Quando o processo de separação deixa marcas nos filhos
Apesar de ser um assunto que ainda enfrenta muitos estigmas, no Brasil, 20 milhões de crianças e jovens de até 17 anos são filhos de pais separados. Sempre dolorosa tanto para o casal quanto para os filhos, com fortes sentimentos de culpa, dor e abandono, a adaptação às inúmeras mudanças é fundamental de ambos os lados. Muitas vezes, os ânimos do ex-casal estão exaltados, e os sentimentos acabam desestabilizando emocionalmente os pequenos. E é nesse momento que pode acontecer a alienação parental, tema recentemente abordado na novela "Salve Jorge", em que o personagem de Caco Ciocler tenta colocar filha contra mãe. O problema é mais comum do que imaginamos e pode trazer problemas no desenvolvimento emocional da criança.
Segundo o presidente e fundador da Sociedade Brasileira de Inteligência Emocional no Brasil, Dr. Rodrigo Fonseca, o que mais se ouvia antigamente eram pais colocando a culpa nos filhos por terem abandonado sua própria vida e felicidade para dar-lhes estudo e conforto. "Hoje está diferente, ou seja, ao se separarem, buscam em primeiro lugar sua própria felicidade, e a parte do casal que fica com os filhos acaba usando-os como 'armas' para atacar aquele que decidiu ir embora. Para piorar, cria ainda a imagem de um verdadeiro carrasco na cabeça das crianças, para que também compartilhem da mesma raiva e decepção", explica.
Relação pais e filhos
Evitar brigas e discussões na frente dos pequenos e não falar mal do ex-companheiro, principalmente quando este estiver ausente, são condutas imprescindíveis para amenizar os inevitáveis traumas, marcados por sentimentos confusos e desconhecidos.
O que precisa ficar claro é que o que está se desfazendo é o vínculo matrimonial, mas a relação com os filhos permanece. "As crianças precisam da figura de um pai e uma mãe, e manter o contato com ambos durante a separação minimiza a sensação de perda, além de manter ativas suas referências", explica a psicóloga infantil de Salvador (BA), a dra. Rosana Alves.
Os pais desconhecem a profundidade que brigas e conflitos envolvendo os filhos podem gerar. Afinal, é comum que eles obriguem, mesmo sem intenção, as crianças a tomar partido, quando na verdade elas não querem escolher entre um e outro.
A psicóloga lembra que o passo mais importante nesse momento é que tanto pai quanto mãe digam para a criança que a amam e que jamais vão se separar dela. Isso dá segurança e alívio para que ela não sinta que os pais também estão se separando dela.
Conflito de lealdade
Sofrer um trauma não impede ninguém de se tornar um adulto saudável e equilibrado. As crianças precisam ter uma imagem saudável dos pais, a fim de crescer com valores psicológicos adequados de identificação da autoestima.
Falar mal do ex-cônjuge, dificultar o contato da criança ou adolescente com um deles, esconder informações pessoais relevantes sobre o filho são alguns exemplos da chamada alienação parental. Nessa situação, a criança é manipulada por um deles, após a separação. Quando se torna persistente, pode se constituir em prática de violência psicológica infantil. O genitor aproveita a vulnerabilidade da criança após o divórcio para explorar e aumentar seus conflitos, alinhando a criança ao seu lado.
Segundo Fonseca, no fundo, o que desperta dentro desses pais e mães que foram deixados é um dos sentimentos mais temidos por todos nós: a rejeição. "Nesse contexto é comum problemas surgirem no período de transição entre as casas. A mãe ou pai faz chantagem emocional e fica triste quando a criança sai para visitar o ex, por exemplo. Com isso, a criança fica confusa ao achar que deve escolhe ou tomar partido de um dos dois", destaca Rosana.
A psicóloga explica que esse comportamento só faz crescer o sentimento de culpa consciente e inconsciente na criança, que pensa que está traindo um ao agradar o outro. Outro inconveniente é que, nessa divisão, o filho pode querer controlar seus pais e manipular situações, criando uma competição entre os adultos e, dessa forma, obter vantagens, como um brinquedo.
Amenizando o sofrimento
Pai e mãe devem ter disponibilidade e disciplina para cumprir tarefas do dia a dia, como levar à escola e zelar pelos horários de sono e refeições dos filhos. Além disso, devem acompanhar o desenvolvimento escolar da criança e decidir se vão às reuniões escolares juntos ou em dias alternados. O mesmo vale para as atividades extracurriculares. Quando pai e mãe comparecem juntos, devem se tratar com respeito.
A criança não pode ser exposta a brigas e opiniões divididas para não aprender a se relacionar apenas por meio do conflito, sob o risco de afetar seus relacionamentos amorosos no futuro. Além disso, segundo Rosana, é importante deixar a criança expressar sua tristeza, sempre ficando atento a sintomas de regressão (acontece quando ele retorna a níveis anteriores do desenvolvimento sempre que se depara com uma frustração), raiva, angústia, agressividade e birras frequentes. Em casos assim, ajuda profissional deve ser procurada.
Desde agosto de 2010, esse tipo de comportamento passou a ser punido por lei. O pai ou mãe poderá receber advertência ou até perder a guarda da criança ou adolescente. Nas ações judiciais em vara de família, a prova de alienação parental mais importante, geralmente, é a avaliação psicológica realizada pelo perito, que é psicólogo.
(texto publicado na revista Ponto de Encontro nº 44 - jun/jul de 2013)
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