sábado, 27 de dezembro de 2014

1 milhão de bolachões - Carolina Giovanelli


Feira na Mooca atrai novos e antigos fãs dos discos de vinil, vendidos a 5 reais (com direito a um açaí e outro LP de graça)

À primeira vista, parece até cilada. Um galpão de 1 000 metros quadrados com corredores estreitos, entulhado de discos, quadros e quinquilharias. O pó é tanto que quem se aventura pelo espaço deve usar luvas e máscaras cirúrgicas, distribuídas na entrada. Os fãs de LPs parecem nem ligar. Trata-se de um negócio da China. No feirão realizado na Mooca desde março, 1 milhão de discos estão à venda por 5 reais cada um. Como se não bastasse, o valor dá direito a outro bolachão de graça, retirado em um setor especial, além de um pote de açaí na lanchonete no outro lado da rua. Nas compras acima de 100 reais, ganha~se um quadro. Quem tiver doado sangue e aparecer com o comprovante leva par casa dez álbuns. A partir deste fim de semana, basta visitar o espaço para ser presenteado com dois livros ou gibis.

Na babilônia musical, a desordem faz parte do charme do lugar. Não existe separação por gênero ou artista. Ali, vale a prática do garimpo. Há quem passe horas admirando as capas das obras, analisando a lista de músicas. No meio de uma coisa, existe muita porcaria, que inclui bandas das quais ninguém nunca ouviu falar e vinis riscados ou mofados - uma vitrola fica à disposição para testar os produtos. O grande momento se dá no encontro de tesouros, em meio a tantos Robertos Carlos e Xuxas. Nessas horas, deve-se segurar com gosto o achado ou ele pode facilmente ser afanado por outra pessoa. Bobeou, dançou.

O analista de sistemas Claudinei Junior se encantou tanto com a proposta do evento que apareceu por lá mesmo sem ter toca-discos. "Quero comprar um, então já estou formando meu acervo", justificou. Ele adquiriu catorze álbuns de jazz e samba e estava acompanhado da namorada, Juliana Aguiar, que selecionou para a mãe gravações do Trio Parada Dura e do Altemar Dutra. Também zanzava pelas caixas o vendedor Samuel Rodrigues, frequentador assíduo. Ele procurava principalmente por sertanejo e forró. "Compro por 5 reais aqui e vendo por até 80 reais na internet", garante. Entre outros clientes satisfeitos, houve quem levasse mais de 1 000 itens. Há ainda aqueles que saem de lá exultantes, encontrando a pérola que procuravam há décadas.

Muito do sucesso da feira se deve à volta da moda do vinil. Percebendo a onda, o paulistano Manoel Jorge Dias, de 59 anos, pensou em criar a atração como uma boa estratégia para desovar seu acervo. Ele é um serial colecionador. A mania começou em 2000, quando viu um anúncio de um leilão da Avon no jornal de domingo. Arrematou um lote de cinco carretas cheias de roupas de cama, lingeries e trajes femininos. "Foi uma burrada, não tinha lugar para guardar as coisas e precisei abrir uma loja", lembra. Foi aí que alugou seu primeiro galpão na Mooca. Em vez de vender, passou a fazer trocas com outros objetos. Hoje, tem três sebos no bairro, com um acervo de 1,2 milhão de vinis, 300.000 compactos, 5.000 quadros, 200.000 livros... Já fizeram parte de sua coleção, por exemplo, o primeiro LP de Roberto Carlos. A gravação raríssima, Louco por Você, de 1961, acabou vendida por 7.000 reais. "Normalmente, porém, não tinha lucro com isso", diz. "Com o feirão, estou ganhando mais do que nunca." Dias toca os depósitos em paralelo com a carreira de engenheiro especialista em implosões. Foi responsável por mais de 100 delas, como a do presídio do Carandiru e a do edifício Palace II, no Rio de Janeiro.

Sua ideia inicial era montar uma feira anual de vinis. O sucesso da estreia foi tanto que ele resolveu continuar. Fez mais uma edição, na qual vendeu 9.000 vinis graças á divulgação na internet - o Facebook da atração conta hoje com mais de 50.000 curtidas. O negócio, então, se estabeleceu todo fim de semana. Nos outros dias, o espaço da Rua da Mooca fica aberto normalmente - o preço dos produtos sobe para 10 reais. Dias trabalha agora na reforma do Casarão do Vinil, localizado em um de seus galpões alugados, que será um misto de espaço cultural e lojas de itens mais caros e importados, com inauguração prevista para o fim de julho. "Quero transformar a Mooca na capital do vinil", afirma.



(texto publicado na revista Veja São Paulo de 2 de julho de 2014)




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