domingo, 16 de agosto de 2015

A cor do dinheiro - Bruno Meier


Com milhões de exemplares vendidos, os livros de colorir tornaram-se moda entre adultos e salvaram a indústria editorial da retração no faturamento

Zelador de um prédio em Goiânia, Luciano Camargo fazia seus serviços rotineiros quando deparou com uma caixa abandonada contendo livros, revistas, gibis e um disco de Donna Summer. Estava com 13 anos, tinha interrompido a 3ª série do ensino fundamental para ajudar nas despesas de casa, e agarrou os dois livros que ali estavam: Eram os Deuses Astronautas?, de Erich von Däniken, e um despedaçado Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Márquez. 

Com o segundo título, conta o hoje cantor, começou uma longa convivência com os livros. O sertanejo - que, junto com o irmão Zezé, forma uma das duplas mais populares do país - é um leitor dedicado. Sempre abre um livro no banco do carro enquanto o motorista o leva para mais um show. Já leu clássicos alentados como Os Irmãos Karamázov, de Dostoievski. Mas o ritmo de leitura foi abalado nos últimos meses por um tipo de livro diferente, sem palavras nem história. Há três semanas, em sua casa num condomínio de luxo em Barueri, na Grande São Paulo, Luciano e a família, munidos de várias caixas de lápis de cor, debruçavam-se sobre desenhos de paisagens, florestas, bichos. Luciano aderiu - capitulou, diria um purista da literatura - à moda dos livros de colorir. Diz buscar neles sobretudo momentos de diversão com a família. As vendas do gênero são impressionantes: em seis meses, de janeiro a junho, os livros de colorir arrecadaram mais de 35 milhões de reais. Nesses tempos recessivos, o fenômeno salvou o mercado editorial brasileiro de uma retração em faturamento no primeiro semestre de 2015 (essas vendas milagrosas, porém, não aparecem na lista de mais vendidos de VEJA, pois livros de colorir não cabem nas categorias computadas ali). A oferta é de 136 títulos - sempre crescendo, pois as editoras estão correndo para pegar a onda -, mas uma única autora responde por dois terços de todas as vendas: a escocesa Johanna Basford, autora de Jardim Secreto e Floresta Encantada, que venderam juntos mais de 1,5 milhão de exemplares. São esses os preferidos de Luciano e família.

Os dois títulos são da editora Sextante, uma potência da autoajuda e de best-sellers como Dan Brown. Os irmãos Marcos e Tomás Pereira, donos da editora, compraram os direitos de publicação de Jardim Secreto na Feira de Frankfurt. Já sabiam que a art-thérapie ( terapia de arte) fazia sucesso no mercado livreiro francês, e imaginavam que isso pudesse ocorrer também no Brasil. "A melhor coisa de trabalhar com o irmão é que decidimos rápido", diz Marcos. Os dois editores tiveram, diante de Johanna, a mesma reação despertada, mais de dez anos atrás, por Um Dia Daqueles, do australiano Bradley Trevor Greive, livro de fotos de bichos fofos com frases inspiradoras que vendeu mais de 1 milhão de exemplares no Brasil: deram uma gargalhada, depois compraram. Jardim Secreto era uma aposta para as vendas de Natal. A tiragem inicial foi de 15 000 exemplares, com a meta de comercializar 100 000 em um ano. Sete meses após o lançamento, o título vendeu 960 000. A editora agora investe todas as fichas em Reino Animal, da inglesa Millie Marotta, livro de colorir com animais que saiu há pouco, com a tiragem de meio milhão de exemplares. Trata-se da segunda maior tiragem inicial já feita pela Sextante, só atrás de O Símbolo Perdido, de Dan Brown, com 800 000.

A demanda incentivou a criatividade editorial: de desenhos religiosos a eróticos, passando pelos inevitáveis gatos e cachorros, pode-se colorir de tudo. Fenômenos editoriais como esse são sazonais, e é razoável supor que o frenesi baixe com o tempo. Por ora, os livros de colorir movimentam a procura por lápis de cor e canetinhas. O vendedor ambulante carioca Max Luís Batista trabalhava com material escolar em um endereço de comércio popular do Rio de Janeiro. Há dois meses, começou a se concentrar apenas em caixas de lápis de cor. Tiro certeiro: seu faturamento bruto semanal esteá em 10 000 reais, contra os 1 000 reais de antes. "Deu para quitar meu cartão e o carro. Foi uma bênção", diz.

Em torno do gênero, surgiu uma bizantina controvérsia sobre a suposta desvalorização da leitura. Livrarias não são templos da cultura, mas sim casas de comércio - e, enquanto continuarem a vender livros de verdade, não cabem objeções a outro produto que mantenha o caixa fluindo. As livrarias vêm propagandeando as obras de colorir como "livros anti-stress". De fato, consumidores dizem que preencher o minúsculo espaço em branco de uma folha de relva com o lápis verde tem efeito tranquilizante. A própria Johanna Basford usa a carta do relaxamento para promover suas criações. Quando era funcionária de uma agência responsável por trazer ao Brasil DJs estrangeiros, como Avicii e Steve Angello, a mineira Marcela Lima só conseguia aplacar sua fobia de avião com livros de colorir. "Virou meu Rivotril", diz. A crise empacou as baladas: com menos DJs vindo ao país, Marcela perdeu o emprego. Pelo menos provisoriamente, socorreu--se do lápis de cor: criou uma conta no Instagram em que posta fotos e vídeos para ensinar técnicas de pintura com lápis. Com mais de 100 000 seguidores, conseguiu o patrocínio de fábricas de lápis de cor, e até tem ministrado cursos em Belo Horizonte. É a cor do dinheiro.





(texto publicado na revista Veja edição 2432 - ano 48 - nº 26 - 1º julho de 2015)

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