Aos 29 anos, americana em estágio terminal de câncer no cérebro decide acabar com a vida e comove o mundo com sua história
Sábado, dia 1º de novembro de 2014. Brittany Lauren Maynard, 29 anos, está na casa onde vive há alguns meses, em Portland, cidade do estado de Oregon, nos Estados Unidos. Ela tem a companhia do marido, Daniel Diaz, da mãe, Deborah Ziegler, e do padrasto, Gary Holmes. A certa altura, a americana sobe os degraus que dão acesso ao segundo andar, caminha até o quarto que divide con Dan - como gosta de chamar o companheiro -, tira da bolsa dois frascos amarelos de remédios prescritos. O cômodo abriga uma cama de casal com dossel de madeira escura, três porta-retratos e uma janela com vista para a copa das árvores do jardim, instalada na parede rosa-claro que fica atrás da cabeceira. Cerca de cinco minutos após ingerir a medicação, Brittany dorme. Perto de meia hora depois, ela está morta.
"Adeus a todos os meus queridos amigos e família que eu amo. Hoje é o dia que escolhi para passar com dignidade em face da minha doença terminal, este terrível câncer no cérebro que tirou tanto de mim. Mas ainda teria me tomado muito mais." A mensagem de despedida, divulgada no Facebook a pedido de Brittany na manhã seguinte, é sua tentativa derradeira de trazer luz à discussão do direito de um paciente com uma doença terminal decidir quando e como encerrar a própria vida. Semanas antes, essa jovem americana já ocupava as principais manchetes do mundo, expondo publicamente os motivos que a levaram a optar pela chamada morte assistida - ato assegurado por lei para pacientes terminais em cinco dos 50 estados americanos. Nas próximas linhas, os momentos mais marcantes dessa história. Opiniões e crenças à parte, difícil é não ficar tocado por ela.
O diagnóstico: 1º de janeiro
Durante o réveillon de 2014, Brittany não estava bem. Uma forte dor de cabeça seguida por um apagão a levou ao hospital. A notícia não demorou a chegar. Ela tinha um grave tumor no cérebro, "nível dois", definiram os médicos. A professora americana, com sua família, encontrou, enfim, a explicação para as enxaquecas constantes que haviam começado pouco mais de um ano antes - e foram diagnosticadas como um quadro de cefaleia, confusão comum de neurologistas ao receber queixas do gênero vindas de pacientes jovens. "Quando se tem 29 anos, ouvir que talvez consiga viver no máximo mais cinco ou dez é como lhe dizerem que você vai morrer amanhã", declarou Brittany sobre a descoberta. Ela chegou a se submeter a uma cirurgia e aos tratamentos convencionais, mas em abril, novos exames mostraram que o glioblastoma multiforme, mais agressivo e letal tipo de câncer cerebral, havia crescido e já estava no estágio quatro, ou seja, terminal. Segundo especialistas, Brittany teria seis meses de vida e uma qualidade cada vez mais comprometida, com convulsões e perda de funções cerebrais. Foi em uma segunda-feira que o drama de Brittany tornou-se público. Por meio de um depoimento em apoio ao movimento Morte com Dignidade, do grupo pró-eutanásia Compassion & Choices, a americana narrou sua decisão de encerrar a vida. No vídeo, visto até recentemente por mais de 11,3 milhões de pessoas no You Tube, ela revelou que tentava engravidar do marido, com quem havia se casado em setembro de 2012, quando descobriu a doença. Contou também que buscou entender quais seriam suas chances e os efeitos colaterais dos tratamentos, mostrou por meio de fotos o quanto sua aparência mudou drasticamente com os medicamentos e relembrou o dia em que não conseguiu falar, olhando para o rosto de Dan sem se lembrar de seu nome. Assim, decidiu se mudar com a família da Califórnia para o Oregon, o primeiro estado norte-americano a legalizar a morte assistida para pacientes em estado terminal, a partir de 1997. E anunciou a data provável, seis dias depois do aniversário do marido. "Eu planejo estar cercada da minha família. Vou morrer no quarto que divido com meu marido, com ele e minha mãe ao meu lado, descansando em paz com alguma música de que eu goste", contou.
(Quase) mudança de planos: 30 de outubro
A declaração obviamente causou uma grande repercussão e Brittany concedeu algumas entrevistas emocionadas para veículos como CNN e CBS. "Eu mal consigo explicar o alívio que sinto sabendo que não preciso morrer da maneira como me descreveram que o tumor faria", justificou Brittany. "Eu não quero morrer. Se alguém conhecer uma cura milagrosa que salve a minha vida para eu poder ter filhos como o meu marido, essa seria a minha opção (...) É o câncer que está encerrando a minha vida. Eu só estou escolhendo terminá-la um pouco antes", desabafou Brittany, tentando conter as lágrimas. Com o objetivo de acender o debate a respeito da morte assistida, ela criou o The Brittany Maynard Fund - no site (www.thebrittanyfund.org), qualquer pessoa pode informar-se e até enviar uma mensagem de apoio à família Maynard Diaz.
"Ainda me sinto bem o suficiente e ainda tenho alegria o suficiente (...) Apenas não me parece que seja a hora certa agora", Brittany declarou em um novo vídeo. Ela também falou que se sentia triste com a repercussão negativa e que "a decisão vai acontecer, porque eu sinto todos os dias que estou mais e mais doente". Dois dias depois, sua morte foi confirmada na página mantida pelo grupo de defesa da escolha de fim de vida: "Brittany inspirou milhões de nós com sua sabedoria e coragem. Ela morreu nos braços amorosos de sua família". A página sugere que as pessoas compartilhem suas condolências com os familiares da jovem, que receberão as mensagens "no momento adequado". A notícia repercutiu até no Vaticano, que classificou o ato como "repreensível" na terça-feria (4). "Dignidade é diferente de colocar fim à própria vida", declarou o principal oficial e bioética da Santa Sé, o monsenhor Ignacio Carrasco de Paula. "O suicídio não é uma coisa boa. É uma coisa ruim, porque diz não à vida e a tudo que ela significa com respeito à nossa missão no mundo e com aqueles ao nosso redor", acrescentou. Brittany, que completaria 30 anos em 19 de novembro, aproveitou seus últimos meses viajando e passando tempo com as pessoas que amava. Sua lista de desejos incluiu passeios pelo Parque Nacional de Yellowstone, Alasca e Gran Canyon. "Isso é tudo o que eu posso fazer. Todas as coisas que fazem cada dia valer a pena."
(texto publicado na revista Contigo! nº 2043 - 13 de novembro de 2014)
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