terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Os caminhos da roça - Rachel Verano


Cidades medievais, vinhedos, campos de girassóis, obras de arte. Cinco roteiros de carro para se perder e encontrar os segredos bem guardados da TOSCANA

A luz do fim de tarde dourava os campos cobertos de vinhedos e, lá na frente, os enormes ciprestes eram naquela hora apenas silhuetas no alto da colina, envoltas numa fina névoa. Impecável em um terninho preto, Giovanna Romanzi rompe o silêncio com um longo suspiro, tira a cãmera do bolso e começa a fotografar. Até aí nada demais, não fosse o fato de que Giovanna mora exatamente ali - e estava a  trabalho. Há dois anos ela foi contratada por um hotel de luxo e se mudou de Roma para a região de Grosseto, a pouco mais de duas horas de distância da capital. Não demorou muito para que incorporasse aos folders e cartões de visita do trabalho a tal cãmera, sempre a tiracolo. "Me surpreendo a todo momento", diz ela. "A cada hora do dia temos uma paisagem diferente, uma luz diferente, uma cena ainda mais mágica." É fácil entender o que ela está falando. A Toscana parece um cenário produzido - de qualquer ângulo, a qualquer hora e qualquer que seja a direção, vai ter sempre um cartão postal escancarado na nossa frente. Um campo de girassóis que sobe e desce suavemente as montanhas. Um caminho cheio de curvas, ladeado de ciprestes simétricos. Uma igrejinha de pedra isolada no alto da colina. Um castelo imponente que surge do nada no meio de uma estradinha de terra que parecia levar a lugar nenhum. Respire fundo, desacelere a alma, tire o relógio do pulso. Até porque o tempo por aqui é outro... A seguir, propomos cinco roteiros de carro pela região. Um conselho: não os siga à risca, apenas se oriente. O melhor da Toscana surge assim, quando menos se espera. E a surpresa faz parte do pacote.

Montepulciano/Pienza/Montalcino

Num pequeno trecho de menos de 30 quilômetros de estrada, a Toscana se entrega de bandeja com todas aquelas paisagens que você já viu nos livros e no cinema. É a região ideal para quem tem pouco tempo. Montepulciano tem um belo centro histórico que é uma sucessão de vielas imperfeitas e fachadas irregulares. Pienza, uma cidadela monocromática cercada de campos verdes de doer. E Montalcino, uma pequena vila de 5 mil habitantes erguida no topo de uma colina, cercada por alguns dos vinhedos mais afamados do mundo: os que dão origem ao vinho Brunello de Montalcino, uma das jóias italianas. Entre elas, campos dourados de feno, ilhas de ciprestes à beira da rodovia, campos de girassóis, casas singelas construídas no alto dos morros. Erre o caminho, busque as estradas secundárias. Não faça planos, mas não vá embora antes de conhecer alguns highlights: o Tempio de San Biaggio, nos arredores de Montepulciano, um belo exemplar da arquitetura renascentista, erguido no século 16; a pequenino vila de Monticiello, com suas casas de pedra, floreiras nas janelas e a sensação de que o tempo parou; as muitas enotecas de Montalcino, para fazer degustações com vista dos vinhedos (oque é ainda mais especial); e a Abbazia di Sant'Antimo, nos arredores da cidade, construída no meio de um vale de oliveiras centenárias, onde monges entoam cantos gregorianos várias vezes ao dia. A região é ainda famosa produtora do queijo pecorino, feito com leite de cabra, e é possível visitar diversas fábricas pelo caminho.

Siena/San Gimignano/Florença

O coração desta região tem um nome mágico: Chianti. Para apreciadores de vinho, não é preciso dizer muito mais. As terras localizadas entre Siena e Florença são cobertas de belos vinhedos. No meio deles, aqui e ali, pipocam castelos medievais, vilas minúsculas, abadias centenárias, muitas adegas e algumas curiosidades, como o fato de que Monalisa, a musa de Da Vinci, teria nascido por aqui, na villa Vignamaggio, em 1479. No meio de tudo isso serpenteia a S-222, uma estradinha secundária de cerca de 70 quilômetros de extensão, quase sempre vazia (apressados preferem a auto-estrada que corre paralela). Numa ponta fica Siena, com seu charmoso centro histórico de ruelas estreitas. No coração da cidade, a Piazza del Campo reina soberana como uma das mais belas praças do país, aos pés da Torre del Mangia, de onde se tem uma linda vista de toda a região. É ali que Siena se transforma nos dias 2 de julho e 16 de agosto para sediar a mais antiga e emocionante corrida de cavalos do mundo, o Palio. Na outra extremidade, Florença. Todos os caminhos levam ao Duomo, o grande cartão-postal da cidade desde o século 15. E, de lá, à Piazza della Signoria, às grandes obras da Accademia e da Galleria Uffizi, ao Palazzo Pitti, aos Jardins de Boboli, ao Rio Arno, à Ponte Vecchio... E também aos melhores gelatos do país. A 53 quilômetros dali (e a 40 de Siena) fica outra bela cidadezinha-cenário: San Gimignano, declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Fundada no século 10, é famosa por suas torres medievais superbem preservadas - são ao todo 14.

Pisa/Lucca

Pisa é grande (tem cerca de 100 mil habitantes). É industrial. E, verdade seja dita, é feinha. Talvez não fosse em qualquer outro canto do mundo, mas na Toscana, onde cada vila parece ter sido esculpida à mão, ela é, sim. E é justamente por ser assim que ela precisa ser visitada. Ela não, a Piazza dei Miracoli. Percorrer as ruas sem graça dos arredores e de repente dar de cara com aquele descampado com o belo Duomo e, ao lado, a famosa torre inclinada, que começou a ser construída ainda no século 12, é um choque delicioso e imperdível. Mas que não demanda mais do que uma tarde. A menos de 40 quilômetros de distância fica a puco conhecida e badalada Lucca, um charme. No centro histórico, todo murado, o trânsito de pessoas divide espaço com o de bicicletas e, no final, tudo converge para a curiosíssima Piazza Anfiteatro, uma praça completamente oval no meio da cidadela. Nos arredores há vilinhas interessantes e uma concentração de cursos de culinária. Quem quiser aprender a fazer cantucci, o tradicional biscoito de amêndoas normalmente acompanhado por um cálice de vin santo, ou saber a diferença entre bresaola, pastrami e prosciutto, pode se hospedar em belos palacetes e passar uns dias de avental e gorro pela mais tradicional zona rural italiana, com direito a visitas a deliciosos mercados e feiras de rua, como a que acontece na pequenina Pistoia aos sábados pela manhã.

Cortona/Arezzo

Cena rum: um desajeitado Guido Orefici percorre as ruelas de um lindo centro histórico de bicicleta e sorriso escancarado, deixando ecoar pelos becos um sonoro "buongiorno principessa" para sua amada. Cena dois: uma escritora norte-americana recém-separada do marido embarca numa excursão para a Itália e, ao fazer um passeio pelo interior do país, se encanta com a região, manda o motorista parar, desce do ônibus, compra uma casa e nunca mais vai embora. Nos últimos tempos, essa região da Toscana foi elevada ao status de celebridade depois de ter servido de pano de fundo para sucessos de Hollywood. O primeiro, A Vida é Bela, protagonizado por Roberto Benigni, se passa no centro de Arezzo, um emaranhado de ruinhas calçadas recheadas de café, lojas de antiguidades e pequenos empórios que vendem massas e vinhos. O segundo, Sob o Sol da Toscana, narra a aventura real da escritora Frances Mayes em Cortona, uma cidade de pouco mais de 20 mil habitantes de origem etrusca, encarapitada no topo de um morro cercado de vinhedos. As duas foram feitas para ser saboreadas sem pressa. De preferência num café com vista. A estradinha que liga uma à outra tem menos de 30 quilômetros de extensão e os mais impressionantes campos de girassóis do país, durante os meses do verão. Reserve uma tarde para conhecer Il Borro, a 20 quilômetros de Arezzo, uma minúscula vila medieval do século 11 comprada e completamente recuperada pela tradicional família Ferragamo (leia-se Salvatore Ferragamo, uma das mais renomadas grifes italianas). As fachadas coloridas e gastas escondem segredos que quase já não existem mais - há um sapateiro que confecciona calçados à mão sob encomenda, um ourives, um marceneiro que faz brinquedos de madeira... Uma verdadeira viagem no tempo.

Maremma

Depois de meia hora andando numa trilha aberta na mata, com suaves descidas e subidas, a grande surpresa: uma faixa estreita de areia fina e branquinha e o mar azul, azul, tipo piscina. Pouca gente, nenhuma barraquinha, nenhum ambulante. Precisar, nem precisava. Mas a Toscana tem até praia. E a Cala Violina é maias um desses segredos que vão sendo revelados aos poucos. Maremma é a região onde a Toscana encontra o mar. Um Tirreno de águas tranquilas e transparentes que emoldura aquela mesma paisagem de cinema do interior. São 130 quilômetros de costa de frente para as ilhas do Arquipélago Toscano (Elba é a maior delas). A cidade mais encantadora dos arredores é Castiglione della Pescaia. Uma vilinha medieval que sobe o morro suavemente até encontrar o castelo e as muralhas lá no alto. Pelo caminho, se espalham cafés, mesas ao ar livre em pracinhas e um silêncio quase absoluto. Foi a poucos quilômetros dali que o chef Alain Ducasse resolveu abrir o seu primeiro country-inn italiano, instalado na antiga residência de caça de Leopoldo II de Lorena, o último duque da Toscana. Para chegar até o palacete de cor ocre é preciso percorrer uma estrada de 1 quilômetro de extensão em linha reta, ladeada por ciprestes - L'Andana, que emprestou o nome ao hotel. De um lado, oliveiras cobrem todo o morro. Do outro, os vinhedos seguem até onde a vista alcança. Foi ali que, naquele final de tarde da primavera, Giovanna suspirou. Poderia ter sido em Cortona, Siena, Montalcino, Florença ou na pequena Monticello. A Toscana é assim.



(texto publicado na revista Viagem e Turismo - O melhor da Itália - eidção 139-B)








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