segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Cidade verde - Carolina Muniz



Quem planta alimentos no espaço urbano colher bem-estar, cidadania e respeito à natureza

Quando você pensa em produção de alimentos, o que lhe vem à cabeça? Grandes plantações no Centro-Oeste? A roça dos avós no interior? Ou hortas e pomares nos centros urbanos? Pois é. Apesar de a última alternativa parecer exótica, ela é perfeitamente viável e benéfica para as cidades. Nas varandas dos prédios, nos quintais das casas ou até mesmo nos parques e praças públicas, jardins comestíveis vêm substituindo os ornamentais e provando que podemos sentir um gostinho de campo bem no meio da selva de pedra.

Essa ideia nunca havia ocorrido à artista plástica Ana Paula Wenzel, de 45 anos. Até que, quase uma década atrás, ela se mudou com o marido e as duas filhas para uma casa no bairro paulistano do Butantã. Depois de uma vida inteira morando em apartamento, ela se encantou com o quintal de árvores frutíferas, plantadas pela antiga dona. "Nem gostei tanto da casa", ela conta. "Mas me apaixonei por esse jardim."

O entusiasmo de Ana Paula com as espécies comestíveis foi crescendo. Ela até derrubou uma edícula no fundo do terreno para ter mais espaço para cultivá-las. Sem se preocupar com a estética nem com as técnicas do plantio, a família foi só jogando as sementes. Hoje eles desfrutam de um jardim aconchegante e repleto de aromas. "Queríamos um quintal gostoso de ficar e de comer", brinca ela. "Não tínhamos a intenção de que ficasse bonito, mas ficou."

Nesse "jardim com jeitinho de vó" há manjericão, limão-siciliano, jabuticaba, amora, marmelo, louro e até quatro pés de café - uma vez por ano, eles moem os grãos e tomam um cafezinho caseiro, literalmente. Esse tanto de frutos atrai visitantes especiais, como pica-paus e bem-te-vis. "Nosso contato com a natureza é maravilhoso. Dentro de casa, a gente só dorme. Passamos a maior parte do tempo do lado de fora."

Assim como Ana Paula, cada vez mais gente está aderindo à onda da agricultura urbana, trocando as plantas bonitas pelas gostosas. "No interior, a horta de subsistência sempre existiu, mas, na cidade, essa prática era considerada caipira", explica Pérola Felipette Brocaneli, professora de arquitetura e urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. "Agora, para enfrentarem o crescimento das metrópoles, as pessoas querem voltar a ficar perto das coisas mais simples da natureza." E esse retorno à  terra só melhora nossa vida no asfalto da cidade e nossa relação com os outros cidadãos.

Sentimento de comunidade

No bairro carioca do Cosme Velho, um terreno baldio preocupava os moradores: além do mau cheiro, havia o risco de transmissão de doenças, como a dengue. Então, em março de 2013, eles decidiram fazer um mutirão para limpar a área, mesmo que isso fosse de responsabilidade da prefeitura. Depois de arrumado, o espaço precisava ganhar uma nova função, para que não voltasse a se deteriorar. Foi aí que um dos vizinhos deu a grande ideia: criar uma horta comunitária.

"A horta se tornou a extensão da minha casa", diz a aposentada Sonia Miranda, de 73 anos. Todas as tardes, é fácil encontrá-la no terreno ao lado da praça, dedicando seu amor a cada uma das plantinhas. Junto a ela, cinco voluntários cuidam da horta. Mas qualquer um que passar por ali pode entrar e pegar o que quiser: tem batata-doce, inhame, mamão, pimenta, manjericão, hortelã, erva-cidreira... Uma verdadeira fartura.

Como fica perto da estação de trem para subir ao Cristo Redentor, a horta recebe um grande número de turistas. "Enquanto o trem não chega, eles ficam aqui, conhecem nosso trabalho e conversam com a gente." Assim, o local, que antes causava desconforto à vizinhança, hoje é motivo de orgulho.

"A implantação de hortas comunitárias é uma excelente forma de requalificar espaços públicos degradados, porque estimula a cidadania", diz a professora Pérola. Segundo estudos americanos, iniciativas como essa ajudam até a reduzir o índice de criminalidade na região, uma vez que a horta necessita de cuidados diários e atrai diferentes tipos de visitante - idosos, famílias, crianças pequenas, grupos de estudantes. Quando um lugar deteriorado começa a receber a atenção dos vizinhos, a população em geral passa a respeitá-lo e a preservá-lo.

É por isso que as hortas comunitárias podem melhorar a maneira como enxergamos o lugar em que vivemos. "A relação que temos com a cidade é a relação que etmos com seus espaços e suas pessoas", explica Pérola. "Se começamos a gostar mais dos espaços e das pessoas, passamos a gostar muito mais da cidade."

Oásis verde

Até 2008, Claudia Visoni acreditava que não existia ninguém mais urbana do que ela. Mas, preocupada em diminuir o impacto ambiental do que consumia, a jornalista de 48 anos começou a plantar no quintal de casa, no bairro de Pinheiros, em São Paulo. "Foi aí que descobri o mundo da agricultura urbana", conta. "Eu me apaixonei e comecei a estudar o assunto em livros e cursos."

Em um desses cursos, Claudia conheceu a também jornalista Tatiana Achcar e, juntas, criaram no Facebook um grupo chamado Hortelões Urbanos, para reunir pessoas interessadas em produzir alimento em casa. Certo dia, um dos membros perguntou: "mas nós vamos ficar só nisso? Por que não fazemos uma horta comunitária?" Todos adoraram a ideia. E, assim, aqueles amigos - que, até então, eram apenas virtuais - decidiram se reunir na praça pública para fazer o que mais gostam: plantar.

Com uma autorização informal da prefeitura, eles usaram um terreno de 800 m² na Vila Madalena para criar, em 2012, a Horta das Corujas. "Aí, a brincadeira ficou mais interessante", diz Claudia. "Porque, numa horta comunitária, a gente colhe não só alface. A gente colhe relacionamento humano, recupera o espaço urbano e convive com pessoas que não encontraríamos em nenhum outro lugar. Aqui tem voluntários de 4 anos e de 84 anos, tem analfabetos e pós-graduados, tem um pouco de tudo."

Há dois anos Claudia e outros voluntários também ocuparam um canteiro em plena Avenida Paulista: fizeram uma horta na Praça do Ciclista, local que reúne os apaixonados por bike. Mesmo com as grandes festas e manifestações realizadas no cartão-postal da maior metrópole do país, ela nunca foi depredada - e os hortelões fortaleceram ainda mais sua confiança no cultivo dos alimentos e na comunidade.

O sucesso dessas iniciativas fez com que projetos semelhantes brotassem em outros lugares. "A horta se tornou um ponto vivo da cidade, onde as pessoas se encontram para conviver e cuidar do meio ambiente", diz Claudia. "Virou uma oportunidade de lazer gratuito. Um oásis em meio à loucura urbana, onde se consegue um pouco de paz."

Jardins suspensos

Como uma onda, a agricultura urbana vai se espalhando pela cidade - e já chegou ao topo dos edifícios. Os telhados verdes, que já são realidade em diversas partes do mundo, estão ganhando força no Brasil.

Na capital paulista, 3 mil m² do terraço do Shopping Eldorado são destinados à produção de alimentos - parece um oásis entre o deserto de concreto. A horta foi criada em 2012, com o objetivo de dar um destino ambientalmente correto aos 400 quilos de restos de comida que a praça de alimentação produz todos os dias. Por meio da compostagem, esse resíduo orgânico se transforma em adubo, que, por sua vez, é usado para alimentar a horta - reduzindo a quantidade de lixo enviada para os aterros.

"Não imaginava que fosse possível fazer adubo com lixo", confessa Cícero Aquino, de 31 anos. Ao procurar emprego no shopping, ele nunca pensou que seria contratado para cuidar de uma horta. Sua única intenção era deixar a vida estressante de motoboy e exercer uma profissão mais tranquila. Não só conseguiu o que queria, como se descobriu no novo cargo. "Parece que essa vaga foi feita para mim!", diz ele, todo orgulhoso de ser o primeiro auxiliar de compostagem reconhecido pelo Ministério do Trabalho. "Na hora em que rego uma plantinha, lá em cima, no meio da selva de pedra, parece que estou numa chácara. Desço de volta para as ruas com outro ânimo."

O projeto envolve os 420 funcionários do shopping, que levam para casa os alimentos produzidos no telhado verde - alface, rúcula, couve, berinjela, abobrinha, pimentão e muitas coisas mais. "Esse projeto é feito para a gente", explica ele. "Quando é época de colheita, todos são chamados para subir à horta. O pessoal assiste a palestras e depois nos ajuda a colher."

Para Cícero, isso fez com que os funcionários adotassem uma postura mais sustentável - e ainda incentivou alguns deles a cultivar seu próprio jardim comestível. "Muita gente agora tem horta em casa. Até dou um pouco de adubo a quem pede."

Na opinião de Rui Signori, engenheiro-agrônomo responsável pelo projeto, a horta tem um poder transformador: "Depois que a pessoa colhe o que plantou, não para nunca mais. Porque, além do prazer, tem a certeza de que o alimento é realmente orgânico", diz ele. "É uma tendência mundial. Cada vez mais, as pessoas querem produtos livres de agrotóxicos. E, cada vez mais, elas sabem que plantar é a melhor solução."

Imersos nos caos urbano, não nos damos conta de que fazemos parte da natureza - e de que somos os maiores responsáveis por ela. Ao ver um alimento brotar da terra, fia mais fácil lembrar que as sementes de nosso futuro neste planeta precisam ser plantadas aqui, agora, por cada um de nós.

Cultivando para todos

O passo a passo da sua horta comunitária

1. Encontre um espaço. Pode ser um vasinho, um quintal, um cantinho na calçada ou uma praça. O importante é que tenha acesso a água de boa qualidade.

2. Peça autorização ao responsável pela área. Se for um espaço público, fale com a prefeitura da cidade.

3. Estude. Procure conhecer os tipos de plantas e quais se adaptam melhor ao terreno que você tem disponível.

4. Converse com as pessoas. Pergunte aos vizinhos o que eles acham da iniciativa e convide-os para participar.

5. Dê atenção à sua horta. Ela precisa ser regada e adubada periodicamente. Faça escalas e reveze os cuidados com os outros voluntários.

6. Não tenha medo de errar. O aprendizado faz parte do processo. Mas ver algo que você mesmo plantou brotando da terra não tem preço!

Espalhe o verde pela cidade inteira

Fáceis de fazer, as bombas de sementes não precisam ser enterradas nem regadas. Quando encontram condições adequadas, elas germinam sozinhas. Então, jogue-as em terrenos baldios, praças abandonadas ou canteiros esquecidos e seja um guerrilheiro da causa verde.

Aprenda a fazer a sua bomba de semente:

- Você vai precisar de água, argila, composto orgânico e sementes à sua escolha.

- Para cada cinco partes de argila, misture uma de composto orgânico e uma de sementes.

- Adicione água aos poucos, até que essa mistura fique homogênea.

- Aperte bem a massa e faça uma bolsinha com ela.

- Deixe secar sob o sol. Isso vai facilitar a germinação.

- Jogue-as por aí e espalhe o verde pela cidade!



(texto publicado na revista Sorria para ser feliz agora nº 41 dez 2014/jan 2015)








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