quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Eutanásia: o direito de morrer ou de matar? - Daniela Talamoni


Apesar da existência de inúmeros recursos menos radicais para aliviar o sofrimento e prolongar a vida de pacientes terminais, o tema sempre vem à tona e ainda provoca acaloradas discussões

1) Afinal, o que significa eutanásia?

O termo vem do vocábulo grego, composto de 'eu' (bom, verdadeiro) e 'thanatos' (morte). Portanto, literalmente, seria a 'boa morte' ou a 'morte serena', sem sofrimento. Na prática, a palavra refere-se a ajudar um paciente debilitado e em estado terminal a pôr fim à vida, com a justificativa de que assim ele seria poupado de qualquer sofrimento desnecessário. Também é conhecida como suicídio assistido, mas nesse caso não seriam os médicos que, por exemplo, aplicariam uma injeção letal no doente. Ele mesmo, após instruções e com os aparelhos necessários, provocaria a própria morte. O ato, não importa a forma como possa ser praticado, é proibido na maioria dos países e dá margem a uma série de discussões éticas e jurídicas.

2) Por que o assunto é tão polêmico entre os médicos?

A morte é um tema bastante comum no universo da medicina. Diariamente, convivemos com essa situação e somos levados a aprender como lidar com o inevitável da melhor maneira possível. No entanto, quando se trata de discutir a eutanásia (ou seja, o ato de matar), isso pode gerar uma certa estranheza e até contradição. Afinal, todo médico, desde o primeiro ano de faculdade, é orientado a agir para preservar a vida humana. Por isso, ele aprende todas as técnicas e meios a fim de amenizar dores, controlar sintomas e curar doenças. Ninguém costuma discutir quais são as melhores formas de o paciente morrer e, sim, quais os melhores métodos de tratamento indicados a ele.

3) Em alguns casos a morte seria a melhor solução?

A importância de se manter a qualidade de vida e de preservar a dignidade humana é o princípio moral da eutanásia. Afinal, ninguém merece viver sofrendo durante anos em uma cama, desenganado pelos especialistas. Ocorre que hoje, com os recursos que existem, é inadmissível pensar em um doente agonizante. Seria simplista abreviar a vida desse indivíduo. A conduta médica no caso de um paciente terminal sempre foi um assunto pouco discutido nas faculdades de medicina e precisaria voltar ao debate. Quando se esgotam todas as possibilidades terapêuticas, existem inúmeros cuidados paliativos que podem - e deveriam - confortar o doente e a família. Nesse caso, vale desde a presença do médico junto ao doente e familiares até a sedação diária, internação domiciliar e apoio psicológico, humano e espiritual.

4) Viver anos sob o uso de sedativos representa alguma qualidade de vida?

Quando se trata do ser humano, fica difícil avaliar de imediato o que significa viver bem e com dignidade. Isso é algo muito subjetivo, que depende de vários fatores. Para muitas famílias, por exemplo, só o fato de o enfermo estar por perto, no ambiente familiar, já pode ser reconfortante.

5) E quanto ao doente, ele não tem o direito de optar pelo fim do sofrimento?

Quando alguém diz que não suporta mais viver, é obrigação do médico identificar se ele preferia ter dito que não quer mais viver assim - muita vezes desamparado por todos. Existe uma grande diferença entre estar desesperado e inconformado. A pressão emocional que uma doença incurável e grave gera é muito grande. Por isso, não é raro a pessoa sofrer de depressão e passar a ter ideias suicidas. Na hora do sofrimento, dizem que um indivíduo só pede duas presenças: a da mãe e a do médico. Só a figura do especialista, portanto, pode representar um certo alívio. E mais: a  experiência mostra que quando o profissional explica toda a situação para os familiares e para o próprio paciente, mostrando que  tudo o que a medicina possibilita em seu benefício será feito, todos se sentem mais fortes e preparados para enfrentar a situação.

6) Administrar uma droga forte para sedar um paciente debilitado seria eutanásia passiva?

Na hora em que o médico toma as providências que acha imprescindíveis para poupar o doente de um sofrimento maior, a última coisa que ele vai se lembrar é desses termos e discussões. O profissional, é claro, precisa ter bom senso e avaliar sempre os prós e os contras de determinada medicação, caso ela possa provocar de alguma maneira a morte daquela pessoa. Contudo, há uma diferença sutil, que muitos defensores da eutanásia consideram discutível: nesse caso o médico não tem a intenção de abreviar a vida, mas de abreviar os sintomas.

7) Qual é o grande perigo de se legalizar a eutanásia?

A aplicação de forma mecânica como tratamento para todos os casos de doenças graves. Antes, os médicos deveriam diferenciar cuidadosamente aquilo que o paciente realmente quer daquilo que ele acha que quer. Muitos temem até o uso da eutanásia como recurso para diminuir os gastos na área da saúde e aumentar as vagas nos leitos hospitalares, por exemplo. Portanto, o limite imposto pela ética de se respeitar a vida deve ser um contínuo desafio para o médico, assim como prover confiança ao paciente terminal e familiares, ao aliviar a dor e ajudá-los a procurar um sentido para esta vida que termina.




(texto publicado na revista VivaSaúde nº 10 - ano 2 - fevereiro de 2005)










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