Viver no trânsito, sob cobranças no trabalho, em ritmo alucinante em casa e com um cotidiano cheio de sobressaltos é desgastante. Só não significa que estamos fadadas a adoecer ou enlouquecer: a neurociência mostra que é possível com o estresse de modo positivo
"O estresse é contagioso", diz, sem meias-palavras, o psicólogo Armando Ribeiro, com a experiência de quem coordena o programa que avalia e estuda o tema no hospital paulistano Beneficência Portuguesa. Não que o problema seja causado por vírus, bactéria ou outro agente infeccioso. A disseminação, com características de epidemia, se dá de outra forma: "Tendemos a nos tornar mais tensos convivendo com pessoas estressadas. Filhos de pais ligados no 220 ficam agitados o tempo inteiro, e todos na casa se comunicam de maneira agressiva, inundados pelos hormônios do estresse. Nem os bichos de estimação escapam". Como o microuniverso familiar reflete o macro, podemos afirmar que a sociedade contribui para espalhar o estado de compreensão permanente. No trabalho, a competição acirrada e a pressão por resultados fazem do brasileiro o profissional mais irritado entre os que vivem nos 13 países pesquisados pela empresa de recrutamento americana Robert Half. Dos diretores de RH entrevistados aqui, 42% ouviram reclamações de jornadas exaustivas e falta de reconhecimento. A média mundial das queixas nessa área é de 11%. Mesmo que alguém se safe da implacável cobrança profissional, encontra pela frente trânsito pesado. Em quase todas as cidades, não apenas as metrópoles mas também as de pequeno porte, a frota de carros cresceu assustadoramente - só em Manaus subiu 142% entre 2001 e 2011. E há a possibilidade de topar com protestos, depredações, ônibus incendiados, panes no metrô e greves, que se somam ao já conhecido suspense urbano em torno de tiroteios, balas perdidas, assassinatos, estupros, sequestros e arrastões. Acrescenta-se a isso t udo a rapidez das relações amorosas, num tempo em que a vida está mediada pela comunicação nas redes sociais, tão volátil e efêmera. O resultado é a sensação de andar no fio da navalha, sob um estresse onipresente. O custo pode ser alto.
A produção contínua dos hormônios associados a ele sobrecarrega o organismo. "O estresse não causa doenças, mas desencadeia ou agrava as preexistentes", afirma Armando Ribeiro. A lista inclui hipertensão arterial e cardiopatias, enxaqueca, úlcera, doença do refluxo, síndrome do intestino irritável, acne, psoríase e vitiligo. Em grande quantidade, a adrenalina e a noradrenalina - que preparam o corpo para grandes esforços físicos - estreitam o calibre dos vasos, deixam a respiração ofegante e aumentam a sudorese e os batimentos cardíacos. Isso conduz a um estado de ansiedade e crises de pânico. A parte imunológica é afetada, já que o excesso de cortisol - o chamado hormônio do estresse - reduz a produção de anticorpos e pode inibir o sistema que controla as células alteradas, criando condições para o surgimento de câncer. Ainda favorece diabetes e obesidade, uma vez que interfere no metabolismo da glicose e no armazenamento de gordura.
"Nesse estado de compressão, a anatomia do cérebro se altera", explica o psiquiatra, nutrólogo e consultor organizacional Frederico Porto, de Belo Horizonte. "O hipocampo, ligado às emoções, diminui sob o cortisol abundante, assim como os telômeros, espécie de capa que protege as extremidades dos cromossomos." O tamanho do telômero indica a idade celular e funciona como marcador de longevidade e saúde. Em um estudo da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, as células das mulheres exauridas por cuidar de filhos doentes pareciam dez anos mais envelhecidas que o esperado para a idade. Aliás, os sintomas de estresse crônico se manifestam duas vezes mais no sexo feminino. Isso se comprova em pesquisa: submetidas à mesma pressão que os homens, as mulheres correm até 70% mais risco de desenvolver doenças cardiovasculares, dizem cientistas da Harvard Medical School, nos Estados Unidos. A explicação, segundo Armando Ribeiro, está nas flutuações hormonais, que podem predispor a maior tensão física e emocional, assim como na multiplicidade de papéis sociais que elas assumem.
A saída do labirinto
Antes que essas informações aumentem a ansiedade, um alento: estudos da neurociência mostram saídas. "A percepção que temos dos eventos faz toda a diferença", diz a psicóloga Kelly MacGonigal, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, interpretando novas descobertas. "O que pensamos e como agimos podem transformar uma experiência estressante." Em uma palestra na Escócia, Kelly falou de como fazer do estresse um amigo citando dados de pesquisas americanas. A primeira, da Universidade de Wisconsin, investigou 30 mil adultos submetidos a estresse agudo. Os que temiam o impacto nocivo disso sobre a saúde sofreram, de fato, um aumento de 43% no risco de morte prematura. Já aqueles que não tinham uma percepção tão negativa da situação apresentaram risco menor. Para completar, psicólogos de Harvard localizaram uma boa alteração em pessoas alegres: quando expostas a fatores estressores, suas artérias se mantiveram mais relaxadas que as dos deprimidos. Kelly lembrou ainda um achado da Universidade de Buffalo em estudo com 846 voluntários sobre o t empo gasto auxiliando amigos e vizinhos. Após cinco anos, verificou-se quantos haviam morrido. Quem enfrentou dificuldades financeiras ou crises familiares sem se envolver com os outros teve o risco de morte elevado em 30%. O altruísmo ajudou a estender a vida e sua qualidade entre os demais.
A explicação estaria na ocitocina, hormônio que estimula a conexão com o outro. Ele é sintetizado na amamentação, reforçando o vínculo da mãe com o bebê, e quando uma pessoa está em situação adversa e encontra apoio. "As mulheres levam vantagem, pois têm níveis mais elevados de ocitocina, que também reduz sentimentos de depressão e ansiedade", explica o médico, psiquiatra e acupunturista Cyro Masci, de São Paulo, autor do e-book BioStress: Novos Caminhos para o Equilíbrio e a Saúde (Amazon). "Por isso, as mulheres tendem a soluções pacíficas, enquanto eles valorizam a força." Para completar, a ocitocina protege o sistema cardiovascular contra os efeitos ruins do estresse.
O que faz a mente ferver
Foi para zelar por sua sobrevivência que o ser humano desenvolveu a reação de luta e de fuga, e o estresse tem tudo a ver com isso. "Na pré-história, essa resposta do organismo fornecia ao ser humano a energia para enfrentar as feras. Passado o perigo, ao encontrar um lugar seguro, o homem se acalmava e a produção de hormônios voltava ao normal", explica Porto. Desde os primórdios, portanto, está entendido que o estresse, por si só, não faz mal. "Mas a natureza dos estressores se ampliou", avisa o expert. Muitos desses fatores nem são mais palpáveis, e sim de ordem psíquica. "Então, essa resposta primitiva perdeu eficiência. "Porto lembra que um profissional insatisfeito não pode atacar seu chefe nem sair correndo do escritório, como faria se topasse com uma onça. É preciso elaborar antes de reagir. Para ilustrar sua tese, Porto cita o já esgotado livro Por Que as Zebras Não Têm Úlceras? do biólogo e neurologista Robert Sapolsky (Francis), da Universidade Stanford. "As zebras vivem nas savanas ao lado de leões, mas só se estressam na hora certa, quando veem o predador. Assim, usam todas as suas forças para escapar. E, pronto, terminou ali o episódio", diz. "Nós, ao contrário, ficamos ruminando, mastigando mentalmente: 'Será que hoje um leão me pega? Vou conseguir me livrar dele?' O que nos mata é a ruminação: ficar antecipando um problema e revivendo os anteriores. Precisamos estar no presente. É isso que traz alívio."
Grito de alerta
Nem sempre estamos antenadas para perceber que cansaço, irritabilidade, queda de libido, insônia e dores musculares podem ser os primeiros indícios de que a situação está fugindo ao controle. Outra pista é o resultado normal em exames laboratoriais e de imagem, seguido da desconcertante declaração do médico de que não encontrou nada que justifique as queixas de saúde. Daí, as velhas receitas anti-estresse - como sair para beber, tirar férias ou se mudar para um lugar bucólico - talvez não resolvam e até agravem o quadro por não combater a causa. "Estresse não é algo banal que desaparece espontaneamente", adverte Armando Ribeiro. A terapia cognitiva comportamental pode modificar crenças e distorções da realidade que amplificam os estímulos externos. Meditação, ioga e biofeedback (aparelho que mostra as alterações fisiológicas produzidas) também são úteis. Massagem, acupuntura, aromaterapia e musicoterapia trazem conforto. Segundo o psicólogo, a ação de um profissional especializado em estresse muitas vezes é fundamental para ajudar a achar o caminho de volta.
Estratégias de resistência
Invista no autoconhecimento. A pessoa que se conhece respeita mais a si mesma e não insiste em coisas que não merecem sua energia.
Coma alimentos integrais, orgânicos, ricos em vitaminas e antioxidantes. Eles bloqueiam os radicais livres, que têm a produção aumentada quando o corpo reage ao estresse crônico. A dieta deve conter ainda carboidratos de baixo índice glicêmico (frutas secas, castanhas, grãos e hortaliças ricas em fibras), que liberam a glicose no sangue gradualmente. A falta dela pode disparar a reação do estresse e a compulsão para doces. Evite fast-food, açúcar e farinha refinada.
Limite o cafezinho e até quatro xícaras por dia, restrinja refrigerantes e energéticos. Além de água, beba chá-verde: contém o aminoácido L-teanina, que alivia o estresse e a ansiedade.
Adote treinos aeróbicos, que canalizam a energia mobilizada pelo estresse, impedindo que ela faça estragos. Exercícios ainda estimulam a produção de endorfinas, que dão bem-estar. E poupam os telômeros (protetores dos cromossomos) dos danos do estresse psicológico.
Pratique a atenção plena (ou mindfulness): pare e observe as sensações do corpo. Inspire em dois tempos, segure um pouco e solte em quatro tempos. Faça isso por um minuto pelo menos para avisar ao cérebro que você está fora de perigo. Existem aplicativos, como o gratuito MindfulClock (mindfulclock.org/), com um sino budista que toca para lembrá-la de fazer as pausas.
Preserve o sono. Quem está sob pressão e dorme bem fica mais protegido das tensões.
Foque no que você tem controle e deixe o resto passar, em vez de ficar ruminando problemas. O oposto do estresse não é relaxar, mas ter certo domínio da situação. Lembre-se: a sensação de impotência ativa a produção de cortisol.
Diferencie o que é urgente do que é importante. Não perca tempo com notícias sobre crimes e catástrofes. O cérebro prioriza o que é perigoso e negativo por razões de segurança.
"Nesse estado de compressão, a anatomia do cérebro se altera", explica o psiquiatra, nutrólogo e consultor organizacional Frederico Porto, de Belo Horizonte. "O hipocampo, ligado às emoções, diminui sob o cortisol abundante, assim como os telômeros, espécie de capa que protege as extremidades dos cromossomos." O tamanho do telômero indica a idade celular e funciona como marcador de longevidade e saúde. Em um estudo da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, as células das mulheres exauridas por cuidar de filhos doentes pareciam dez anos mais envelhecidas que o esperado para a idade. Aliás, os sintomas de estresse crônico se manifestam duas vezes mais no sexo feminino. Isso se comprova em pesquisa: submetidas à mesma pressão que os homens, as mulheres correm até 70% mais risco de desenvolver doenças cardiovasculares, dizem cientistas da Harvard Medical School, nos Estados Unidos. A explicação, segundo Armando Ribeiro, está nas flutuações hormonais, que podem predispor a maior tensão física e emocional, assim como na multiplicidade de papéis sociais que elas assumem.
A saída do labirinto
Antes que essas informações aumentem a ansiedade, um alento: estudos da neurociência mostram saídas. "A percepção que temos dos eventos faz toda a diferença", diz a psicóloga Kelly MacGonigal, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, interpretando novas descobertas. "O que pensamos e como agimos podem transformar uma experiência estressante." Em uma palestra na Escócia, Kelly falou de como fazer do estresse um amigo citando dados de pesquisas americanas. A primeira, da Universidade de Wisconsin, investigou 30 mil adultos submetidos a estresse agudo. Os que temiam o impacto nocivo disso sobre a saúde sofreram, de fato, um aumento de 43% no risco de morte prematura. Já aqueles que não tinham uma percepção tão negativa da situação apresentaram risco menor. Para completar, psicólogos de Harvard localizaram uma boa alteração em pessoas alegres: quando expostas a fatores estressores, suas artérias se mantiveram mais relaxadas que as dos deprimidos. Kelly lembrou ainda um achado da Universidade de Buffalo em estudo com 846 voluntários sobre o t empo gasto auxiliando amigos e vizinhos. Após cinco anos, verificou-se quantos haviam morrido. Quem enfrentou dificuldades financeiras ou crises familiares sem se envolver com os outros teve o risco de morte elevado em 30%. O altruísmo ajudou a estender a vida e sua qualidade entre os demais.
A explicação estaria na ocitocina, hormônio que estimula a conexão com o outro. Ele é sintetizado na amamentação, reforçando o vínculo da mãe com o bebê, e quando uma pessoa está em situação adversa e encontra apoio. "As mulheres levam vantagem, pois têm níveis mais elevados de ocitocina, que também reduz sentimentos de depressão e ansiedade", explica o médico, psiquiatra e acupunturista Cyro Masci, de São Paulo, autor do e-book BioStress: Novos Caminhos para o Equilíbrio e a Saúde (Amazon). "Por isso, as mulheres tendem a soluções pacíficas, enquanto eles valorizam a força." Para completar, a ocitocina protege o sistema cardiovascular contra os efeitos ruins do estresse.
O que faz a mente ferver
Foi para zelar por sua sobrevivência que o ser humano desenvolveu a reação de luta e de fuga, e o estresse tem tudo a ver com isso. "Na pré-história, essa resposta do organismo fornecia ao ser humano a energia para enfrentar as feras. Passado o perigo, ao encontrar um lugar seguro, o homem se acalmava e a produção de hormônios voltava ao normal", explica Porto. Desde os primórdios, portanto, está entendido que o estresse, por si só, não faz mal. "Mas a natureza dos estressores se ampliou", avisa o expert. Muitos desses fatores nem são mais palpáveis, e sim de ordem psíquica. "Então, essa resposta primitiva perdeu eficiência. "Porto lembra que um profissional insatisfeito não pode atacar seu chefe nem sair correndo do escritório, como faria se topasse com uma onça. É preciso elaborar antes de reagir. Para ilustrar sua tese, Porto cita o já esgotado livro Por Que as Zebras Não Têm Úlceras? do biólogo e neurologista Robert Sapolsky (Francis), da Universidade Stanford. "As zebras vivem nas savanas ao lado de leões, mas só se estressam na hora certa, quando veem o predador. Assim, usam todas as suas forças para escapar. E, pronto, terminou ali o episódio", diz. "Nós, ao contrário, ficamos ruminando, mastigando mentalmente: 'Será que hoje um leão me pega? Vou conseguir me livrar dele?' O que nos mata é a ruminação: ficar antecipando um problema e revivendo os anteriores. Precisamos estar no presente. É isso que traz alívio."
Grito de alerta
Nem sempre estamos antenadas para perceber que cansaço, irritabilidade, queda de libido, insônia e dores musculares podem ser os primeiros indícios de que a situação está fugindo ao controle. Outra pista é o resultado normal em exames laboratoriais e de imagem, seguido da desconcertante declaração do médico de que não encontrou nada que justifique as queixas de saúde. Daí, as velhas receitas anti-estresse - como sair para beber, tirar férias ou se mudar para um lugar bucólico - talvez não resolvam e até agravem o quadro por não combater a causa. "Estresse não é algo banal que desaparece espontaneamente", adverte Armando Ribeiro. A terapia cognitiva comportamental pode modificar crenças e distorções da realidade que amplificam os estímulos externos. Meditação, ioga e biofeedback (aparelho que mostra as alterações fisiológicas produzidas) também são úteis. Massagem, acupuntura, aromaterapia e musicoterapia trazem conforto. Segundo o psicólogo, a ação de um profissional especializado em estresse muitas vezes é fundamental para ajudar a achar o caminho de volta.
Estratégias de resistência
Invista no autoconhecimento. A pessoa que se conhece respeita mais a si mesma e não insiste em coisas que não merecem sua energia.
Coma alimentos integrais, orgânicos, ricos em vitaminas e antioxidantes. Eles bloqueiam os radicais livres, que têm a produção aumentada quando o corpo reage ao estresse crônico. A dieta deve conter ainda carboidratos de baixo índice glicêmico (frutas secas, castanhas, grãos e hortaliças ricas em fibras), que liberam a glicose no sangue gradualmente. A falta dela pode disparar a reação do estresse e a compulsão para doces. Evite fast-food, açúcar e farinha refinada.
Limite o cafezinho e até quatro xícaras por dia, restrinja refrigerantes e energéticos. Além de água, beba chá-verde: contém o aminoácido L-teanina, que alivia o estresse e a ansiedade.
Adote treinos aeróbicos, que canalizam a energia mobilizada pelo estresse, impedindo que ela faça estragos. Exercícios ainda estimulam a produção de endorfinas, que dão bem-estar. E poupam os telômeros (protetores dos cromossomos) dos danos do estresse psicológico.
Pratique a atenção plena (ou mindfulness): pare e observe as sensações do corpo. Inspire em dois tempos, segure um pouco e solte em quatro tempos. Faça isso por um minuto pelo menos para avisar ao cérebro que você está fora de perigo. Existem aplicativos, como o gratuito MindfulClock (mindfulclock.org/), com um sino budista que toca para lembrá-la de fazer as pausas.
Preserve o sono. Quem está sob pressão e dorme bem fica mais protegido das tensões.
Foque no que você tem controle e deixe o resto passar, em vez de ficar ruminando problemas. O oposto do estresse não é relaxar, mas ter certo domínio da situação. Lembre-se: a sensação de impotência ativa a produção de cortisol.
Diferencie o que é urgente do que é importante. Não perca tempo com notícias sobre crimes e catástrofes. O cérebro prioriza o que é perigoso e negativo por razões de segurança.
(texto publicado na revista Claudia nº 8 - ano 53 - agosto de 2014)
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