Nem só de dentes bonitos vive uma boca saudável. É preciso tomar cuidado com o tecido que ajuda a sustentá-los. Medidas simples como a boa higiene bucal ajudam muito
Suas gengivas costumam sangrar quando você escova os dentes ou usa fio dental? Atenção: ao contrário do que muita gente imagina, isso não é normal, nem inofensivo. Indica que o tecido da mucosa bucal está inflamado e é o primeiro estágio de um processo infeccioso que pode resultar na perda dos dentes. "Em 98% dos casos a inflamação é crônica e não incomoda por muitos anos", explica Antonio Wilson Sallum, presidente da Sociedade Brasileira de Periodontologia (Sobrape) e professor titular de Periodontia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Durante todo o tempo, no entanto, a infecção vai se espalhando e comprometendo as estruturas que sustentam os dentes. Se nada for feito, eles ficarão tão frouxos que será preciso extraí-los." Para dar uma ideia da incidência do problema, uma pesquisa publicada pelo National Institute for Health dos Estados Unidos revelou que metade dos norte-americanos com mais de 30 anos apresenta sangramento gengival.
As doenças que afetam as gengivas e o sistema de sustentação dos dentes são chamadas de periodontais - do grego peri, em torno, e odonto, relativo aos dentes. "O primeiro estágio da doença é a gengivite. Nessa fase, a infecção atinge apenas a gengiva e a estrutura óssea que sustenta o dente ainda não se encontra comprometida", diz Denise Takemura, periodontista do Instituto Bibancos, de São Paulo. Se não for tratado, porém, o problema tende a evoluir para um quadro de periodontite, em que são afetados o osso e os ligamentos que apoiam o dente.
Higiene x bactérias
A origem das doenças periodontais é a placa bacteriana que se forma entre os dentes e a gengiva. "Também conhecida por biofilme, trata-se de um verdadeiro ecossistema de bactérias produtoras de toxinas que inflamam a área próxima ao dente", resume Antonio Sallum, da Unicamp. Segundo o especialista, a medida mais importante para impedir a sua formação é a higienização local, que deve ser feita com escova e fio dental pelo menos três vezes ao dia e sempre depois que se come alguma coisa. Caso contrário, as bactérias vão se multiplicar de forma mais rápida.
E quem cuida bem dos dentes, vive escovando, usa fio dental regularmente e mesmo assim tem problemas de gengiva? "É sinal de predisposição genética ou indica que o sistema imunológico da pessoa pode ser (ou estar) deficiente no combate a esses bichinhos", observa Sallum. Então você pode até remover a placa visível e deixar seu dente bem limpo, mas as bactérias já migraram para a região subgengival e começam a formar as chamadas bolsas periodontais, o que significa que o problema continua.
Inimiga invisível e perigosa
A bolsa periodontal é aquela fenda entre a gengiva e o dente. Dentro dela, a placa adere à superfície dental e libera toxinas que vão afetar a parte mole. As bactérias, então, 'grudam' no dente e vão se expandindo como uma cidade, formando 'bairros'. A gengiva cresce tanto em largura como em espessura, destrói as fibras de sustentação do dente e vai aumentando seu espaço, milímetro a milímetro. É quando aparecem os sintomas da temida periodontite: mobilidade do dente, mau hálito, supuração (que é a presença de pus) e dificuldade de mastigação. Se ainda notar o aparecimento de uma abertura entre os dentes, é bom ficar alerta: pode existir uma bolsa e você nem desconfiar - até porque as doenças periodontais geralmente não provocam dor, apenas um desconforto na região afetada.
O dentista localiza as bolsas através de uma sonda milimetrada, que é uma espécie de estilete com uma bolinha minúscula na ponta. "O instrumento é introduzido delicadamente dentro do sulco gengival e percorre as quatro faces do dente. Se penetrar até no máximo três milímetros, tudo certo. Mas se for além desse limite é sinal de que existe uma bolsa naquele ponto", explica Antonio Sallum. O profissional também verifica se, ao retirar a sonda, ocorre sangramento. "Ela comprime os vasos sanguíneos - se estiverem inflamados se rompem e liberam gotículas de sangue", esclarece. Às vezes também é necessário tirar uma radiografia para constatar se houve qualquer destruição de tecido ósseo e se o caso evoluiu para uma periodontite.
Quem fuma ou vive sob tensão tem maiores chances de desenvolver esse tipo de doença. "A pessoa estressada possui mais cortisol no sangue, que pode misturar-se ao fluído da gengiva e alimentar as bactérias que destroem o periodonto", afirma Antonio Sallum. Outro aspecto negativo, segundo o especialista, é que a agitação do dia-a-dia faz com que ocorra uma queda no sistema imunológico, deixando o organismo exposto à ação das bactérias.
Doenças como o diabetes, por exemplo, por dificultarem a cicatrização do tecido gengival, também favorecem o aparecimento de gengivites e periodontites. Ainda é possível que um problema endodôntico (no canal do dente) associe-se a um periodontal. "Um tratamento de canal pode causar uma disfunção na região do dente que está sendo tratado e vice-versa", explica a periodontista Denise Takemura.
Do dente para o coração
A placa bacteriana, por sua vez, não é responsável apenas por danos periodontais; ela faz com que as bactérias sejam levadas para o estômago com a saliva e cheguem à corrente sanguínea. Essas bactérias, mais tarde, podem alojar-se no rim, coração, pulmão ou intestino, produzindo distúrbios nesses órgãos. "Já foram identificadas bactérias bucais no coração, agravando o risco de placa de ateroma e trazendo problemas cardiovasculares e de derrames", conta o médico Antonio Sallum. Também existem estudos, ainda não conclusivos, apontando a possibilidade de essas bactérias prejudicarem o desenvolvimento do feto ou provocarem parto prematuro e nascimentos com peso abaixo do normal. Pesquisas ainda relacionam a presença de doenças periodontais a casos de artrite reumatoide severa.
Não bastam dentes saudáveis e branquinhos. O tecido que ajuda a sustentá-los também precisa estar totalmente em ordem para garantir aquele sorriso perfeito. Não se esqueça disso em sua próxima escovação e higiene dentária.
Maneiras de tratar o problema
São duas as etapas que envolvem o tratamento das doenças periodontais. A primeira é a da profilaxia ou limpeza bucal, que deve ser realizada no consultório odontológico. "As modernas técnicas de raspagem ou curetagem, com curetas ou ultra-som, estão cada vez mais modernas", garante Antonio Sallum. No caso de bolsas periodontais profundas pode ser necessária uma cirurgia. Mas existem procedimentos de anestesia absolutamente indolores. Se o indivíduo tiver tendência á gengivite, deve fazer a limpeza preventiva três ou quatro vezes ao ano, caso contrário uma ou duas são suficientes.
Já a segunda etapa é de manutenção da higiene bucal. Para isso, a correta escovação e o uso de fio dental são fundamentais. É importante lembrar de usar escovas com cerdas macias ou extramacias e evitar movimentos intensos e bruscos na hora de limpar os dentes. A escovação intensa ou com as cerdas muito duras fere o tecido, levando à retração da gengiva devido à ação bacteriana.
O controle químico da placa por meio de bochechos com medicamentos também é indicado em alguns casos,desde que com orientação do dentista. Se houver bolsas periodontais, porém, não adianta recorrer ao produto, que não chega à área afetada. Uma vez retirada a placa bacteriana, a gengiva desinflama, o processo infeccioso cessa e o dente, então, fica firme de novo.
Cuidados básicos fazem a diferença
- Lembre-se de que a placa bacteriana é o começo de todas as doenças periodontais - remova-a bem com a escovação e faça visitas semestrais ao dentista.
- Limpe os dentes (com escova macia ou extramacia) depois de cada refeição - a higiene da boca é a maior garantia contra os problemas na mucosa bucal. A forma correta é posicionar as cerdas a 45º, na base das gengivas, fazer pequenos movimentos circulares e logo em seguida deslizar as cerdas em direção ao comprimento dos dentes. O ideal é repetir essa sequência com dois dentes de cada vez, sem esquecer a parte interna da arcada.
- Pela mesma razão, use o fio dental com regularidade.
- Ao escovar os dentes, aproveite para estimular a circulação, massageando delicadamente as gengivas.
- Mesmo se houver sangramento, escove os dentes da forma correta, para evitar o crescimento da placa bacteriana. E procure um dentista.
- Saiba reconhecer o problema: a aparência de uma gengiva doente é a de uma casca de maçã, brilhante, vermelha e fininha.
- Com a idade, aumentam os riscos de doenças periodontais e, portanto, o cuidado com a saúde das gengivas deve ser progressivamente maior.
- Atenção a gravidez, diabetes e estresse, que também predispõem à gengivite e á periodontite.
- Se usar aparelho dentário, redobre os cuidados com a higiene.
(texto publicado na revista VivaSaúde nº 10 - ano 2 - fevereiro de 2005)
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