domingo, 22 de março de 2015

Sustentabilidade, levada a sério (mas nem sempre, e nem por todos) - José Eduardo Mendonça (Planeta Sustentável)


Uma série de mudanças em curso mexem com os negócios como os conhecemos. Da velocidade da comunicação à acessibilidade à informação, temos mais transparência (com algumas exceções gritantes) e maior disseminação e sedimentação da globalização.

Em todas as fases da história do capitalismo, em especial aquelas após a Revolução Industrial, quem não se atualiza perece. Isto ocorre com mais velocidade ainda, em um momento que alguns chamam de capitalismo consciente ou regenerativo. O regime tem motivado ampla discussão, como mostram obras recentes. O polêmico O Capital no Século XXI, do economista francês Thomas Pikketty, tornou-se não por acaso um best-seller mundial, fenômeno raro para o gênero. A comunidade de negócios busca luzes. A sustentabilidade seria uma saída?

Depende. Mudanças nos investimentos refletem parte desta realidade, com recursos crescentes dedicados a fundos de sustentabilidade e impacto social. Esta nova abordagem pode ser o movimento mais significativo de nosso tempo, e ainda o mais mal entendido.

Nas duas últimas décadas, conceitos como os de governança (ou planejamento e gerenciamento responsável de recursos), a integração de fatores ambientais, sociais e de governança, comprometimento e investimento responsável ganharam grande aceitação na comunidade de negócios dominante.

Quase todos os investidores agora concordam que tudo isso importa para o retorno a longo prazo de investimentos. Basta olhar para os Princípios de Investimento Responsável (UNPRI) do chamado Global Compact, da ONU. "Ele pede a empresas que abracem princípios universais que se difundiram e se tornaram plataforma crítica de engajamento efetivo com os negócios globais esclarecidos", nas palavras de seu secretário-geral Ban Ki-moon.

De acordo com os signatários do Global Compact, "como investidores institucionais, temos o dever de atuar pelos interesses de nossos beneficiários. Neste papel fiduciário, acreditamos que governança ambiental, social e corporativa (ESG) pode afetar o desempenho de fortfolios de investimentos (em vários graus, dependendo de companhias, setores, regiões, classes de ativos e tempo).".

Os signatários são até o momento 300 proprietários de ativos e 900 administradores de fundos. De maneira semelhante, o estudo mais recente da Eurosif (Investimento Sustentável e Responsável na Europa) aponta ativos de U$ 7.1 trilhões administrados com estratégias que integram ESG em seus investimentos. Sabe-se também que 80% dos CEOs globalmente enxergam a sustentabilidade como rota para a vantagem competitiva.

Isto tudo parece sugerir que a comunidade de investimentos percebeu que estava sendo míope e pensando no curto prazo, e que isto agora está resolvido. Que aprendeu com os erros do passado e o cenário hoje é muito diferente. Então podemos nos dar por satisfeitos porque a negligência que resultou em enormes fracassos de governança na década passada não vai acontecer de novo.

Será mesmo? Estes códigos, princípios e revisões fizeram qualquer diferença fundamental nas práticas de investimentos? Se um administrador de um fundo ficasse totalmente alheio ao mundo de meados da década passada até hoje, iria perceber alguma alteração fundamental no modo como o mundo dos investimentos opera? No caso das empresas, veria ênfase maior em questões de governança e sustentabilidade?

A resposta pode ser não para estas perguntas, apesar de todos os compromissos em contrário. O foco majoritário ainda é o de análises financeiras de curto prazo e resultados trimestrais.

Há alguns anos, enquanto 4 milhões de barris de petróleo da BP vazavam no Golfo do México, causando um dos maiores desastres ambientais de todos os tempos, a empresa publicava seguidamente relatórios de segurança. Hoje são raras as referências a este tipo de problema. E, no caso de uma companhia que perdeu 50% de seu valor após o desastre - para a natureza e para os acionistas.

Em artigo publicado no ano passado na Fast Company, Tripp Baird, fundador do Builders Fund, reconhece que stakeholders estão cada vez mais preocupados com a inserção da sustentabilidade nas práticas das companhias. Mas sugere quatro questões para administradores de ativos: Descreva os negócios que incorporaram ESG no ano passado. Selecione meia dúzia de ações em seu portfolio e pergunte a suas empresas sua visão de ESG. Quem faz a análise de ESG e como está ligado a decisões de investimentos? O que aconteceria com a carteira de ativos se as emissões de CO2 fossem taxadas, precificadas ou reguladas de forma mais rigorosa?

É preciso desmistificar o que se passa por realidade. Baird menciona cinco mitos:

Mito 1 O investimento em impactos é um termo da moda para desperdiçar dinheiro. Realidade: companhias inteligentes entendem que propósito e rentabilidade andam de mãos dadas. O autor cita o caso da afirmação de Larry Page, CEO do Google, segundo o qual preferia dar seu dinheiro a Elon Musk, dono da Tesla, do que para caridade. (A Tesla é uma fabricante de carros elétricos e recicladora de foguetes dirigida pelo visionário e legendário Musk). Ou seja, não é que caridade não importa, mas que um negócio feito com propósito pode mudar o mundo e melhorar vidas no processo, ao mesmo tempo gerando belos retornos financeiros.

Mito 2 Ambiente e bem estar social são responsabilidades do governo. Realidade: empresas com abordagem holística liberam ativos inexplorados e criam vantagens  competitivas. O valor compartilhado faz empresas investigarem fontes de receita não exploradas perto de seu ambiente imediato, encontrando modos de maximizar os lucros e simultaneamente melhorar qualidade de vida humana e do ambiente.

Mito 3 (e fundamental nesta discussão): o objetivo da sustentabilidade corporativa é melhorar reputações. Qualquer coisa mais que isso prejudica os acionistas. Realidade: empresas sustentáveis têm desempenho melhor do que aquelas que não são.

Mito 4 Faz parte da natureza humana priorizar os lucros sobre a sustentabilidade. Realidade: consumidores são mais educados do que nunca sobre sustentabilidade e valores corporativos, e estão votando e fazendo opções com seu dinheiro.

Mito 5 O capitalismo de stakeholders é uma das escolhas. Realidade: o capitalismo dos stakeholders é vital para a sobrevivência continuada dos negócios. É mais do que hora de começar a pensar em lucro financeiro como um elemento de um contexto muito mais amplo - que inclua regeneração pessoal, social e ambiental. Isto vai requerer imaginação, criatividade e inovação. Estes elementos são cruciais ao grande sistema ao qual estamos ligados, como administradores, acionistas, proprietários e stakeholders. Sem a criação de valores partilhados nestas áreas, não existe espaço para lucratividade a longo prazo.

Para terminar, a maioria das pessoas hoje na direção de companhias nos quais diversos setores da economia sabem que elas criam impactos positivos e negativos. Isto é já também parte substancial da consciência pública, ou dos consumidores. O compromisso da sustentabilidade é a busca de redução dos impactos negativos e o aumento dos positivos - ou a chamada internalização das externalidades. Isto está no centro da justiça social e não deve ser visto como algo fora do papel dos atores da economia. Sustentabilidade não é diferente de estratégia. É uma maneira de pensar que molda a estratégia. O compromisso com a sustentabilidade não é alto estático. É um processo dinâmico, de atenção a tendências e expectativas sociais. Não é um destino. É um caminho a ser continuamente trilhado.
























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