segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A roupa certa - Walcyr Carrasco


Todo mundo gosta de aparecer bem vestido em festa. As de fim de ano são as mais difíceis. Atualmente, impera a informalidade. É uma armadilha. Você tem de dar a impressão de que não se arrumou especialmente, mesmo que tenha passado horas no espelho. Homens aparecem de cabelos cuidadosamente desarrumados, à base de gel ou fixador, para manter os fios espetados, como se tivessem acabado de acordar. Mulheres põem uma sandália e fingem atitude displicente... experimentaram todos os pares do armário. Dificílimo ser elegante no Natal. É festa de família. mas o que é a família hoje? E a mulher que receberá o ex com a atual? O homem vem ver os filhos. A nova cara-metade aproveita para conferir a anterior. Ambas querem ofuscar uma à outra. Meu conselho: roupa no caso é o de menos. Não precisam se arrumar como renas desfilando com Papai Noel. Melhor que qualquer vestido, para a ex, é botar um boy magia sentado no sofá, com atitude de dono da casa. Mesmo que seja emprestado de uma amiga, será útil para dar uma imagem de sucesso e superação. A atual irá à desforra se puser uma joia cara, mesmo que também seja emprestada. É para a ex pensar que ele dá presentes melhores do que lhe dava antes. Roupas em situações semelhantes são úteis para complementar uma estratégia.

As especialistas em moda gostam de dizer que, no Natal, o certo é a informalidade. Mentira. Ninguém acha bonito convidado de moletom. Já tentaram provar que moletom com sapato de salto era fashion. Mulher vestida assim, ainda por cima com cabelos loiros, tem jeito de perua ou periguete. Homens de moletom e tênis no Natal, então, ficam tão elegantes quanto um peru pronto prestes a desembarcar no forno. Camisetas grudadas com a pança de fora, nem se diga! Há uma diferença entre informalidade e relaxamento, mesmo em família. Nem muito chique nem muito simples, eis o segredo do Natal. A todos, aconselho: levem lenços. Sempre haverá uma criança que pode babar em sua camisa.

O Réveillon é mais complicado. Há de todos os tipos. As roupas são orientadas pelas crenças em boa sorte. A maioria veste branco. Certa vez, uma amiga, desempregada havia três anos, apareceu de preto:

- Vou virar a sorte!

Já faz sete, e continua desempregada. Cueca vermelha ou amarela também podem ser benéficas, dizem. Sou muito supersticioso, mas tenho muitas dúvidas. Ninguém me verá correndo de cueca vermelha na praia!

Vestir-se de branco é garantia de elegância. Resolve as festas de Réveillon. Neste ano, fui convidado para uma festa na Avenida Atlântica, em frente ao mar, por um casal de amigos queridos. A anfitriã avisou:

- Venha de sandália de dedo, se quiser.

Não é bem assim. Há um certo tipo de roupa ideal para cada idade e cada corpo. Isso vale para qualquer festa. Quem tem 20 anos e corpo esguio pode botar o que quiser. Camiseta, jeans e sandália de dedo. Tudo bem. Depois do 40, é preciso lidar com as realidades da vida. Sandálias de dedo não valorizam um pé gordinho como pão francês. Decote ousado, com peito caído, não rola. Só deprime. Portanto, não se jogue. Liberdade total é para os mais jovens. Na dúvida, um vestido mais estruturado ou até um paletó leve funcionam.

A boa notícia é que a maior parte das pessoas são como você e eu: comuns. Há sempre um pneu sobrando. Novas rugas de expressão, com o tempo, transformarão seu rosto num cânion. Ou os dentes precisam de recauchutagem. A gente é como uma casa. À medida que o tempo passa, precisamos de mais consertos no encanamento, nas dobradiças que rangem, no visual. Há dois segredos para se dar bem nas festas de fim de ano. O primeiro é saber que pessoas serão convidadas para seu Natal ou Réveillon. Imagine como se vestirão. Então vista uma roupa muito melhor. Despertar a inveja entre os parentes que você não vê há tempos é um dos principais objetivos natalinos. (Embora haja outros, como explorar seus sucessos e falar mal de alguém que não foi. Ah, sim, também se trocam presentes, com o objetivo de criticar a avareza de quem deu.) O outro segredo é conhecer nossos próprios limites. Ou seja: escolher uma roupa adequada ao próprio corpo, olhando no espelho com sinceridade. Para a maioria de nós, a época de camisetinha com jeans já passou. Nada mais ridículo que uma velhota de minissaia e top. Mas não tem importância. Para quem sabe se adequar a cada fase da vida, o charme supera qualquer barriga.




(texto publicado na revista Época nº 813 - 23 de dezembro de 2013)




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