Houve tempo em que para se tornar palestrante de negócios bastava ser notável na área e munir-se de um kit básico de sobrevivência a plateias. Incluía certo dom para falar em público, ideias razoavelmente organizadas, respeito ao tempo da audiência e saber como começar o assunto - mas, principalmente, como sair dele. Hoje, as conferências são uma indústria sofisticada. Nesse cenário, é preciso distinguir aqueles que primeiro escrevem livros para depois fazer palestras com base neles dos que criam livros como subproduto das conferências. O quarto livro do inglês Geoff Burch, Igual a um Cão Pastor, se enquadra no segundo grupo.
Considerado no mercado britânico como um dos melhores palestrantes motivacionais - uma categoria que se enquadra entre inspirador, auto-ajuda e entretenimento, com pitadas de guru visionário -, esse filho de psiquiatra vienense é viciado em motocicletas imensas. Entre outras excentricidades, Burch costuma aparecer nos palcos dos eventos corporativos montado em sua Kawasaki, que batizou de Gladys. De qualquer modo, ele consegue, com humor e boas tiradas, transformar enigmáticas tendências de negócios ou chatíssimos temas técnicos em mensagens divertidas que qualquer mortal entende.
Daí a transferir esse poder para livro vai um trem de distância. A ideia central até que é interessante. Conta a história de um vendedor medíocre e bitolado, transformado por uma bruxa em cachorro. Ele começa a ver o mundo pelo prisma canino de um pastor de ovelhas. Precisa adotar o jeito canino de encarar a vida (daí o título original, The Way of the Dog), que se divide entre estar alegre ou estar esperando para ficar alegre. Para isso, o ex-vendedor, atual cachorro, precisa descomplicar as coisas. Manter um pensamento básico, mas obsessivo, de atingir a meta. Concentrar-se no começo e no fim do objetivo, sem perder tempo com ansiedades e depressões típicas dos humanos. Deixar a preocupação com obstáculos para quando surgirem. Com essas regras, promete o autor-palestrante, o leitor encontrará a fórmula do sucesso.
As experiências desastrosas do homem-cachorro são o pretexto que o autor busca para ditar 32 regras básicas de vendas - certamente tiradas de uma anterior apresentação em Power Point - que viraram lucro literário com 136 páginas. A obra fez sucesso fora do Brasil. Para tanto, contou certamente com o rastro de seu carismático e mordaz autor. Infelizmente, a tradução para o português parece resultado da ferramenta automática do Google e foi capaz de desenterrar palavras como prodigalizando, aldrava e glaçada - seja lá o que signifiquem. O fino humor inglês, na versão pátria, virou no mínimo dinamarquês, com riscos para a saúde e segurança da humanidade.
(texto publicado na revista Época nº 409 - 20 de março de 2006)
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