O gato chega ao consultório apático, sem apetite. Nada muito anormal é notado ao exame físico. E lá vamos nós para os exames complementares.
Gato é assim mesmo: um enigma. Dificilmente demonstra que está doente e, quando demonstra, costuma ser por sinais pouco específicos. Em geral, simplesmente para de comer. E cabe ao veterinário decifrá-lo.
Os exames de sangue apontam para o sistema urinário como foco do problema. No RX, lá estão as pedrinhas, várias delas, ao longo do ureter, o estreito canal que escoa a urina dos rins para a bexiga. No ultrassom, a evidência final: os cálculos impedem o fluxo urinário, e o rim já está inchado de xixi. O que fazer?
A resposta depende do país onde esse gato vive. Se for no Brasil, a saída será o tratamento com remédios que tentam aumentar o fluxo urinário e relaxar a musculatura do ureter, facilitando que as pedrinhas escorreguem até a bexiga e possam ser retiradas cirurgicamente. Parece boa ideia, mas só dá certo em um em cada dez gatos.
Alguns veterinários tentariam a cirurgia antes, mas, como são vários cálculos, é grande o risco de estenose. Ao fazer vários cortes num tubo tão fino como o ureter (0,3 mm de diãmetro) é preciso saber que há boa chance de as paredes colarem na hora da cicatrização, fechando o tubo de novo.
No Brasil, portanto, cálculos ureterais que impedem o fluxo urinário são um problema grave e, não raro, levam o animal à morte.
Já se o gato viver nos EUA, a coisa muda de figura. Com um implante, eles criam um caminho alternativo do rim à bexiga. As pedras estão lá, mas o bicho faz xixi normalmente.
Custa alguns mil dólares, mas há quem pague. E tem um animal que já viveu cinco anos com o apetrecho.
Vi a diferença num congresso em Nashville (Tennessee), de onde escrevo. Sobre mim, a palestra da doutora Allyson Berent teve um efeito confuso. De um lado, gerou enorme frustração por nossa falta de recursos. De outro, proporcionou algum alívio ao me mostrar que há o que fazer. Quem sabe a gente ainda mude os finais de tantas de nossas histórias.
(texto publicado na revista São Paulo da Folha de São Paulo de 15 a 21 de junho de 2014)
Nenhum comentário:
Postar um comentário