segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

O negócio é dividir - Luara Calvi Anic


A nova ordem é alugar ou trocar. Pode ser uma bolsa de grife, um carro, um quarto ou uma casa e até serviços, como aulas de línguas. A internet, que aproxima os interessados em negociar, fez da chamada economia do compartilhamento uma tendência mundial. Nessa onda, torna-se mais instigante ter acesso às coisas do que ser dona delas

O conceito de consumidor está mudando. Ele não é mais apenas o cidadão que compra, compra e só compra. O perfil passou a incorporar a ação de oferecer o que se adquiriu, permitindo que mais gente usufrua. E - por que não? - obtendo lucros com isso. O norte da economia do compartilhamento (ou colaborativa) vem dos anos 1990, mas se fortaleceu em 2008, na crise que sacudiu as potências do planeta. Com dinheiro curto no mercado e desemprego alto, as pessoas acabaram concluindo que deviam possuir menos para usar e desfrutar mais. Outro pilar da atual onda é que a explosão das redes sociais e da tecnologia da mobilidade viabilizou negócios com um smartphone, acessamos, da rua, o aplicativo para chamar o táxi sem precisar ligar para a central - ou nos conectamos com um grupo que dá carona a um preço quase simbólico. A mesma conexão vale para alugar o cortador de grama, vender o vestido de festa empacado no armário, trocar aulas de espanhol por lições de violão. A internet entra como o instrumento que une oferta e demanda a baixo custo. E, de certa forma, garante credibilidade. Se um envolvido no negócio pisar na bola, os usuários do site ou aplicativo ficarão sabendo.

Esse jeito contemporâneo de viver, na verdade, não se restringe a dividir bens e conhecimento. Ele contempla o meio ambiente, porque reduz o excesso de produtos freneticamente fabricados, e faz o homem se voltar para o homem. A nova face do capitalismo, como já está sendo chamado prevê laços de confiança, respeito à coletividade, solidariedade com o outro. São valores primordiais que andavam esquecidos ou só praticados em cidadezinhas interioranas. A diferença é que o mundo cada vez mais conectado aproxima desconhecidos. "Com a globalização, tivemos uma série de mudanças nas relações em sociedade e, agora, com as mídias digitais e as redes, resgatamos algo que no passado era tão natural", diz Ana Carla Fonseca, especialista em economia criativa e ganhadora do Prêmio CLAUDIA na categoria Negócios em 2013. "Pode-se ter contato até com pessoas de outros países, línguas e culturas." Ela acredita que compartilhar é também reflexo de uma revisão sobre a propriedade. "Não é mais simplesmente a pessoa com seus objetos. Há o entendimento de que a gente deve aproveitar as coisas sem necessariamente comprá-las."

O compartilhamento não está só na esfera privada. A Prefeitura de Seul, na Coreia do Sul, aluga no fim de semana salas vazias de seus prédios, oferece carros elétricos a preços baixos para cidadãos, incentiva o aluguel de garagens no horário em que as pessoas estão fora de casa e disponibiliza postos de locação de ternos e ferramentas. Mas o forte dessa economia ainda é o pequeno empreendedor - que tem crescido, é claro. O site americano Uber, que sugere a cada um fazer do próprio carro uma espécie de táxi, é um sucesso. No Brasil, o Zaznu, de carona, conecta motoristas interessados em dividir despesas de viagem com passageiros que nunca viu. E, na onda da moda sustentável, desde 2009 é possível vender no paulistano Enjoei roupas e objetos que os donos cansaram de usar. No carioca Bobags, consegue-se uma clutch Chanel por uma noite. Nos Estados Unidos, onde a prática é mais comum, serviços são largamente ofertados na internet - entre eles, apaixonados por cães figuram no Dog Vacayra como babás de pets. No francês Zilok, multiplicam-se transações de empréstimo remunerado de malas, microfones, escadas. Cresce também a aparição de chefes, muitos informais, que preparam jantares em casa. Nessa seara, o americano Eat With é um dos grandes. Nele, 23 brasileiros expõem suas especialidades culinárias.

Ninguém calculou, ainda, o que a sharing economy movimenta no mundo, mas já se sabe que, em 2013, a receita de empresas americanas ligadas a ela girou em 3,5 bilhões de dólares. A nova forma de fazer o dinheiro circular, porém, começa a abalar a economia convencional. As centrais de táxi de Paris e São Paulo queixam-se da concorrência. Em Nova York o site Airbnb está sendo acionado na Justiça por prejudicar hotéis ao atrair turistas para casas particulares - seus proprietários não pagam impostos. Sim, se antes abrir a porta para um estranho por uns dias era uma loucura, hoje nem tanto: com base também no Brasil, o Airbnb reúne 600 mil ofertas em 190 países. Aqui, já são 21 mil. Há de quartos pelo mundo a trailer na Califórnia, barco em Mônaco e castelo na Escócia. "Os sites conectam os usuários ao Facebook, que revela um pouco do caráter de pessoas com interesse e amigos comuns. Paradoxalmente, o virtual valida o real", diz Bia Granja, cocriadora do YouPix, site e festival que discutem fenômenos da internet no nosso país. Veja a seguir histórias de brasileiros que surfam na onda do compartilhamento e o que eles fazem para se dar bem.



(texto publicado na revista Claudia nº 8 - ano 53 - agosto de 2014)




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