sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Rápido e letal - Natália Cacioli e Natalia Cuminale


Depois de dois anos sem dar sinais, o ebola ressurgiu com força total. Na pior epidemia já registrada, o vírus infectou milhares de pessoas e fez quase 750 mortos na Guiné, Serra Leoa, Libéria e Nigéria. Por enquanto, a probabilidade de ele alastrar-se é remota

Não há definição mais precisa acerca do embate entre homens e vírus do que a feita pelo biólogo molecular Joshua Lederberg (1925-2008), prêmio Nobel de Medicina em 1958. Dizia ele: "Nós vivemos em uma constante competição evolucionária com os micróbios. E não há garantia de que seremos nós os sobreviventes". Nas últimas semanas, esse confronto ressurgiu com a entrada em cena de um dos vírus mais letais de que se tem notícia, o ebola. Depois de dois anos sem dar sinais, ele apareceu no oeste africano. Até sexta-feira, havia matado 729 pessoas em quatro países - Guiné, Serra Leoa, Libéria e Nigéria. É a pior epidemia de ebola desde a descoberta do vírus, em 1976, no Zaire (atual República Democrática do Congo) e no Sudão.

A paciente zero do atual surto foi uma menina de 2 anos de idade, moradora de um vilarejo no sul da Guiné. Em 2 de dezembro de 2013, ela apresentou febre, vômito e diarreia. Quatro dias depois, estava morta. Dali, como um rastilho de pólvora, o ebola se alastrou. Na semana passada, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos emitiu o alerta: as viagens para Guiné, Serra Leoa e Libéria são de altíssimo risco. Nas áreas afetadas, fronteiras foram fechadas e as aulas suspensas. Funcionários públicos entraram em férias compulsórias. Militares foram convocados para ajudar na identificação de doentes. O que mais preocupa as autoridades agora é que a doença está rompendo os limites da zona rural e fazendo vítimas nas capitais. A probabilidade de a epidemia sair da África, no entanto, é considerada remota.

Acredita-se que o hospedeiro natural do ebola seja o morcego, do tipo que se alimenta de frutas. Ele transmite o vírus, sobretudo a macacos, e a contaminação humana se dá pelo contato com esses animais. Entre os homens, a transmissão ocorre por meio do sangue, saliva, suor, urina, vômito e fezes. O fato de o ebola emergir em áreas miseráveis e sem infraestrutura sanitária dificulta enormemente o seu controle. Nos países que registraram a doença, profissionais encarregados dos cuidados dos doentes sofrem hostilidades frequentes. Como a letalidade pode chegar a 90% (neste surto, está em 60%), os familiares das vítimas, desesperados, culpam médicos e enfermeiros pela epidemia e pela impossibilidade de contê-la. Na semana passada, em Freetown, capital de Serra Leoa, uma cabeleireira de 32 anos infectada pelo ebola foi tirada à força do isolamento no hospital por parentes.

Até agora, 100 profissionais de saúde foram atingidos pelo vírus. Na última quinta-feira, estava prevista a remoção para os Estados Unidos do médico americano Kent Brantly, contaminado em um centro de saúde em Monróvia, capital da Libéria. "Na África, crenças e hábitos religiosos aceleram o processo de transmissão", diz Sylvia Lemos Hinrichsen, coordenadora do Comitê de Medicina dos Viajantes, da Sociedade Brasileira de Infectologia. Em muitas vilas, são os parentes que cuidam da preparação do corpo antes do enterro, por exemplo. A médica brasileira Rachel Soeiro fez parte de uma missão dos Médicos Sem Fronteiras em Télimélé, na Guiné, um dos focos da epidemia. Quando o grupo consegue salvar um paciente, conta ela, põe em prática um ritual destinado a mostrar que ele não oferece mais perigo aos parentes e vizinhos: ao deixar o isolamento, o paciente curado recebe um abraço dos médicos diante de toda a vila.

Apesar da agressividade do ebola, é improvável que ele saia vitorioso no embate com o homem. Do ponto de vista evolutivo, trata-se de um "vírus burro". Seu período de incubação é curto. Dura, em média, quatro dias. O HIV, agente causador da aids, por exemplo, em geral pode ficar sete anos sem dar sinal de sua existência. Essa característica faz com que o ebola tenha uma capacidade restrita de contaminação - e, portanto, de sobrevivência. "Alguém com o vírus da gripe consegue transmiti-lo a cerca de 500 pessoas antes de cair de cama. Já um paciente infectado pelo ebola, dado o curto período de incubação do vírus, passa a doença para dez, em média", diz o infectologista Artur Timerman. Além disso, o ebola mata rapidamente - em geral, em uma semana. Nos casos mais graves, ele destrói os vasos sanguíneos, levando o doente a um quadro severo de hemorragia. Alguns chegam a sangrar pelos poros. Quando isso ocorre, a morte é certa.




(texto publicado na revista Veja edição 2385 - ano 47 - nº 32 - 6 de agosto de 2014)






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