sábado, 6 de setembro de 2014

Histórias Cruzadas: À Beira do Caminho, filme de Breno Silveira - Adriana Negreiros


Obra do destino, Breno Silveira passa na vida real pelo mesmo drama que leva para as telas neste mês: a morte da mulher e o reaprendizado do amor

O diretor Breno Silveira não tinha planos de produzir uma autobiografia quando começou a rodar À Beira do Caminho, seu novo filme, com estreia marcada para este mês. Mas quis o destino que, durante a montagem do longa, Breno se sentisse como que metamorfoseado em João, o protagonista. Interpretado pelo ator João Miguel, ele é um caminhoneiro que tenta superar o trauma da morte da esposa enquanto percorre as estradas brasileiras. Na viagem, ouve sem parar o mesmo disco de Roberto Carlos. Como seu primeiro filme, Dois Filhos de Francisco, que narra a história da dupla sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano, este novo é comovente e promete arrancar lágrimas da plateia. O cineasta, então, diz que não consegue assistir sem chorar. "Eu me sinto o João." Como o herói das telas, Breno é apaixonado pelas músicas de Roberto. "É a trilha sonora da minha vida e dos meus amores", afirma. E, numa coincidência tão infeliz quanto absurda, sua mulher descobriu um câncer fulminante e morreu antes da conclusão do longa - que a ela, Renata, é dedicado. "Perdi o grande amor da minha vida no meio do processo desse filme. Então, decidi que deveria ser uma poesia para ela", conta.

Por causa da tragédia, À Beira do Caminho está sendo lançado com 18 meses de atraso. Tanto que sua estreia vai praticamente coincidir com a do  terceiro filme de Breno, Gonzaga, de Pai para Filho, sobre a relação entre o Rei do Baião, Luiz Gonzaga, e seu filho, o cantor Gonzaguinha. Em certos momentos, o cineasta pensou em desistir. "Diante do que estava sofrendo, não conseguia voltar para a ilha de edição. Eu me espelhava tanto no João, via as coisas que tinha escrito e não entendia por que o destino havia aprontado aquela coincidência", afirma. Muitas vezes, Breno teve crises de choro enquanto se dedicava à edição e voltou para casa sem terminar o trabalho do dia. "Achei que o filme fosse ficar muito ruim", desabafa. Ele decidiu, então, parar e esperar a dor amainar. Só tempos depois, mais calmo, conseguiu finalizar o longa. Evidentemente, não foi fácil: "Nunca o vejo impunemente. É a história de um homem reaprendendo a amar, o mesmo caminho que estou seguindo agora". Mas ele vê. Já as músicas de Roberto Carlos, embora tenha cinco ou seis CDs do cantor no porta-luvas do carro, não se sente pronto para ouvir.

Breno entrou em contato com a obra de Roberto ainda na adolescência, para curar dores de amor. "Enquanto todo mundo gostava de The Clash, eu ouvia Roberto Carlos, e ninguém achava isso legal", conta. Aos 17 anos, envolveu-se com uma mulher de 23, que ensinou a ele tudo o que uma moça experiente pode transmitir a um garoto com hormônio em ebulição. Claro que ele se apaixonou perdidamente, mas certo dia, sem maiores explicações, foi dispensado. Tomou um porre daqueles e trancou-se no quarto por dias, agarrado a ideias suicidas. Em uma manhã de sol a pino - ele morava com a família no Rio de Janeiro -, seu pai, aborrecido com tanto drama, deu as chaves de sua moto e recomendou que fosse à praia aproveitar o dia. "Tenho certeza de que você vai voltar com uma garota na garupa", desejou. O rapaz voltou para casa cheio de escoriações, pois caíra da moto na primeira esquina. Em um ato quase sádico, o pai gravou uma fita com as músicas mais tristes de Roberto e deu a Breno. "Isso é para aprender que todo mundo sofre; você não é o único", grifou. Desde então, as canções do Rei embalam sua vida.

Na sequência à desilusão amorosa, Breno passou uma temporada de dois anos em Paris estudando fotografia para cinema na École Nationale Supérieure Louis Lumière. Enter uma aula e outra, assistia a todos os filmes que estivessem em cartaz na cidade. "Sinceramente, acho que a faculdade não serviu para nada; só os filmes me serviram", brinca. Foram  anos difíceis para o aprendiz de cineasta. Ele sentia saudade dos amigos e do feijão, achava estranho o jeito taciturno dos franceses. "Eu me perguntava por que aquelas pessoas não riam, por que eram tão silenciosas e descobri que é preciso entender o frio para gostar do calor. À distância, valorizamos o que é nosso", afirma. Na volta ao Rio, quando desceu do táxi, Breno foi surpreendido por uma música que vinha de sua casa, às alturas, para que toda a vizinhança pudesse ouvir. Era O Portão, um clássico de Roberto, cujo refrão entoa: "Eu voltei/Voltei para ficar/Porque aqui/Aqui é o meu lugar". A canção, não por acaso, é uma das composições de Roberto Carlos, escolhidas para À Beira do Caminho.

Aliás, foram necessários 12 meses de negociação até que o Rei concordasse em liberar quatro de suas músicas para o filme. Durante esse período, Breno percorreu show, eventos ou qualquer lugar em que pudesse esbarrar com o ídolo para pedir que autorizasse o uso das canções. Nada. Um dia, por coincidência, a Conspiração Filmes, produtora da qual é sócio, foi contratada para um comercial de cartão de crédito estrelado pelo cantor. "Nem quis saber quanto ia ganhar, peguei o trabalho na hora." Nos bastidores da gravação, entregou uma cópia do filme ao cantor. Meses depois, recebeu a resposta: as músicas estavam liberadas. "Dei cambalhotas de alegria".

Breno Silveira tem 48 anos, é pai de duas moças - uma de 18, outra de 16, ambas de seu casamento com Renata. Tornou-se cineasta porque gostava de fotografar. Antes de trabalhar como assistente do fotógrafo Edgar Moura em Bete Balanço, filme ícone da década de 1980, cursou a faculdade de biologia. Sua intenção, pouco modesta, era tornar-se o novo Jacques Cousteau, famoso oceanógrafo e documentarista francês morto em 1997. "Na verdade, do que eu gostava mesmo era dos filmes, da ideia de conhecer vários lugares do mundo", explica. Quando cansou de estudar "a pata da barata branca", dedicou-se ao que viria a fazer com maestria: emocionar as pessoas. Primeiro, como diretor de fotografia. Depois, à frente dos próprios filmes. "Essa é a minha função no cinema. Desde moleque, nunca gostei de Batman. Gosto de histórias que deixem as pessoas tocadas."

Em um dos trechos mais emocionantes do filme, o protagonista se lembra de grandes momentos com a mulher viva: um passeio à lagoa, a festa de casamento, um beijo tórrido... São cenas lindas, embaladas por um clássico de Roberto, Nossa Canção, na voz de Vanessa da Mata: "Olha aqui/Preste atenção/Essa é a nossa canção/Vou cantá-la seja aonde for/Para nunca esquecer/O nosso amor/Você partiu/E me deixou/Nunca mais você voltou/Pra me tirar da solidão". Para Renata, Breno fez mesmo poesia.




(texto publicado na revista Claudia nº 8 - ano 51 - agosto de 2012)



À beira do caminho - filme completo






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