quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Eu só quero é ser feliz - Carolina Muniz


Nossa repórter passou trinta dias correndo atrás da felicidade - e descobriu que ela estava bem pertinho

Para mim, felicidade sempre foi prioridade. Ou, pelo menos, é assim desde que decidi enfrentar um fato incômodo: um dia, vou morrer - se tudo der certo, quando estiver bem velhinha. Já faz alguns anos que tomei essa decisão de viver enfrentando a consciência do fim. Mas, de lá para cá, não fiquei paralisada nem desesperada. Bem ao contrário, tentei aproveitar cada instante do meu tempo aqui.

Por isso, quando recebi a missão de passar um mês perseguindo a felicidade a partir dos mais famosos conselhos da autoajuda, da ciência e da filosofia, meu primeiro impulso foi perguntar: será que preciso disso? Essa lista de conselhos que tenho de pôr em prática nestes trinta dias vai funcionar? Será que existe mesmo uma fórmula para a felicidade? Achei que eu talvez não fosse a repórter certa para este desafio da Sorria. Acreditava que eu já era feliz o suficiente.

Mas estava enganada. Foi só refletir um tantinho para perceber que as perguntas eram outras: o que, afinal, é felicidade para mim? Será que essa missão vai mudar o jeito como eu tento ser feliz?

Projeto felicidade

Logo no início do desafio, me dei conta de que estou passando por uma fase de transição: a cada dia, fico um pouco menos estudante e um pouco mais "gente grande". E isso não está sendo nada fácil. Ter de conciliar faculdade, trabalho e todo o resto às vezes me deixa sufocada. Dá para equilibrar a vida e encará-la com mais leveza no meio desse turbilhão?

Para saber por onde começar, conversei com a jornalista Stephanie Gomes. Ela passava por um período difícil quando encontrou em uma livraria o Projeto Felicidade, livro da advogada americana Gretchen Rubin. Nele, a autora relata como passou doze meses seguindo tudo o que filósofos, cientistas, artistas e até a sabedoria popular já disseram sobre o assunto. Sua conclusão? Para ser feliz, basta valorizar as coisas mais simples.

Inspirada pela leitura, Stephanie decidiu fazer seu próprio projeto de felicidade. Era a pessoa certa para me dizer como eu poderia encarar minha missão. "Comecei procurando o que poderia fazer para ser mais feliz e fui aplicando à minha vida", ela me contou. Primeiro, resolveu parar de esperar pelo emprego dos sonhos e criou o blog Desassossegada, para fazer o que mais ama: escrever.

Em seguida, Stephanie trocou comportamentos destrutivos - como gastar dinheiro quando estava triste, fazer fofoca e reclamar - por outros, bem mais positivos. "Passei a anotar numa agenda um momento alegre que vivo por dia. Se a noite chega e não tenho nada para registrar, tento fazer algo de que gosto, como ouvir música ou conversar. Isso foi ótimo para eu aproveitar cada dia e não ficar esperando o fim de semana para me sentir feliz". Outra meta foi fazer uma coisa nova por mês. Assim, ela conheceu um templo budista, descobriu esportes e estreou na ioga. "São coisas que todo mundo pode tentar, basta ter vontade", garantiu a blogueira. "Esses momentos me fizeram perceber que a vida tem muito a oferecer."

Com o projeto da Stephanie, entendi que não precisava ir muito longe para alcançar a felicidade. O segredo é conseguir admirar as pequenas belezas da rotina e, ao mesmo tempo, estar aberta a novas experiências. Resolvi, então, ir ao Aquário de São Paulo, um lugar que sempre tive vontade de conhecer. No passeio, me senti criança de novo. Fiquei encantada com o lobo-marinho, os jacarés e os pinguins. Percebi como, muitas vezes, a preguiça nos faz perder vivências incríveis.

Também passei a prestar mais atenção a tudo o que há de bom no meu dia a dia: o pôr do sol colorindo o céu, a simpatia de uma desconhecida, um abraço do namorado, o vento no rosto, o beijo de boa-noite dos meus pais, as ligações diárias da minha avó, um brigadeiro gostoso, o almoço com as amigas da faculdade ou do trabalho. São prazeres simples. E são os melhores.

Corpo são, mente sã

Mas, antes de abrir um sorriso em nosso rosto, a felicidade percorre um circuito biológico. Foi o que me disse o doutor Jamiro da Silva Wanderley, professor de medicina da Unicamp. Ele começou esclarecendo que os neurotransmissores são substâncias químicas que atuam no cérebro, estabelecendo conexões entre os neurônios. Depois, me explicou que o neurotransmissor responsável pela sensação de bem-estar é a endorfina, liberada com a prática de exercícios físicos e situações agradáveis. Então, para sorrir e dar risada, precisamos que nosso corpo esteja saudável e o nosso raciocínio, organizado.

Pensando nisso, tentei praticar mais atividades físicas e dormir melhor. Suei a camisa na academia e, apesar da combinação frenética de faculdade mais trabalho, me obriguei a ir mais cedo para a cama. O mais difícil mesmo foi conseguir ser mais organizada. "Se a pessoa está confusa, com pensamento agitado, perde a atenção e deixa de fazer o que realmente precisa. Daí, vem o sentimento de culpa", disse o médico, sugerindo uma solução: Estabelecer metas de curto prazo, filtrar o que é mais importante e preencher o tempo com coisas úteis para você e para as outras pessoas". Portanto, em vez da culpa, a realização.

Voltei para casa decidida a fazer  tudo o que estava adiando havia tempos: arrumei meu armário de cima abaixo para doar as roupas que não uso. Levei o Obama, meu cachorro, para passear num parque novo e, no dia seguinte, fui até ao Hemocentro da Santa Casa de São Paulo, para finalmente me cadastrar como doadora de medula óssea. Se antes encarava a organização como uma mania chata e sem sentindo, hoje me sinto mais feliz, pois, com metas claras, consegui fazer bem para mim mesma e para os outros.

O lado bom da vida

Continuando minha pesquisa sobre o que é e como buscar a felicidade, fui conversar com o psicólogo Helder Kamel, autor do livro Flow e Psicologia Positiva: Estado de Fluxo, Motivação e Alto Desempenho. Ele diz que a gente precisa de três coisas para ter uma vida plena: vivenciar pensamentos positivos, tais como alegria, gratidão, esperança e amor; engajar-se em uma atividade na qual possamos utilizar nossos talentos e virtudes; e estabelecer um sentido para a existência, com a intenção de deixar um legado, por menos que seja.

A parte dos sentimentos positivos não é muito fácil: todo mundo passa por maus bocados, e seria impossível atravessar a vida sentindo apenas coisas boas. Mas enxergar o mundo por uma perspectiva mais otimista já é um bom começo. Afinal, ver sempre o lado ruim das coisas só acaba criando mais problemas. "O importante", me disse Kamel, "não é o que acontece com a gente, e sim como reagimos aos acontecimentos."

Então, tentei encarar o cotidiano com bom humor. No caminho para a faculdade, em vez de ficar irritada com o trânsito de São Paulo, aproveitei para conversar, dar risada e cantar com meu namorado - e, por incrível que pareça, esse acabou sendo um dos momentos mais felizes do meu dia. Ou ainda, numa festa que não estava lá tão animada, resolvi dançar de um jeito bem engraçado, sem me importar com o que os outros iriam achar. Ficou tudo muito mais divertido.

Nessa onda de boa vontade, também fiz um esforço para não ficar tão estressada com minhas obrigações de final de faculdade. Realizar tantos trabalhos é cansativo, mas eu ficaria mais feliz se desistisse? Com certeza, não. Porque o desafio motiva e ensina. Sinto que estou me aproximando do meu propósito de vida: ser uma boa jornalista e usar a minha profissão para ajudar as pessoas. E isso tem tudo a ver com o que Kamel disse sobre o sentido para a existência e o legado - nem que seja pequeno e singelo como esta matéria.

O mais importante de toda essa busca, porém, foi perceber que nossos projetos e obrigações não podem nos afastar da família nem dos amigos. Isso ficou ainda mais claro quando o avô de uma grande amiga faleceu. Ela me disse que estava sofrendo muito, mas que se sentia grata por ter convivido com alguém tão incrível. Com lágrimas nos olhos, entendi que precisamos aproveitar o valioso tempo que temos com as pessoas que amamos e lhes dizer, sempre, quanto são especiais.

Tudo isso me trouxe lembranças de uma amiga de escola, de tantas coisas que vivemos juntas. Senti que tinha de agradecer por tudo o que ela há havia feito por mim. Pus o que estava sentindo numa carta e pedi a ela que lesse o que escrevera. Nós duas nos emocionamos e, agora, temos mais essa recordação feliz.

E, de momentos difíceis e lembranças felizes, a vida vai. Se existe receita para a felicidade, eu ainda não sei. Sei apenas que não é preciso fazer loucuras para alcançá-la: ela está aí, bem pertinho, no valor que damos àquilo que já temos, na atenção que prestamos às coisas mais simples, no momento em que deixamos falar o coração. Sempre haverá uma mudança, uma saudade, um trabalho intenso, um trânsito chato, uma festa meio desanimada. Mas, se encararmos a vida com paixão e leveza, sempre haverá uma chance para ser feliz. Basta querer - e tentar.



(texto publicado na revista Sorria para ser feliz agora nº 39 - ago/set de 2014)










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