quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Doze meses para agir - Aline Imercio, Bruno Calixto, Júlia Korte, Marcelo Moura e Raphael Gomide


As chuvas esperadas para dezembro apenas reduzirão os efeitos da seca. Em vez de só torcer por mais chuva, teremos de mudar a forma como usamos a água

O período de chuvas mais intensas na maior parte do país deverá começar agora, em dezembro, e se estende até março. A meteorologia prevê chuvas. Se elas vierem no volume normal, trarão alívio imediato para a falta d'água que ameaça as regiões Sudeste, Nordeste e Sul. Por quanto tempo? "A meteorologia não previa a seca de 2014. É incapaz de dizer se foi um episódio isolado ou se representa um novo padrão", diz Alceu Bittencourt, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) em São Paulo. "O Sistema Cantareira foi dimensionado para resistir à crise hídrica de 1956." A atual seca no Rio São Francisco, a pior em um século, e a de São Paulo, a pior em 85 anos, impõem novas referências. Redimensionar os sistemas de abastecimento e recuperar nascentes custará tempo e dinheiro.

A Sabesp, empresa paulista de água e esgoto, prepara-se para abastecer mananciais com água de reúso. Os governos de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro entraram em acordo pela transposição do Rio Paraíba do Sul, para reforçar o abastecimento de São Paulo. Nada disso ficará pronto antes de 2016. Antes, entre maio e novembro, o Brasil enfrentará mais um período seco. Há duas opções para os próximos 12 meses: apostar na generosidade das nuvens ou combater o desperdício. A seguir, exemplos para inspirar governos, empresas e você a combater a crise da água. 

Governos

1) Conter vazamentos

De cada 10 litros de água tratada, em média 4 se perdem antes de chegar às torneiras. Escorrem pelo caminho por rachaduras na tubulação. Se o Brasil diminuísse sua média de perdas de 40% para menos de 20%, como em bons sistemas de distribuição do mundo, não haveria risco de faltar água. "Teríamos duas décadas para planejar para uma escassez futura", diz Carlos Henrique Lima, diretor do grupo Águas do Brasil. Baixar as perdas de 40% para menos de 20% foi o que a Águas do Brasil fez em Niterói, no Rio de Janeiro. "Apenas cumprimos as metas do contrato de concessão", diz Lima. "Empresas públicas, como a Cedae (companhia fluminense de água e esgoto), não se submetem a regulação tão rígida."

2) Encarecer o excesso

A Sabesp oferece desconto de 30% na conta de água para quem baixar o consumo em pelo menos 20%. Segundo a empresa, a campanha recebeu a adesão de 75% da população paulistana e leva à economia de 3.600 litros por segundo. Para Bittencourt, da Abes-SP, mais que incentivar a economia, o Estado deve punir o desperdício. "É a hora de estabelecer limites de consumo individual e cobrar caro de quem excedê-los", diz.

3) Baratear a economia

Criado nos anos 1980, o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel) levou á criação de um selo de eficiência para eletrodomésticos. Em 2009, o governo federal zerou o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre os eletrodomésticos mais eficientes. A medida aqueceu a indústria e estimulou a economia de eletricidade. Programa semelhante poderá favorecer torneiras, descargas, lavadoras de roupa e de louça com menor consumo de água. Hoje, o governo não estimula a compra de produtos de baixo consumo de água, nem os exige em programas de habitação popular, como o Minha Casa Minha Vida. A prefeitura de Nova York, nos Estados Unidos, dá US$ 100 a quem trocar um vaso sanitário antigo por outro moderno, com metade ou um terço do gasto da água.

4) Informar o cidadão

Em ano eleitoral, os Estados afetados pela seca no Nordeste e Sudeste resistiram a alertar a população. "Quando cheguei à Inglaterra, em 1974, o alerta era objetivo, em placas pedindo 'economize água'", diz Paulo Canedo, coordenador do Laboratório de Hidrologia da Coppe, a pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A Sabesp faz campanhas pela economia, mas não informa com clareza que risco corre o abastecimento. Com informações mais claras, empresas e famílias poderiam se empenhar mais em evitar o colapso - ou em se preparar para ele.

5) Impor hidrômetros

O cidadão que vive em condomínios com hidrômetros coletivos não é adequadamente premiado por economizar nem punido por desperdiçar. A Sabesp diz que hidrômetros individuais podem baixar o consumo em até 15%. Deveriam ser exigidos como padrão. E deveria haver incentivos financeiros para custear as obras em condomínios que mudassem seus sistemas de medição.

6) Apertar lava a jatos

As prefeituras têm de reforçar a fiscalização aos lava a jatos de automóveis e impor restrições à atividade. Os maiores sacrifícios nesta crise deveriam vir de consumidores grandes e irregulares, que prestam serviços não essenciais.

7) Regular o reúso

O Brasil não tem um padrão de qualidade para a água de reúso. Isso inibe o investimento de condomínios e empresas em estações de tratamento de esgoto. "Faltam parâmetros a uma água adequada para regar plantas, lavar carros ou ruas", diz Diego Domingos da Silva, engenheiro da Mizumo, fabricante de sistemas de reaproveitamento de água. "Certos Estados, como São Paulo,adotam exigências mais rígidas que os Estados Unidos." Silva diz que regras menos rígidas derrubariam o custo da água de reúso pela metade.

Empresas

8) Equipar os prédios


Edifícios com certificados de eficiência energética consomem de 20% a 80% menos água que seus similares sem selo verde, afirma Sergio Mendes,diretor de sustentabilidade da empresa de administração imobiliária Cushman & Wakefield. "Edifícios verdes são até 6% mais caros, mas o custo adicional se paga com gastos menores de manutenção ao longo da vida útil", diz.

9) Guardar chuva

Empresas e condomínios podem investir em sistemas de captação de água da chuva e reciclagem do esgoto. Após uma reforma, a sede de São Paulo da Câmara Americana de Comércio (Amcham) reduziu o consumo de água em 35%. Por ano, isso equivale a mais de 1,6 milhão de litros.

10) Trocar torneiras

A Sabesp e a fábrica de louças e metais sanitários Docol investiram R$ 800 mil na troca de torneiras, vasos sanitários e válvulas de descarga de 50 escolas estaduais em São Paulo. "Ao consumir 40% menos água, o investimento foi recuperado em quatro meses", diz Felipe Faria, diretor do Green Building Council Brasil, ONG responsável por certificar prédios verdes. "Válvulas e torneiras eficientes não custam mais que as convencionais", afirma Levi Garcia, diretor da Docol.

11) Treinar o time

A Amcham treinou melhor a equipe de limpeza. "Usávamos 100 litros de água para limpar o salão de convenções", diz a diretora de eventos Daniela Aiach. "Com treinamento e tecnologia, baixamos esse consumo em 90%."

12) Aposentar o regador

Sistemas de irrigação automáticos, com intervalos e quantidade de água programados, podem reduzir o consumo de água à metade. "Alguns condomínios complementam a irrigação automática com sistemas de previsão do tempo", diz Faria.

Você

13) A receita do molho

"Não podemos mais lavar louça como faziam nossas avós, com torneira aberta", afirma Gabriela Yamaguchi, coordenadora da campanha "Água pede água", do Instituto Akatu. É possível remover boa parte da sujeira de pratos e panelas com pano ou guardanapo. Depois pnha a louça de molho numa bacia com água e gotas de detergente. "Como a sujeira amolece, basta esfregar de leve com a esponja, para a louça ficar limpa", diz a empresária Márcia Chigança. Depois uma outra bacia cheia de água limpa pode ser usada para enxaguar toda a louça. Com medidas como as apresentadas nestas páginas e disciplina, Márcia reduziu a conta de água de casa de R$ 180 para R$ 28.

14) Torneira sem goteira

Uma torneira gotejando desperdiça cerca de 50 litros de água por dia, segundo a Sabesp. Uma borrachinha de vedação - conhecida em lojas de material de construção como "courinho" ou "carrapeta"-, por menos de R$ 3, pode acabar com o desperdício e aumentar a vida útil da torneira.

15) Máquina de poupar

Máquinas de lavar roupa consomem cerca de 135 litros para lavar 5 quilos de roupa. É metade do gasto para lavar roupas no tanque, ao longo de 15 minutos. A economia se esvai ao usar a máquina para lavar pouca roupa.

16) Toalha impermeável

Toalhas de mesa e descansos de prato impermeáveis, de plástico, não precisam ir à máquina de lavar. Para limpá-los, bastam detergente e pano úmido.

17) Válvula redutora

Pequenas peças de plástico, para encaixar em chuveiros, torneiras e descargas, diminuem a vazão de água e podem reduzir o consumo em até 70%. Fechar parcialmente o registro geral da casa surte efeito parecido.



(texto publicado na revista Época nº 862 - 8 de dezembro de 2014)



















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