na sala VIP de um cartão de crédito. Pelo menos lá há mais conforto e alguns mimos, como café, sucos, jornais. Vamos lembrar: VIP significa Very Important Person, então pressupõe-se que lá estarão pessoas educadas. Pois bem, um dos VIPs andava pela sala vociferando em seu celular, dizendo impropérios para o interlocutor sobre assuntos pendentes em sua empresa, vários decibéis acima. O constrangimento era geral. VIP? Talvez: Very Inconvenient Person.

Posição social, cultura geral, estudo universitário são condições excelentes que colaboram para o desenvolvimento de uma sociedade civilizada, boa de se viver. Infelizmente, nem sempre são garantia de gentileza, cavalheirismo ou elegância. Cruzando de balsa entre Salvador e a ilha de Itaparica, vi um cavalheiro de chinelos e pele curtida de pescador ceder seu banco para uma dama. Precisamos de mais atitudes como a do pescador e a do professor, e menos como a do Very Important. É dessa matéria que é feita a civilização.

Elegância e polidez

Nunca me esqueço de um hotel em que estava hospedado em uma cidade na Suíça próxima a uma estação de esqui. Esperava o elevador junto com minha mulher quando chegou um homem com seu filho de aproximadamente 5 anos, ambos falando em francês. Quando o elevador chegou, o pequeno rapidamente entrou, e foi então repreendido por seu pai, que o fez sair e permitir que entrássemos primeiro. Durante a curta viagem vertical, o garoto perguntou por quê, e ouviu de seu pai: "vous êtes pressé, mais ne peut pas oublier la politesse" - algo como "não é porque você está com pressa que vai se esquecer de ser educado", e depois ficou repetindo "la politesse est très important", ou "a educação é muito importante". Esse pai está criando um cavalheiro.

Elegância não é frescura nem afetação. É sinal de inteligência e educação. Preste atenção como há pessoas que são naturalmente elegantes, demostrando em cada gesto a preocupação com o bem-estar do outro. Você já percebeu como as mulheres valorizam o homem que lhe dá passagem, que dá volta no carro só para abrir a porta, que manda flores no dia seguinte ao do primeiro encontro?

Acho incrível como alguns homens dizem que tudo isso é frescura, que não há mais espaço para tais gentilezas em um mundo em que as mulheres estão no mercado de trabalho competindo em igualdade de condições. As mulheres querem ser iguais - dizem -, por isso não valorizam mais ser tratadas com gentileza masculina. E cuidado para não ser confundido com assédio - complementam.

Ops! Elegância não é assédio, paquera ou galanteio. Corre em raia paralela. Quem é elegante mesmo nem sequer faz distinção de gênero. Homens elegantes são elegantes entre si. Ser assim é ser discreto, nem sequer se faz notar, jamais ocupar muito espaço. O importante não é aparecer, mas se fazer distinguir.

Elegância é usar com frequência as três palavras mágicas da civilidade: com licença, desculpe, obrigado. É incrível como elas têm o poder de desarmar os espíritos e facilitar as relações. Isso é civilizado. E, como diz Gloria Kalil, que entende do assunto: "Ninguém é chic se não for civilizado".


(texto publicado na revista Vida Simples nº 148 - agosto de 2014)








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