domingo, 28 de dezembro de 2014

Um mosquito contra a dengue - Kalleo Coura


Um laboratório em Juazeiro, na Bahia, produz uma linhagem transgênica do Aedes aegypti capaz de reduzir em 90% a população de insetos transmissores da dengue

O método foi inventado por cientistas ingleses, mas saiu de um laboratório localizado em Juazeiro, na Bahia, a tecnologia que permitiu aplicá-lo numa escala inédita. A Moscamed Brasil produz, por semana, 1 milhão de mosquitos que, modificados geneticamente e soltos na natureza, se transformam em um exército de combate à dengue. No ano passado, a doença matou quase 600 pessoas no Brasil.

Batizada de OX513A, essa linhagem transgênica do   Aedes aegypti - formada apenas por machos, que não picam e portanto não transmitem a doença - tem por função copular com as fêmeas que estão na natureza. Dessa forma, eles transferem para os filhotes um gene letal que contêm. Criado pelo laboratório inglês Oxitec, esse gene fabrica em excesso a proteína tTA, que interfere no metabolismo da larva e faz com que ela não consiga produzir outras proteínas necessárias para a sobrevivência. Como a cópula entre os insetos acontece apenas uma vez, o resultado é que cada mosquito transgênico "neutraliza" uma fêmea de Aedes aegypti, fazendo com que ela perca a capacidade de gerar novos transmissores da doença.

Embora sejam portadores do gene mortal, os mosquitos criados em laboratório conseguem sobreviver até a fase adulta porque recebem o antibiótico tetraciclina, que funciona como uma espécie de antídoto ao gene modificado. "Já as novas pupas e larvas que herdam o gene mortal não encontram o antibiótico na natureza. Por isso, morrem antes de chegar à fase adulta", explica a bióloga Michelle Cristine Pedrosa. Em bairros como Mandacaru e Itaberaba, a soltura dos OX513A reduziu em até 93% a quantidade de mosquitos da dengue.

Desde 2005 a Moscamed funciona numa área cedida pelo governo da Bahia. A iniciativa de criar o laboratório, uma organização social (OS), partiu do Ministério da Agricultura ainda durante a Presidência de Fernando Henrique Cardoso. O objetivo inicial era produzir moscas-das-frutas estéreis, de forma a reduzir a praga que provoca prejuízos de mais sde 120 milhões de dólares a cada ano em lavouras do país. A escolha de Juazeiro como sede do laboratório se deu porque, junto com a vizinha Petrolina, a cidade é o principal exportador de manga e uva, vítimas frequentes da mosca-das-frutas. Localizada no semiárido nordestino, com regime de chuvas escassas, a região se tornou a maior produtora de frutas do Brasil graças a um intenso trabalho de pesquisa e ao uso das águas do Rio São Francisco na irrigação artificial.

Em junho do ano passado, os testes da Moscamed entraram numa nova fase. Pela primeira vez no mundo, a experiência com os mosquitos transgênicos começou a ser feita não em bairros, como no caso de Juazeiro, mas numa cidade. Jacobina, na Bahia, com 84 000 habitantes, receberá até o fim do ano, 4 milhões de mosquitos por semana. No bairro Pedra Branca, onde os testes tiveram início, a redução no número de mosquitos selvagens chegou a 92%. Se o resultado final for tão bom quanto o inicial, a técnica sera incorporada pelo Ministério da Saúde como um dos mecanismos de combate à dengue em escala nacional.

Juazeiro e Petrolina foram duas das cidades visitadas pela Expedição VEJA na semana passada. A iniciativa de percorrer o país para mostrar histórias de superação individual e coletiva, além de exemplos de produtividade, competitividade e empreendedorismo, chega perto de sua reta final. Nesta semana, o ônibus de VEJA seguirá em direção à Região Sudeste. Antes de retornar a São Paulo, passará por Porto Real (RJ) e São José dos Campos (SP).




(texto publicado na revista Veja edição 2376 - ano 47 - nº 23 - 4 de junho de 2014)









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