O paulista Pedro Hartung é daqueles sortudos que logo descobriram qual seria sua missão. "Mais do que a causa que abraço no trabalho, essa é a causa da minha vida." De fato: dos seus 26 anos, doze foram destinados à luta pelos direitos da infância, oito só no Instituto Alana. É lá que o advogado realiza, todos os dias, com o projeto Criança e Consumo, o sonho de adolescência: utilizar o direito como instrumento de luta.
Como assessor de advocacy do instituto, ele atua junto ao poder público e à sociedade, visando influenciar positivamente a formulação e execução de políticas contra a publicidade voltada ao público infantil. "A propaganda para crianças é uma forma de violência silenciosa. E toda violência contra um indivíduo é pesada. Contra uma criança é maior ainda."
As estratégias já colheram vitórias, como a recente aprovação da Resolução nº 163 do Conanda, que impõe limites à publicidade dirigida às crianças. Nesta entrevista, Pedro explica os perigos desse tipo de propaganda e por que ela deve ser combatida.
Sorria - Como você começou a se envolver com os direitos da infância?
Pedro - Quando eu tinha 14 anos, fui voluntário na Associação dos Amigos da Criança (Amic), que tem diversos projetos na periferia de Campinas (SP). Meu trabalho era cuidar das crianças enquanto seus pais iam trabalhar. Foi um choque. Elas eram quase da minha idade e já enfrentavam a fome. Aquilo me modificou completamente. Decidi fazer a faculdade de direito e logo procurei estágio em uma ONG. Foi quando entrei no Alana, em 2006, no comecinho do projeto Criança e Consumo, que atuaria na criação de políticas públicas pró-infância. Ali, não tive dúvidas: queria usar o direito como ferramenta de transformação social. E o Alana reunia todas as coisas em que eu acreditava.
Sorria - Sua principal causa é a regulamentação da publicidade voltada ao público infantil. Por que ela é tão importante?
Pedro - Pesquisas demonstram que a criança é responsável por 80% da influência de compra dentro de uma família - do vestido da mãe ao carro novo. Isso significa que a publicidade vê a criança como uma promotora de vendas. O que é muito perigoso, porque, ao dirigirem as propagandas para o público infantil, as marcas se aproveitam de sua vulnerabilidade para vender os produtos. Com um desenvolvimento biopsíquico ainda inconcluso, a criança menor de 12 anos não consegue responder à pressão que a publicidade exerce sobre ela. O resultado é uma geração de crianças cada vez mais consumistas.
Sorria - Além do consumismo, o que mais as propagandas podem gerar?
Pedro - A publicidade é uma das razões de vários problemas sociais que enfrentamos atualmente, como o estresse familiar - já que os pais muitas vezes não têm condições financeiras de arcar com a compra dos produtos -, a "adultização" da infância, a diminuição de brincadeiras criativas, a violência, o consumo precoce de bebidas alcoólicas e, principalmente, a obesidade infantil, estimulada pela publicidade de alimentos com alto teor de sal, gordura e açúcar. Precisamos impor um limite ético para as empresas.
Sorria - Mas, no Brasil, tivemos algumas conquistas recentes, como a aprovação da Resolução nº 163/2014 pelo Conanda, não é verdade?
Pedro - Sim, a resolução do Conanda, aprovada em 13 de março deste ano, foi uma conquista histórica. A publicidade infantil não tinha limites claros e específicos. Agora, a medida considera abusiva toda publicidade direcionada às crianças, o que é ilegal perante a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa do Consumidor.
Sorria - E o que exatamente é uma propaganda abusiva?
Pedro - A resolução lista vários aspectos que caracterizam o abuso, como o uso de linguagem infantil, excessos de efeitos especiais e de cores, trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança, promoções com prêmios ou brindes colecionáveis, entre outros.
Sorria - Então, a solução é banir completamente a publicidade de produtos infantis?
Pedro - Não. O que defendemos são as restrições. A resolução do Conanda veio somar esforços para a aprovação do Projeto de Lei nº 5.921/2001, que também trata da regulação da publicidade infantil e está há doze anos na Câmara dos Deputados. É um texto bastante rigoroso, que proíbe toda e qualquer comunicação mercadológica voltada para crianças, mas que não é contra uma publicidade infantil que se dirija aos adultos. Não tem problema nenhum anunciar o carrinho ou a boneca para os pais.
Sorria - Mas qual é a diferença entre fazer propaganda para crianças e para adultos?
Pedro - Com uma propaganda dirigida aos adultos, os pais assumem o papel de decidir o que a criança vai ou não consumir. São eles que julgam o que é melhor para os filhos. Isso obriga o mercado a duas coisas: melhorar a qualidade dos anúncios e aprimorar os produtos, porque agora eles se voltam para um público mais racional e consciente.
Sorria - Por que cuidar das crianças faz bem para todos nós - e não somente para elas?
Pedro - Porque os hábitos adquiridos na infância dificilmente se apagam no resto da vida. É nessa fase que começam a ser instigadas ações que têm impacto no coletivo, nas futuras gerações. Cuidar da criança é cuidar de todos nós. É clichê, mas é real.
(texto publicado na revista Sorria para ser feliz agora nº 39 - ago/set de 2014)
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