Sim, é positivo - e necessário - estar sozinho para conquistar equilíbrio emocional. É possível viver os momentos solitários de forma criativa, como uma oportunidade de autoconhecimento. Isso é muito melhor do que apenas reclamar da solidão.
Vivemos numa época em que a solidão se tornou um assunto coletivo. Mesmo quem não vive só conhece muita gente que está longe da família ou sem parceiro, voluntariamente ou não. A procura do amor é um assunto recorrente nas revistas, na TV, na internet, nas conversas. Fica a impressão - equivocada - de que estar sozinho é ruim, negativo, algo que nos diminui aos olhos dos outros. Ao contrário, os momentos de solidão não são apenas saudáveis, mas fundamentais para alcançarmos o equilíbrio. "Quando mergulhamos em nosso mundo interior, descobrimos o que queremos e até fazemos as pazes com nós mesmos", diz a psicóloga Monica von Koss, de São Paulo.
A sensação de que as pessoas estão cada vez mais sozinhas se confirma em pesquisas feitas em todo o mundo. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, cerca de 25% das casas têm um único morador - e esse número triplicou em relação ao crescimento demográfico desde a década de 60. Em São Paulo, segundo o IBGE, uma em cada 30 pessoas mora só.
O mito de que felicidade significa estar cercado de gente nos influencia a ponto de confundir ficar só com ser desinteressante e incapaz de atrair amor. Na crônica A Solidão Amiga, o escritor, psicanalista e professor Rubem Alves fala do erro de associar recolhimento a fracasso e idealizar a vida alheia: "Sua tristeza não vem da solidão. Vem das fantasias que surgem na solidão. Você compara a cena de você, só, na casa vazia, com a cena (fantasiada) dos outros, em celebrações cheias de risos... Sofre a dor real da solidão porque a solidão dói. Dói uma dor da qual pode nascer a beleza. Mas não sofra a dor da comparação. Ela não é verdadeira."
Fortalecer a auto-estima - a capacidade de gostar de si mesmo - é o primeiro passo para se sentir completo, sem procurar preencher o vazio interior no contato com outras pessoas, o tempo todo. "A chave é separar o amor-próprio da aprovação dos outros", ensina Monica von Koss.
Às vezes, só descobrimos o lado bom da solidão no distanciamento voluntário da família ou dos amigos. O gerente de marketing Luís Pedro Ferreira, 35 anos, de São Paulo, morava com os pais quando foi fazer um curso nos Estados Unidos. "Perdi o medo de estar só comigo mesmo e aprendi a gostar de minha própria companhia", conta.
"Todo mundo deveria morar sozinho um tempo, para se conhecer", sugere a consultora de moda gaúcha Francesca Sperb, 26 anos. "Você precisa fazer supermercado, pagar a faxineira. Descobre que é responsável por si mesmo." Ela mudou-se há um ano para São Paulo: "No começo, fiquei com medo, pois diziam que eu ia me sentir solitária numa cidade tão grande. Mas estou curtindo a independência".
Parada obrigatória
Períodos de recolhimento são fundamentais para avaliar o rumo da vida. "São momentos de acalmar as emoções e se desligar do cotidiano para obter clareza nas prioridades e no que é preciso para ser feliz", continua Monica von Koss. Essa reflexão ajuda a discernir em que momentos basta ficar consigo mesmo e quando é melhor procurar companhia.
Às vezes, desperdiçam-se oportunidades de reflexão emendando uma atividade na outra. É comum ao se flagrar sozinho, ligar a TV, o som, o computador - ou de preferência tudo ao mesmo tempo. Essa é uma das muitas formas de fugir de si mesmo.
Sábio, o corpo pode cansar desses escapes e exigir uma pausa para que haja uma recomposição interna. "Uma enxaqueca ou dor nas costas valem como aviso de que é preciso sair da roda-viva", salienta Maria Dolores Cunha Toloi, psicóloga do Instituto Sedes Sapientae, de São Paulo.
Por não perceber que cada indivíduo cria seu próprio vazio existencial, não é difícil cair na armadilha e acreditar que arrumar um parceiro é a única saída para a solidão. "É um erro, pois inúmeras pessoas casadas se sentem solitárias por não terem diálogo nem troca com o companheiro", lembra Monica von Koss.
Em busca do amor
Ao romper uma relação amorosa, para muitos surge a necessidade de procurar uma nova companhia, para fugir do auto questionamento e não enfrentar a dor. "A tendência é sair logo em busca de outro relacionamento para preencher o vazio que ficou do anterior", explica o psicólogo Ailton Amélio da Silva, de São Paulo.
Mas o caminho inverso pode ser mais compensador. Ao terminar um relacionamento há cinco meses, o administrador de empresas Elvio Côrrea Porto, 41 anos, de São Paulo, decidiu se dedicar mais a seu curso de mestrado. "Enquanto namorava, era complicado administrar o tempo a dois, pois a faculdade exige provas e trabalhos, e eu tinha que estar sempre negociando minha ausência", afirma Elvio. "Estou aproveitando a fase para meu desenvolvimento pessoal. Se um novo amor aparecer, será bem-vindo. Mas agora não há nada que justifique ficar com alguém só por ficar", completa ele.
Hoje, muita gente vive a solidão como uma situação embaraçosa. Especialmente as mulheres, que crescem acreditando que precisam sempre se voltar aos outros - maridos, namorados ou filhos. "Elas são condicionadas a achar que, se estão sozinhas, falta algo em sua vida", diz a psicóloga Monica von Koss.
Mesmo casada e com duas filhas, a terapeuta corporal paulistana Antonieta de Oliveira Novaes, 40 anos, sempre fez questão de manter espaço para estar em contato consigo mesma. Ela delimitava esse espaço fisicamente em sua casa, trabalhando a sós no seu ateliê. Com duas filhas crescidas, de vez em quando ela passa um fim de semana sozinha na casa de praia em Ubatuba. "Quero acordar e comer na hora em que quero, resgatar o ritmo pessoal de minha época de solteira", conta Nêta, como é conhecida. "Muita gente que não tem obrigações familiares não desfruta desse tempo precioso que tem a seu dispor."
Espaço para criar
Se você está só, descubra como usufruir dessa liberdade pessoal. O primeiro passo é concretizar metas sem vinculá-las ao encontro com a pessoa perfeita, princesa ou príncipe encantado que vai se encaixar em seus sonhos.
Tente também mudar os padrões de pensamento - por exemplo, dando um novo significado a datas como Dia das Mães ou dos Namorados, que trazem uma nuvem de tristeza para quem está só. Rosely Faiguenboim Lembo, 53 anos, dona de um pet shop em São Paulo, transformou o Natal em uma comemoração entre amigos. "Na família, os mais velhos foram morrendo, os jovens casaram, e ficou aquele clima pesado, chato", relata. Agora, ela, o marido e mais dois casais se reúnem no dia 25 de dezembro para festejar sem o peso da obrigação. "Somos uma família de amigos", resume.
Depois, desenvolva sua criatividade. Desenhar, pintar, bordar, escrever ou realizar qualquer atividade artística, por exemplo, vai ajudar a contatar seu universo interior. Uma volta na praça ou no parque também pode ser uma maneira prazerosa de usar as horas de solidão para um encontro consigo mesmo.
Ampliar o leque de interesses e buscar adquirir conhecimento, ir ao cinema, frequentar exposições ou eventos culturais também faz diferença. "Quem sai e circula acaba conhecendo gente interessante", lembra Monica von Koss. Para isso, é preciso reprogramar o olhar sobre outras pessoas, com menos preconceito e mais condescendência, humildade e disponibilidade. Certamente, vai-se descobrir em volta gente com ideias e opiniões interessantes, fazer novos amigos e, quem sabe, até encontrar um amor.
(texto publicado na revista Bons Fluidos nº 41 - outubro de 2002)