sábado, 27 de setembro de 2014

O hábito faz o monge? - Claudio de Moura Castro


Chega o eletricista, para trocar os fios. Vem de sandálias Havaianas, calça social, uma camiseta horrenda e com as ferramentas embrulhadas em jornal. Aparece o bombeiro, com camiseta igualmente espantada. Mas é obliterada pelo seu bermudão multicolorido. Faz alguns anos, chegando ao aeroporto de Bogotá, ouço o ruído ensurdecedor de uma esmerilhadora cortando um basculante. O seu operador é um clássico índio andino, mas veste terno, camisa branca e gravata, todos cobertos de limalha.

Saltemos para um laboratório de psicologia experimental. Voluntários são convocados para um teste de atenção. Aleatoriamente, metade deles recebe um guarda-pó branco, com a explicação de que o laboratório estava em obras. Surpresa! Os dos guarda-pó obtêm melhores resultados.

No segundo experimento, com o mesmo teste, todos recebem os aventais brancos. Mas a uns se explica que são de médicos. Aos outros, que são de pintores. Nova surpresa. Quem ganhou o avental dito de médico fez mais pontos no teste.

Tais estudos são conhecidos como Enclothed Cognition. É a "Teoria do Hábito Faz o Monge". De fato, diversas pesquisas, como a citada acima, estão mostrando que as pessoas têm seu comportamento afetado pelo fato de portarem uniformes, deste ou daquele tipo. Lideranças nazistas e fascistas usaram a mágica do uniforme com objetivos funestos. Em contraste, quando visitei um quartel na Alemanha, notei que os uniformes eram deselegantes e mal ajustados. Claramente, uma profilaxia contra o renascimento do nazismo.

Segundo pesquisas, o uniforme condiciona o comportamento - para o bem e para o mal. Com ele, sentimo-nos diferentes e, nos casos benignos, mais comprometidos com o trabalho. Aquela roupa nos faz sentir participantes de um segmento muito especial da sociedade - qualquer que seja.

Comparemos os nossos bombeiros e eletricistas com seus colegas de outros países. Nos Estados Unidos, vêm à nossa casa com jeans, botinão de couro amarelo e um cinto inacreditavelmente sobrecarregado de ferramentas. Na França, vestem todos um guarda-pó azul, o famoso bleu de travail. Na Alemanha, a cor também é azul, mas são as clássicas jardineiras. Lá, nos feriados, os membros remanescentes das corporações de ofício, se carpinteiros, exibirão um terno de veludo preto com calças de boca larga, colete, com botões de prata. Portam um chapelão preto de aba larga e uma bengala retorcida.

Qualquer que seja o ofício, sem abrir a boca, todos estão bradando uma coisa só: "Vejam meu uniforme, sou um profissional e isso me dá grande orgulho!".

Pelo que sugerem as pesquisas com os aventais brancos - e muitas outras - podemos concluir que os profissionais americanos, franceses e alemães devem ser mais atentos e dedicados do que os nossos, de sandálias Havaianas e bermudão. O colombiano, grotescamente fantasiado de burocrata, é como se estivesse dizendo que aquele trabalho não é para ele.

Estão sem uniforme porque não internalizaram os valores da profissão? Falta-lhes a fé, a convicção profunda na importância do que fazem? Envergonham-se de sua profissão? Não são verdadeiros profissionais, mas seres improvisados e intimidados? Se lhes fosse enfiado um uniforme, instantaneamente ficariam diferentes e melhores?

Obviamente, há um pouco de tudo, fechando um círculo vicioso. É interessante notar que, nas nossas melhores empresas, os funcionários portam uniformes, mesmo na construção civil. E não é por acaso que essas empresas são mais produtivas.

Aonde nos levam tais divagações? É claro, uniformes não oferecem uma fórmula certeira e automática para melhorar o desempenho de profissionais envergonhados. Tampouco será a receita para todas as profissões. Uniformes na sede do Google? A economia criativa recruta gente altamente motivada e que se delicia em vestir-se com bizarria.

Mas a maneira de se vestir e trazer as ferramentas mostra o constrangimento dos nossos profissionais. A sociedade brasileira precisa decifrar esse testemunho visual e concluir que não é culpa deles, somos nós que não valorizamos o seu profissionalismo. A sua baixa autoestima é fruto do nosso menosprezo, pois sua autoimagem é construída pelas percepções que captam da sociedade.




(texto publicado na revista Veja edição 2383 - ano 47 - nº 30 - 23 de julho de 2014)





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