sábado, 6 de dezembro de 2014

Ouça com atenção - Jaqueline Li


A todo instante, nós nos deparamos com situações, lugares, coisas e, sobretudo, pessoas que podem nos ensinar algo novo. É só ficar atento!

Jade Lapa já havia viajado com a escola várias vezes, mas nunca para mergulhar tão fundo em uma realidade completamente diferente da sua. Aos 15 anos, a estudante da 1ª série do ensino médio passou três dias com colegas e professores nas lavouras da região paulista de Ribeirão Preto. Foi conhecer de perto as plantações de cana-de-açúcar.

Superando as expectativas, o estudo de campo ensinou aos alunos coisas que eles nunca tinham visto em sala de aula. "Acabamos conhecendo uma parte esquecida do processo açucareiro", diz Jade. "A das pessoas que trabalham doze horas por dia para colher a cana e produzir o açúcar que a gente consome."

Durante a visita, os professores das mais variadas disciplinas puderam abordar questões diversas, relacionadas tanto à produção e à história, quanto ao impacto ambiental quanto às transformações sociais decorrentes das usinas. Mas foram as conversas com os trabalhadores do canavial que ficaram mais gravadas na cabeça de Jade: "Nas entrevistas, percebemos que a situação é mais complexa e contraditória do que aparece nos livros".

Assim, ouvindo e observando, os alunos tiveram a chance de acessar um saber que vai muito além do aprendizado formal. "Mesmo que seja um pouco cansativo, o estudo de campo é bem mais interessante", conta Jade. "Aprendemos muito mais, porque vimos as pessoas de perto e pudemos conversar com elas. E também porque discutimos em grupo, o que não fazemos tanto em sala. Foi demais!"

A experiência de Jade prova que o aprendizado é um processo que sempre passa pelas outras pessoas. "Cada um de nós precisa do outro para formular e questionar hipóteses, ampliar seus saberes, obter informações. Não é possível aprender tudo sozinho", diz Katia Borges, uma das fundadoras da Associação Pedagógica Praia do Riso. "Além dos conhecimentos escolares formais, é muito importante conhecer, respeitar e valorizar os saberes que vêm da experiência pessoal, ouvindo dos outros o que a vida lhes ensinou."

Em contato com o real

A jornalista e historiadora Camila Stähelin sabe bem como é comprovar essa teoria na prática. Acostumada a trabalhar com populações nativas, a pesquisadora de 31 anos já esteve em contato direto com comunidades indígenas no interior de Santa Catarina e do Pará, com sertanejos e garimpeiros do sertão da Bahia e até com aborígenes australianos.

Em todas essas vivências, as mesma sensação: tudo o que havia estudado nos livros começou a fazer mais sentido quando ela passou a ver as coisas frente a frente, quando pôde escutar, ao vivo e em cores, os testemunhos dos povos que estudava. "Antes de partir para a pesquisa de campo, a gente lê, escreve, traça hipóteses meio abstratas", explica Camila. "Mas o conhecimento mais concreto só começa a aparecer quando nos conectamos com a realidade, com as pessoas que a vivem."

Para a Maria Antonieta Antonacci, especialista em história oral da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), o testemunho das pessoas que viveram e vivem a história ampliou nosso conhecimento sobre o passado e o presente. "Hoje em dia sabemos levar em consideração as experiências, os valores e os sonhos de todo e qualquer ser humano."

Ouvidos bem abertos

Ana Carrer já estava atrasada para o casamento de uma amiga quando aconteceu uma pequena tragédia: "Cheguei à sala e vi que meu filho caçula, que não para quieto, tinha arrebentado vários botõezinhos de sua camisa", conta ela. "O pior é que ele iria entrar com as alianças!"

Tentando não se desesperar. Ana se lembrou de uma conversa que ouvira semanas antes, quando fora buscar roupas na costureira: "Ela estava ensinando a netinha a pregar botões, e fiquei só de ouvido. Não podia imaginar que esse conhecimento tão simples ia me salvar um dia". Recosturando a camisa do pequeno, Ana percebeu quanto podemos continuar aprendendo fora da escola, a qualquer momento. Basta cultivarmos o poder de observar, de ouvir, de ser sempre curioso. Afinal, os mestres estão em todos os lugares. Esperto mesmo é quem sabe aproveitá-los.

Livros vivos

Todos têm algo a ensinar. E qualquer um pode aprender. Quer saber como?

- Aprender não é apenas para os estudantes - e não precisa ser chato. O aprendizado pode estar em qualquer lugar, para qualquer pessoa.

- Fique atento ao que dizem os mais velhos. Sua sabedoria e seus conselhos podem nos ajudar nas situações mais difíceis - e também nas mais corriqueiras.

- Pessoas que dominam ofícios manuais são um grande depósito de conhecimentos práticos. Observe-as e, se puder, tire dúvidas, faça perguntas.

- Aliás, perguntar, se não for em local ou momento inoportuno, nunca deveria ser motivo de vergonha ou insegurança. Ter vontade de aprender é uma virtude.

- Não tenha preconceitos. Gente simples e com pouca instrução também tem valores, experiências e conhecimentos que podem ser muito úteis em nossa vida.




(texto publicado na revista Sorria para ser feliz agora nº 41 dez 2014/jan 2015)






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