Ao receber o terrível diagnóstico de esclerose múltipla, a arquiteta Laura Pires optou por tratamentos tradicionais indianos e embarcou em uma viagem transformadora que a fez rever prioridades. Sua história é contada no livro Em Busca da Cura (Casa da Palavra)
"'É só um cisco no olho.' Foi o que pensei quando acordei naquela manhã de janeiro de 2006, antes de comer qualquer coisa e sair correndo para ir trabalhar. Minha visão do lado esquerdo estava embaçada, como se estivesse suja. Eu tinha 25 anos, era uma arquiteta em início de carreira e trabalhava sem parar. Parecia ligada na tomada. Não me alimentava bem, dormia mal, fazia mil coisas ao mesmo tempo. Comentei esse incômodo com o Marcus, então meu marido, e depois não dei muita bola. Mas aquele cisco ficou ali dias e dias. Acabei indo a um oftalmologista, que suspeitou de glaucoma e deslocamento de retina. Não era isso e não melhorou. Outro médico falou em inflamação do nervo ótico. Fui a vários especialistas e cada um me dizia uma coisa. Minha visão ficava cada vez mais borrada. Eu ia tomando os medicamentos que me receitavam até que tive uma reação alérgica a um corticoide. Fiquei toda inchada. Um mês depois, acordei com o olho direito do mesmo jeito. Comecei a desconfiar de que algo estava muito errado e passei a ir a diferentes consultas, com clínicos gerais, neurologistas, outros oftalmologistas. Ninguém descobria o que era.
Enquanto isso, o tempo passava e os sintomas mudavam: meus braços começaram a formigar e um dos meus joelhos simplesmente travou. Durante um dos inúmeros exames que fiz, o atendente disse: 'Todos os pacientes que chegam assim, como você, depois voltam na cadeira de rodas'. Fiquei apavorada. Em poucos dias, vi um lado direito do meu corpo paralisar. Tirei líquor da medula e fiz uma série de ressonâncias do cérebro. Apareceu uma mancha num nervo ótico e, finalmente, veio o diagnóstico: esclerose múltipla, doença degenerativa sem cura que compromete o sistema nervoso central.
Em maio, eu já estava muito doente. Perdi completamente a visão periférica e, à noite, só enxergava borrões. Emagreci muito porque não tinha mais forças para comer. Marcus precisava me dar comida na boca. Cheguei a 37 quilos - meu peso normal é de 45 quilos. Não andava, tinha tremores e cãibras. Para melhorar, fazia que sugeriam: centro espírita, acupuntura, terapia com picada de abelha. Eu só piorava. Os neurologistas queriam iniciar um tratamento pesado á base de corticoide injetável - justamente o remédio que havia causado alergia! Diziam que não havia outra opção. Até que o Marcus se lembrou de um médico que tinha cuidado dele em uma viagem à Índia, quando fora acometido por uma inflamação nos olhos. Resolvi ir e tentar com ayurveda, a milenar medicina indiana, que utiliza óleos, ervas, massagens e uma rígida dieta alimentar. Ele mandou e-mail e o médico respondeu na hora: 'Traga-a para cá imediatamente. Quanto antes, melhor'. Eu não estava em condição física - nem emocional - para viajar, mas também não tinha mais nada a perder: os tratamentos convencionais causavam efeitos colaterais devastadores e não me davam a mínima esperança. Queria tentar algo diferente.
Fizemos as malas e partimos do Rio de Janeiro, onde moro, para o hospital indicado, no interior da Índia. A viagem foi horrível. Eu tremia o tempo inteiro, até minha cabeça tinha cãibras. Quando chegamos, perguntei ao médico quando iniciaria o tratamento. Ele disse: 'Já começou no momento em que você decidiu vir para cá'. Durante 21 dias, fui submetida às terapias ayurvédicas. Fiz limpezas intestinais para purificar meu corpo e recebi orientação de rezar diariamente. Nunca fui uma pessoa religiosa, nem sabia rezar. Então, eu fechava os olhos e inventava minhas orações. Também tomava muitos chás concentrados. Passei por procedimentos curiosos para nós, ocidentais, como mergulhar os olhos em manteiga clarificada, chamada de ghee. Ou colocar na cabeça uma espécie de capacete feito de pão e folha de bananeira dentro do qual são despejados 3 litros de óleo medicinal aquecido. Marcus sempre teve fascinação pela Índia. Por causa dele, já conhecia um pouco mais sobre a cultura daquele país. E eu já praticava ioga e era vegetariana antes de ficar doente. Mas não sabia nada sobre tratamentos ayurvédicos quando resolvi ir. Tomei essa decisão porque estava desesperada. Afinal, não enxergava mais, não andava mais, mal conseguia segurar os talheres para comer, e a medicina convencional não oferecia cura para minha doença. Mas eu tinha encontrado uma alternativa e precisava me agarrar a ela com unhas e dentes.
Antes, não consumia carne, mas minha dieta não era exatamente saudável: ingeria muitos alimentos industrializados e bastante açúcar, ficava horas sem comer e costumava tomar bebida alcoólica. Levava, enfim, uma vida bem estressante, típica de quem mora em grandes cidades. Na medicina ayurvédica, a comida é o mais importante. Cada pessoa tem uma dieta a seguir, que é elaborada segundo o perfil dela, traçado com base nos cinco elementos da natureza (espaço, ar, fogo, água e terra). No meu caso, por exemplo, devo comer peixe pelo menos uma vez por semana e, apesar de vegetariana, sigo a recomendação. Encaro o peixe como um remédio. Por outro lado, evito certas coisas, como maçã ácida, capaz de fazer um lado inteiro do meu corpo paralisar.
No período de internação, mergulhei profundamente nas minhas questões existenciais, revivi toda a minha história: meus medos, minhas dificuldades. Foi como um resgate de tudo o que me levou até ali. Antes de descobrir minha doença - digo descobrir porque eu já estava doente fazia tempo -, vivia um momento particularmente difícil. Além de trabalhar sem parar e não dormir nem comer direito, meu casamento não estava bem das pernas e a separação era iminente. Nesse contexto, já tinha sintomas da doença, só não me dava conta disso. Eu me sentia sempre fraca e cansada. Um ano antes daquele dia em que acordei com a vista embaçada, havia desmaiado em um shopping.
Enquanto estive internada na Índia, meu estado piorou demais, uma vez que a ayurveda não combate os sintomas, e sim trata a causa, ou seja, cuida do desequilíbrio que nos leva a ficar doentes. AS cãibras duravam a madrugada inteira, e eu tinha dores terríveis. Mas nunca duvidei do tratamento. Enfiei na minha cabeça que aquilo iria me curar e fazia tudo o que precisava fazer com uma fé cega. Logo que voltamos ao Brasil, reparei que estava enxergando novamente à noite, o que já significava uma melhora. Em casa, continuei a seguir à risca o tratamento prescrito: massagens, chás, exercícios respiratórios, meditação, ioga restaurativa e dieta. A comida precisa ser fresca, orgânica, e com os alimentos especialmente indicados para mim. Por isso, hoje só como o que eu mesma preparo. E tive de cortar os doces que eu tanto amava! Minha família é de doceiras e faz guloseimas caseiras cheias de açúcar refinado e toxinas com as quais meu corpo não pode mais. Para compensar, aprendi receitas de doces indianos deliciosos sem açúcar. Pouco a pouco, os sintomas foram desaparecendo e, um ano e meio depois, não tinha mais nada.
Para manter a saúde, mudei totalmente minha rotina. Agora acordo às 5h30 para cumprir os meus rituais matinais. Não saio à noite, não bebo, como bem. Uma vez por ano, vou à Índia e fico um mês internada. Sou muito feliz assim e não vejo nada como sacrifício. Afinal, voltei a viver. Hoje estou separada e moro sozinha. Trabalho, me sustento e sou independente. Antes nem conseguia comer com minhas mãos! Meus médicos do Brasil disseram que se tratava de uma remissão da doença e que ela voltaria. O que sei é que minha última ressonância deu normal. Digo que não foi só um tratamento que me curou, e sim a mudança de comportamento, ou melhor, da minha maneira de encarar e levar a vida."
(texto publicado na revista Claudia nº 11 - ano 52 - novembro de 2013)
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