Pais contam como aprenderam a lidar com a situação de terem filhos com necessidades especiais
Rafael completava seis meses. Era o segundo menino da casa - que alegria! Mas a observação mais apurada da mãe dizia que havia algo errado com o caçula. A mão direita do bebê permanecia cerrada o tempo todo, enquanto a esquerda agitava-se aberta, sem qualquer impedimento. Uma ultrassonografia de crânio diagnosticou uma lesão no lado esquerdo do cérebro, o que ocasionou uma hemiparesia direita, ou seja, dificuldade motora do lado direito do corpo.
"Ficamos muito assustados, na verdade desesperados. A única coisa em que pensávamos era dar ao Rafael todo o tratamento que existe no mundo para ele conseguir se desenvolver bem. Ao mesmo tempo em que estávamos aflitos, angustiados, sem respostas concretas sobre o futuro, o que nascia dentro de nós era uma força muito grande. Fizemo-nos guerreiros de uma batalha que, certamente, venceremos", relembra a jornalista Debora Souza, 38 anos.
Desde o diagnóstico, passaram-se seis meses. Rafael está com um ano e dois meses e, atualmente, faz fisioterapia todos os dias e terapia ocupacional duas vezes por semana. Mas Debora diz ter adaptado sua vida à nova realidade, de forma natural. "Achamos que não temos tempo para nada, mas sempre há um espaço para novas responsabilidades. Minha vida mudou muito pouco. Claro que, agora, temos que ir à fisioterapia todos os dias, adotamos um cachorro - que é ótimo para o desenvolvimento das crianças - e precisamos pedalar ainda mais a bicicletinha para fazer dinheiro. Mas a vida tornou-se ainda mais relevante".
Diagnóstico
O diagnóstico de Rafael veio logo, o que é positivo. Os especialistas diziam que, quanto mais rapidamente se identifica a condição da criança, melhor será o seu desenvolvimento. A professora de História Ana Dirce Fonseca Santos tem 52 anos e há 21 anos deu à luz Luiza. Demorou cinco anos para que os médicos conseguissem diagnosticar o autismo da filha. "Ela era hiperativa, não falava, tinha mania de agrupar brinquedos, não suportava barulho e não gostava que chegássemos perto dela ou a beijássemos. No entanto, pediatras, psicólogos e outros especialistas não identificavam o que era". Foi um neuropediatra quem diagnosticou autismo pela simples observação dos atos de Luiza.
Luiza nasceu em uma época na qual pouco se conhecia sobre o autismo. E as escolas particulares que Ana Dirce procurou não aceitaram a menina, sob a alegação de que não tinham profissionais preparados para receber a aluna. Ela passou por alguns colégios especializados, mas a mãe percebeu que Luiza não avançava nos estudos. "Resolvi ensinar minha filha a ler e a escrever. Reduzi minha carga horária de trabalho e, das 09h00 às 12h00, todos os dias, eu alfabetizava minha filha. Eram as horas de Luiza. Aos domingos, me encontrava com as mães de outras crianças autistas e discutíamos formas de ensinar os nossos filhos".
Convívio sem preconceitos
Liliane Lucarini, psicopedagoga especialista em educação especial com ênfase em surdez da Universidade Mackenzie, diz que, nas últimas duas décadas, os avanços foram visíveis. E que cada vez mais se abole a ideia de que essas crianças devam frequentar colégios diferenciados. O convívio com outras crianças a estimula e integra aos grupos sem preconceitos. A especialista explica que, quanto mais cedo a família diagnosticar a diferença do filho, melhor será para tratá-lo. "Seja qual for o diagnóstico, a família deve passar por uma assistência especializada de uma equipe multidisciplinar. É importante que essa família viva o luto da forma mais humanizada possível. A mãe e o pai têm o direito de sofrer o luto e ninguém pode recriminar essa passagem".
Ao assimilar a condição do filho e aceitá-lo do jeito que ele é, a mãe deixa de procurar um milagre para a cura e consegue ajudar mais no desenvolvimento da criança. E a escola tem um papel central neste processo. Cada vez mais as instituições de ensino se adaptam para receber alunos com necessidades especiais.
A professora Ana Dirce teve que vencer sozinha essa batalha e Luiza aprendeu a ler e a escrever, a tomar banho e a se vestir sozinha (ela também ajuda a mãe a arrumar a casa). Como é Luiza, hoje? "Ela não tem trejeitos, vamos ao teatro, ao cinema e ninguém percebe que ela é autista. Ela não sofre. Eu que sofro, muitas vezes, pelo preconceito das pessoas", diz Ana Dirce.
A realidade vivida por Ana Dirce, aos poucos, foi mudando, com o decorrer dos anos, muito pela legislação (cada vez mais inclusiva). As instituições de ensino, especialmente as públicas, estão mais adaptadas para receber o aluno especial. "É importante a mãe saber que ela não é a única responsável pela condição de seu filho. O trabalho tem de ser conjunto entre escola e família. A escola e os pais não são adversários, e sim, parceiros, e se ajudam no desenvolvimento da criança", alerta a psicopedagoga Liliane.
Auto-estima
Os especialistas arriscam dizer que o preconceito está na cabeça dos adultos, não na das crianças, que veem o colega como diferente, mas sem que essa condição se reflita em suas relações. Segundo Liliane, trabalhar a auto-estima dessas crianças é essencial para que se tornem adultos mais seguros. Na escola, os colegas costumam acolher esses alunos, sem qualquer preconceito.
"Meg sabe que é diferente e enfrenta isso de cabeça erguida. Eu nunca a vi chorando ou reclamando da vida. Às vezes, percebo que ela está um pouco acomodada com a situação de ser uma criança especial e mostro a ela que é preciso ter força para vencer as barreiras que a vida lhe impôs, ao invés de não falar: 'eu não consigo fazer e ponto final'. Na escola, já a ouvi dizer: 'cada um é de um jeito, tenho esse problema e o meu amigo tem outro - cada um tem um problema'", relata a jornalista Wendy Baskerville, mãe de Meg Baskerville Aragão, hoje, com 12 anos.
Wendy é mais um exemplo de superação. Soube que filha possuía uma lesão no cérebro quando a menina tinha seis meses. Até hoje, Meg não conseguiu ser alfabetizada, mas ela acompanha a mesma turma, ano a ano. "Para a criança especial, é importante o convívio com as crianças da mesma idade. Mesmo não acompanhando o aprendizado como os outros de seu grupo, ela passa de ano", diz Liliane. Ela salienta a importância da rotina, do convívio e da integração, que fazem com que o aluno desenvolva outras habilidades.
Meg é uma pré-adolescente como qualquer outra, com as mesmas vontades próprias dessa idade. "Ela entende que é diferente e que não consegue fazer tudo o que as amigas fazem. Mas ela faz do jeito dela e sempre com muita felicidade", diz Wendy.
Aprendizado
Para Meg, alguns pequenos atos rotineiros, que nos parecem tão banais e automáticos, não são simples. Amarrar um tênis, fazer um rabo-de-cavalo ou caminhar longas distâncias são complicadores para a sua condição. A rotina de Meg é bem diferente de suas amigas de classe. Meg faz terapia ocupacional, fonoaudiologia, atendimento psicológico, aulas de pedagogia e equoterapia.
"Em casa, acho que superprotegemos demais a Meg, mas, aos poucos, estamos dando asas para que ela comece a se virar sozinha. A relação com a irmã (dois anos mais nova) é complicada, porque a irmã sente muito ciúmes da atenção especial que damos à Meg", diz a jornalista.
Wendy sabe, hoje, que ter uma criança especial em casa é um aprendizado a cada dia. "Quando ela era bebê, não sabíamos se Meg iria andar, falar ou sentar. Fomos passando por momentos aflitivos e superando as necessidades a cada dia. Acho que sempre enfrentei tudo com pensamentos positivos e com muita força para incentivar minha filha a vencer os obstáculos que a vida lhe impôs. Acredito que tudo acontece por um motivo e que cada um tem uma missão na terra. A minha é sempre estar ao lado da minha filha, para ajudar nos dias bons e ruins. E a dela é vencer barreiras todos os dias.
Dicas para os pais
- Ao receber um diagnóstico, a mãe deve viver o luto e assimilar as condições de seu filho
- Após entender as capacidades de seu filho, a mãe entenderá - com apoio de especialistas - que a criança deve estimular todas as suas outras habilidades
- Quanto mais esclarecida estiver a família, mais será possível colaborar para o desenvolvimento da criança
- Quanto mais cedo a criança for para a escola, mais rápido será o seu desenvolvimento
- O ideal é matricular a criança em escolas que sejam inclusivas. As escolas públicas, muitas vezes, estão mais preparadas para receber crianças especiais do que os colégios particulares
- Orientadores devem fazer visitas regulares à escola para verificar o desenvolvimento da criança
- Os professores devem ter capacitação para lidar com essas crianças
- Cursos de especialização são importantes, mas o mais relevante a se notar é se a escola oferece equipe de apoio para orientar os profissionais que trabalham com a criança no dia a dia
- Deve-se inserir a criança em atividades que ela possa realizar e nas quais se sinta protagonista, não apenas coadjuvante
- A mãe não deve ficar com toda a responsabilidade, que deve ser dividida no núcleo familiar e com a escola
- As crianças especiais precisam estabelecer vínculos e ter ritos de passagem, como qualquer criança
- A mãe é parceira da escola e vice-versa. A ideia de que a família e a escola são antagonistas é equivocada
- As crianças especiais não precisam de escolas especiais. O convívio com o grupo escolar a estimulará
- A escola deve ter uma equipe multidisciplinar para acompanhar as crianças especiais
- A auto-estima da criança deve ser estimulada. Os pais devem dizer o quanto a criança é linda, maravilhosa e capaz de grandes realizações
(texto publicado na revista Bem Mulher nº 2- ano 1)
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