sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Sucessos em cartaz - Carolina Giovanelli


À frente da reabertura do cinema Belas Artes, programada para sábado (19), e responsável por multiplicar o público do Museu da Imagem e do Som com grandes mostras, André Sturm é o agitador cultural da vez

Centenas de pessoas empunhando faixas e bradando gritos de guerra se reuniram em frente ao cinema Belas Artes, em 2011, naqueles que deveriam ser seus últimos dias de funcionamento. Nem todo o estardalhaço evitou que o espaço, localizado na Rua da Consolação e fundado em 1943 com o nome de Cine Ritz, fechasse as portas após uma sessão de A Doce Vida, de Federico Fellini, em 17 de março. O local marcou época principalmente nos anos 80, sob o comando da distribuidora e produtora francesa Gaumont, quando se tornou referência na programação de filmes de arte na cidade. Recebia naqueles tempos convidados como a atriz francesa Catherine Deneuve e tinha estrutura muito melhor e mais confortável do que a dos cineclubes improvisados. O encerramento das atividades ocorreu devido a desentendimentos com o proprietário do imóvel, Flávio Maluf. Descontente com os  63.000 reais recebidos de aluguel mensalmente, ele decidiu reajustar o valor para 150.000 reais. André Sturm, diretor e dono do cinema, fez uma oferta de 85.000, que foi recusada, e precisou entregar as chaves. Como último recurso, tentou-se o pedido estratégico de tombamento do prédio (a fachada ganhou o reconhecimento em 2012), dificultando, assim, ao dono conseguir um novo locatário. Vazio, o espaço foi se deteriorando, com paredes e vidros pichados.



Três anos depois, quando tudo parecia perdido, Sturm conseguiu dar uma virada na situação. "Nunca desisti de colocar o negócio novamente em operação", conta ele. Após diversas negociações, a promessa é que o Belas Artes volte a funcionar no sábado (19), às 16 horas, com pré-estreias e um festival de clássicos. "Vamos resgatar aquele ambiente com uma programação de personalidade", promete. Para atingir a vitória, Sturm uniu forças com o Movimento Belas Artes, de voluntários dispostos a lutar pela sobrevivência do ponto, com a Secretaria Municipal de Cultura e com a Caixa Econômica Federal. O banco vai pagar 1,8 milhão de reais por um ano de patrocínio do cinema. Esse acordo é renovável por outros cinco, período em que o investimento pode chegar a 11 milhões. Também ajudaram a engordar o orçamento esquemas como a venda de cadeiras cativas. A atriz Marisa Orth, por exemplo, foi uma das que adquiriram um plano anual de 3.000 reais, com direito a uma sessão diária com acompanhante.

Para recuperar o endereço, gastaram-se cerca de 7 milhões de reais na reforma. "Estamos atualizando o lugar, mas mantendo seu DNA", afirma o arquiteto Roberto Loeb, responsável pelo projeto e frequentador de velhos tempos. Desde 2004, essa é a terceira reforma do Belas Artes em que o profissional está envolvido. "Temos de preservar a experiência proporcionada pelos cinemas de rua, que são tão poucos na cidade", afirma. Sistema de ar condicionado, fios elétricos, parte acústica, poltronas e projetores foram trocados. O local continuará com a divisão de seis salas, com capacidade total para 1.050 espectadores. Uma delas será dedicada apenas a produções nacionais. Outra, com abertura programada para janeiro, levará o nome de Drive-In. Trata-se de uma parceria com o Riviera Bar, ponto badalado do outro lado da rua. Contará com poltronas, sofás e mesas, além de um pouco mais de luz. Será permitido conversar, e garçons servirão comidinhas, como hambúrgueres e milk-shakes, de um cardápio elaborado pelo chef Alex Atala, que é sócio do Riviera.

O renascimento do Belas Artes será outro marco na vida cultural da metrópole com as digitais de Sturm, um gaúcho de Porto Alegre radicado por aqui desde os 4 anos de idade. Filho de uma dona de casa e de um diretor de empresa de confecções, sempre foi um cinéfilo inveterado. No segundo ano do curso de administração, na Fundação Getúlio Vargas, sua frustração com as aulas foi atenuada quando entrou para o cineclube da escola. Após acumular experiência no comando da programação do cinema da faculdade, resolveu abrir uma distribuidora em 1989, a Pandora, de filmes cult. "Viajei com a cara e a coragem para feiras internacionais e comprei filmes com o dinheiro que não tinha, mas no fim deu tudo certo", lembra. "Tive furos, prejuízos que chegaram a 500.000 reais em um só longa de bilheteria ruim, mas seguimos até hoje."

Pela empresa, lançou as duas produções que dirigiu, que ocuparam as telas sem grande repercussão, Sonhos Tropicais (2001) e Bodas de Papel (2008). Atualmente, sua filha, Barbara, de 25 anos, dirige o negócio. "Meu pai tem temperamento rígido", define. Sturm concorda. "Gosto das coisas benfeitas", diz. Barbara é fruto de um relacionamento anterior ao único casamento do diretor, em 1993. Essa união terminou cinco anos depois com uma tragédia familiar. Na ocasião, sua esposa, Valéria, enfrentou sérios problemas durante a gestação daquele que seria o primeiro filho do casal. Tanto ela quanto o bebê acabaram morrendo devido às complicações de saúde.

Nas últimas semanas, o curador tem aumentado o ritmo de trabalho devido aos últimos preparos para a reabertura do Belas Artes. Ele sempre cobiçara um cinema próprio. Nos anos 90, chegou a possuir um na Rua Augusta e outro em Mogi das Cruzes, no interior. Em 2003, quando ouviu que o Belas Artes poderia ser fechado por causa das instalações e programação decadentes, resolveu comprá-lo. Logo, juntaram-se à sociedade os donos da produtora O2, entre eles o diretor Fernando Meirelles. "Era um negócio arriscado, mas tinha um interesse emocional e até uma sensação de dever", lembra o cineasta responsável por sucessos como Cidade de Deus. "Ali, aprendemos a amar o cinema." Meirelles deixou o empreendimento em 2011.

A vida profissional de Sturm não se resumiu ao cinema e à sua produtora. Após trabalhar na Secretaria de Estado da Cultura, de 2007 a 2011, ele foi convidado para dirigir o Museu da Imagem e do Som (MIS), nos Jardins, que recebia na época cerca de 60.000 pessoas por ano. Teve carta branca para arriscar na programação com o objetivo de multiplicar o público. Com orçamento anual médio de 10 milhões de reais, recheou o espaço com mostras estrangeiras com apelo pop, tendo em foco personagens como o diretor Stanley Kubrick, o cantor David Bowie, o artista plástico Andy Warhol e o cineasta Georges Méliès. O resultado da mudança: nos últimos três anos, mais de 500.000 visitantes formaram filas enormes para ver as montagens.

Essa linha bem-sucedida de programação mais popular vai prosseguir. A partir de quarta (16), será aberta no local a exposição do Castelo Rá-Ti-Bum, programa infantil de sucesso nos anos 90, na TV Cultura. Dez ambientes da série serão recriados, servindo de cenário para figurinos, objetos de cena e fotos. Recentemente, Sturm recebeu uma carta de um curador francês oferecendo uma mostra sobre o cineasta François Truffaut, que deve chegar a São Paulo em julho do ano que vem. "Por coincidência, havia acabado de comprar os direitos de dezessete filmes dele para relançá-los no Brasil", diz. "Farei também uma retrospectiva no Belas Artes." Em 2016, espera-se mais um megaevento: uma exibição do diretor Tim Burton que já passou por cidades como Nova York e Paris. São desenhos, maquetes, bonecos e outros itens do criador de Edward Mãos de Tesoura.

Sturm está solteiro no momento e vive em um apartamento nos Jardins. É torcedor do Palmeiras e, sempre que pode, vai ao La Casserole, no centro, onde aprecia receitas tradicionais como magret de pato e profiteroles. Mesmo nas horas vagas, não consegue se desgrudar de sua paixão por cinema. Assiste a cerca de três filmes por semana, muitos deles clássicos como Quanto Mais Quente Melhor, com Marilyn Monroe, que calcula tger visto pelo menos uma dezena de vezes. "A obra me marcou por misturar humor, provocações inteligentes e roteiro extraordinário", conta o diretor. Não por acaso, o longa foi um dos escolhidos por ele para abrir a programação da nova fase do Belas Artes.




(texto publicado na revista Veja São Paulo de 16 de julho de 2014)









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